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Oleg Dyakonov

 

Coronel Percy Harrison Fawcett:

Cem anos de solidão

 Em defesa do explorador 

 

"Aos poucos desmancharemos todo esse chorrilho de mentiras que, ha tanto tempo e impunemente, se divulga sobre o desaparecimento de Fawcett".

(Romildo Gurgel, 1952)

  

Por Oleg I. Dyakonov *

De Moscou/Rússia

Para Via Fanzine

10/04/2018

 

O major Percy H. Fawcett em Santa Cruz del Valle Ameno, Bolívia,

na sua 5a expedição (1911, detalhe). Fonte: Torquay Museum.

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 Parte 1: Fawcett, o caluniado

 

Em 31 de agosto de 2017 completaram-se exatamente 150 anos desde o dia de nascimento do coronel Percy Harrison Fawcett, o lendário desbravador inglês das selvas sul-americanas, que em 1925 desapareceu sem deixar sinal no jângal matogrossense com sua pequena comitiva expedicionária, composta apenas por dois jovens companheiros, um dos quais era o seu filho mais velho. Apesar de todos os esforços, não resultou possível desvendar o mistério do sumiço desta famosíssima expedição.

 

É obvio que o mistério não estaria cercado dessa auréola de fama e considerado tão inconcebível – pois foram muitas as expedições que desapareceram no sertão em circunstâncias parecidas, – se não fosse pelo objetivo verdadeiramente fantástico que perseguia o coronel Fawcett, seguramente, o desbravador mais incomum na história da exploração geográfica do continente sul-americano.

 

Em pleno século XX, com todas as suas guerras mundiais, crises e revoluções, esse explorador pretendia encontrar cidades perdidas, últimos restos da lendária Atlântida, os quais, segundo sua profunda convicção, teriam existido no coração ignoto do Planalto Central do Brasil, considerado por ele a terra mais antiga do globo e o "berço da civilização". Cidades não apenas mortas, convertidas em ruínas e soterradas, mas, em primeiro lugar, cidades vivas, habitadas, supostamente ocultas em uma região desconhecida da ciência geográfica, cercada de altos montes nevados (as misteriosas "Serras Brancas"), onde desde os tempos do grande cataclismo planetário, ao longo de dez milênios, teriam permanecido, no isolamento do resto do mundo, os descendentes degenerados da raça e civilização mais antigas da humanidade.

 

A principal dessas fantásticas cidades – iluminadas, segundo Fawcett, de uma misteriosa "luz que nunca se apaga", hipotética maravilha da ciência e tecnologia pré-históricas, – foi definida por Fawcett como seu Objetivo Principal e apelidada de "Z" (nome de código, tendo a última letra do alfabeto o aparente significado de destinação final das buscas). Como ponto de referência, o coronel tinha consigo uma misteriosa estatueta de basalto (ou de jade, segundo algumas fontes), de origem incerta, sobre a qual estavam gravados sinais desconhecidos – um ídolo sagrado, que, como acreditava Fawcett, obrigaria a se prosternar às ferozes tribos selvagens que obstruíam os acessos ao Objetivo e serviria de uma espécie de passagem à Cidade Proibida, onde o coronel planejava permanecer por dois anos como mínimo para realizar pesquisas que assombrariam o mundo e revolucionariam à ciência.

 

Fantasia que não se tornou realidade (?): os três arrojados exploradores da expedição Fawcett ante a entrada da Cidade Perdida.

Ilustração de Brian Fawcett para o livro "Exploração Fawcett" (1953).

Fonte: Fawcett, 1954: 441.

 

O curso da insólita expedição foi seguido da imprensa mundial; segundo indicavam os jornais, "pelo romantismo e perigo, essa expedição dificilmente terá outra igual" (The Sun, London, April 24, 1925). Supunha-se que Fawcett enviaria, com certa constância, seus despachos a partir da selva com os corredores indígenas, descrevendo o progresso da sua sensacional exploração; mas conseguiu enviar só os três primeiros despachos, encontrando-se apenas nas proximidades do desconhecido. Mas ainda antes da sua mensagem final foi condecorado pela imprensa com o sonoroso título de "Novo Colombo" (O Jornal, Rio de Janeiro, 20 de Maio de 1925), pois assumiu, literalmente perante a humanidade, a obrigação de descobrir um inteiro mundo novo – o Mundo Desconhecido, de cuja realidade estava profundamente convicto... Naqueles primeiros meses do ano 1925, parecia que não tardariam em se tornar realidade as histórias das novelas fantásticas de Sir Arthur Conan Doyle e Sir Henry Rider Haggard, dois afamados escritores ingleses, ambos grandes amigos pessoais do coronel Fawcett.

 

Mas as selvas amazônicas não permitiram a que se realizasse a maior descoberta arqueológica e antropológica mundial imaginada por esse "libertador dos atlantes", devorando para sempre aos três arrojados – como se fosse para a edificação dos pósteros, caso atrever-se-ão a tentar desvendar o segredo mais proibido...

 

Já falta menos de um decênio para que esse mistério – um dos maiores mistérios do século XX, segundo sua fama muito firmemente consolidada, – complete um século inteiro. Mas, mais paradoxalmente, o interesse pela personalidade e desaparecimento do coronel Fawcett não apenas se encontra longe de se apagar, mas até parece aumentar de forma constante. Sem importar o fato de que os verdadeiros detalhes da sua história – mesmo até a maioria dos detalhes sobre o objeto das buscas do nosso herói que foram referidas acima - caíram no total esquecimento, cedendo terreno a mitos, invenções e mentiras premeditadas sobre o infeliz sonhador da fantástica civilização perdida.

 

Conspiração anti-Fawcett: versão moderna

 

É curioso que no mesmo ano do 150º aniversário de Fawcett, em 2017, também teve lugar a estreia internacional do filme "Z, a Cidade Perdida" – uma versão hollywoodiana da biografia de Percy Fawcett; mas os criadores do filme, ora não viram o valor desse fato, ora não considerassem preciso fazer coincidir a data da estreia da sua produção com a data do aniversário. O que, francamente, não assombra, haja vista uma falta quase absoluta de semelhança entre o Fawcett real e o Fawcett cinematográfico - esse será o tema da segunda parte deste trabalho.

 

Por que Hollywood ocupou-se do tema precisamente agora? A resposta seria que não apenas estamos passando por uma onda consecutiva do interesse público pelo lendário explorador desaparecido – uma onda que começou desde os meados dos anos de 1990 e parece estar estendendo-se ao longo de todo o primeiro quarto deste século, justamente o tempo do centenário das expedições Fawcett à América do Sul, – mas também de um interesse 'oficialista', promovido, por dizer, “de cima”, isto é, através das grandes mídias.

 

Quais são, então, os motivos deste último fenômeno?

 

Percy Fawcett, aproximadamente por volta

do início das suas expedições à América do Sul.

Fonte: fawcettsamazonia.co.uk

 

A atenção pela figura de Fawcett de parte do establishment oficial – cujas partes integrantes são, entre outras, a ciência, as mídias (tanto escritas, como de TV e Internet) e o cinematógrafo (ou, o que vir a ser, Hollywood) – obviamente, não poderia ser desinteressada nem abstrata, nem, muito menos, casual. Mais ainda, é muito natural e facilmente percebível: na Amazônia Brasileira, foi realizada uma série de notáveis descobertas arqueológicas e antropológicas, realmente assombrosas e inesperadas. Tudo aqui seria para elogiar, senão fosse por uma coisa: certos arqueólogos e jornalistas americanos opinaram que, para fins de publicidade, seria útil fazer uso do nome de Fawcett, associando-o com tais descobertas e convertendo-o no portador das ideias de uma corrente recente da arqueologia moderna. Com muita tristeza, há que se constatar que tanto a imagem do coronel, como a verdade sobre suas expedições, pesquisas e conceitos são sacrificadas atualmente pelas três poderosas instituições acima mencionadas em nome dos seus objetivos interesseiros.

 

Eis o que pode ser chamado de perspectiva “oficialista” americana de encarar Fawcett: um formal elogio como a um suposto precursor da arqueologia moderna, ainda que esse elogio esteja misturado com grande dose de difamação (como, por exemplo, a inevitável acusação de racismo), proveniente da típica ideologia de correição política; mas, em qualquer caso, o tal elogio ambíguo está sendo dirigido a um Fawcett falso e imaginário, que nunca existiu, mas que deve servir fielmente às ideias pós-modernistas; enquanto o verdadeiro Fawcett é deitado no esquecimento e o nada.

 

Contudo, nos interesses de justiça, há que assinar que certos documentários americanos do nosso século enfocaram o tema Fawcett de forma muito objetiva, mas, obviamente, nunca receberam o mesmo destaque que a mencionada versão 'oficialista' que teve o privilégio de ser promovida (com os devidos ajustes cinematográficos) por Hollywood mesmo.

 

Ao mesmo tempo, continua viva a outra atitude, que começou ainda na vida de Fawcett: em relação a esse homem e pesquisador digno em todos os sentidos, mas que teve a 'desgraça' de não se inserir nos padrões comuns do establishment, está sendo lançada a mais detestável e obscena difamação, que transtorna as mentes de muitos leitores e leva à uma direção que está diametralmente oposta à verdade. Essa segunda tendência, ou atitude, tem muito em comum com a primeira (ainda que pretendessem parecer antagonistas), porque ambas provêm de uma mesma fonte – a mentira; suas fontes radicam geralmente na atitude de certos cientistas, que por razões muito pessoais estão propagando seu ódio pessoal por Fawcett.

 

É curioso, e até engraçado, que ambas atitudes entraram em confronte direto justamente pelo motivo da estreia do filme "Z, a Cidade Perdida" em 2017; mais curioso ainda, que a segunda tendência, a de extrema difamação, tem sua sede em nada menos que a Grã-Bretanha e, mais especificamente, expressada por certos cientistas e exploradores da Royal Geographical Society, organização a qual o próprio Fawcett pertenceu! Como a mais bruta calúnia em relação ao coronel provém precisamente dessas pessoas, seria propício definir aqui essa atitude como a perspectiva 'britânica': ainda que não seja composta apenas dos compatrícios de Fawcett, vamos analisar neste trabalho as difamações lançadas precisamente por dois britânicos, sendo estas as mais recentes e mais extremas.

 

Finalmente, a terceira tendência neste fluxo é a mentira não premeditada, ou semi-premeditada (ou, quem sabe, talvez até premeditada?), causada pela negligencia e inexatidão de certos pesquisadores, que amontoaram quantidades de erros, até dos mais absurdos, nos seus escritos (nos nossos dias, também em vídeos).

 

Somando todas as três tendências juntas, pode-se falar de uma verdadeira conspiração anti-Fawcett; uma conspiração tanto contra a verdade, como contra a memória e a dignidade do lendário pesquisador, que segue sendo a esfinge não decifrada das selvas brasileiras...

 

Das três tendências, ou atitudes, mencionadas, apenas a primeira é um fenômeno completamente novo, gerado pela conjuntura específica da nossa época; as duas outras contam já quase um século inteiro, pois surgiram ainda em vida do nosso herói. Como prova disso, pode se citar o simples fato de que o digníssimo jornalista brasileiro Romildo Gurgel, dos Diários Associados, junto com Brian Fawcett, filho caçula do explorador, realizou em 1952 uma detalhada pesquisa das circunstâncias de vida, explorações e sumiço do coronel Fawcett, escrevendo uma série de reportagens para o Diário da Noite com objetivo especial de defender sua honra e dignidade! Segundo assinalou o próprio jornal (nesta e outras citações da imprensa brasileira, é mantida a ortografia da época, com fins de preservar a legitimidade bibliográfica), "ha muita mentira, muito exagero, muito  sensacionalismo barato em torno de Fawcett, e Romildo Gurgel, depois de estudar detalhadamente  tudo o que se prendia a passagem do 'globe troter' pelo nosso país, coligindo documentos e ouvindo informações preciosas, pôde reconstituir, com segurança absoluta, o caminho percorrido por Fawcett, até o ponto em que sumiu" (Diário da Noite, Rio, 28-1-1952).

 

Foi precisamente Romildo Gurgel quem mostrou de modo patente o monte de não apenas mentira e sensacionalismo barato, mas também de calúnia e difamação que se tinha acumulado então em torno à figura do explorador. Lamentavelmente, as reportagens de Gurgel foram praticamente esquecidas na atualidade, enquanto os escritos dos difamadores ganharam grande destaque a partir daqueles tempos. E a nossa época lançou novas acusações contra Fawcett, deturpando a realidade histórica a seu modo, já dentro do marco das exigências ideológicas atuais.

 

Pode-se constatar que, apesar da agiotagem que está sendo inflamada em torno ao nome de Fawcett praticamente a partir do momento do seu sumiço, como também da declarada "obsessão" de muitas pessoas pelo mistério da sua vida e morte, a verdade sobre esse homem de um modo ou outro continua sendo ignorada. Paradoxalmente, o mundo ainda não quer, nem consegue compreender esse misterioso personagem. O público geral está ora consumindo falsas versões impostas de cima, ora se satisfazendo com matérias populares, pouco informativas e pouco fidedignas, ao mesmo tempo ignorando fatos evidentes que já não são mais segredo qualquer.

 

Pode se dizer que ao coronel Fawcett verdadeiramente lhe couberam seus "cem anos de solidão": em vida, a solidão (ainda com o apoio da família) na luta pela realização de um grande sonho sem igual, como também pela comprovação de uma grande e atrevida hipótese; na póstuma, uma solidão de incompreensão, calúnia e mentira.

 

Contudo, Fawcett não se encontrou inteiramente sozinho nesses cem anos. Em todo esse tempo, teve alguns amigos póstumos, aliados e defensores verdadeiramente fiéis e dedicados. Na continuação, enumerarei apenas os principais.

 

Nina Fawcett (circa 1910).

Fonte: fawcettsamazonia.co.uk

 

O primeiro lugar, sem dúvida, pertence justamente a Nina Fawcett, esposa do coronel, sua correligionária e companheira de luta, a infeliz Penélope, que afinal não chegou a ver o seu Odisseu; a mulher que uma vez revelou a verdade sobre a rota e os objetivos de Fawcett na sua expedição final – uma verdade que o mundo nem sequer quis ouvir.

 

Brian Fawcett, na região do Xingu

(1952, detalhe).

Fonte: Fawcett, 1954.

 

O segundo, claramente, foi Brian Fawcett, filho caçula de Percy e Nina Fawcett. Baseando-se nos diversos escritos do seu pai, ele procurou reconstruir o manuscrito perdido do seu livro, editando o resultado dessa reconstrução (ainda que, francamente, muito subjetiva em várias vias) sob o título de "Exploração Fawcett" (“Exploration Fawcett”, 1953; título da edição americana do mesmo ano - “Lost Trails, Lost Cities”, “Trilhas Perdidas, Cidades Perdidas”) ‒ uma obra que se tornou best-seller, elucidando pela primeira vez os méritos do coronel e apresentando sua história com base nas fontes primárias. Contudo, vendo como o mundo tratou a memória do seu pai, Brian não quis revelar toda a verdade sobre a expedição final.

 

Harold T. Wilkins, em 1935.

Fonte: Wikimedia Commons.

  

O seguinte nesse campo foi Harold T. Wilkins, escritor, jornalista, viajante e atlantólogo inglês, amigo e correspondente de Nina e Brian Fawcett, que contribuiu grandemente para recriar a hipotética pré-história atlante da América do Sul. No seu livro "Os Mistérios da Antiga América do Sul" (1946), referindo-se a Fawcett, Wilkins, na sua própria expressão, "tentou, o melhor que podia, encher as lacunas que o destino dispôs que esse soldado e explorador da Legião dos Desbravadores, sempre adentando-se no desconhecido, deixasse com um grande ponto de interrogação através delas" (Wilkins, 1947: 5). Não apenas foi Wilkins o primeiro que encarou de forma verídica a grande questão sobre o objetivo da final expedição Fawcett, mas também o primeiro em revelar ao mundo a verdadeira imagem do coronel, a do explorador, pesquisador e atlantólogo. Até o presente, os livros de Wilkins "Os Mistérios da Antiga América do Sul" e "Cidades Secretas da Velha América do Sul" são os únicos que encaram o caso Fawcett desde uma perspectiva atlantológica (como, de fato, tem que ser encarado).

 

Segundo testemunha o jornalista brasileiro Antônio Calado, durante uma conversa com Brian Fawcett na região do Xingu, nas malocas dos Kalapalo, o filho do coronel chamou Wilkins de "muito meu amigo", explicando logo: "eu já estava tão cansado de ler livros em que meu pai aparecia como um vulgar cavador de ouro, que foi um alívio encontrar alguém que o mostrasse como o cientista e o explorador que era" (Callado, 1952: 38-39).

 

Romildo Gurgel.

Fonte: jotamaria-nomespotiguares.blogspot.com

 

Segue a Wilkins, Romildo Fernandes Gurgel, a quem já conhecemos, ‒ o erudito e escrupuloso jornalista brasileiro, profissional no mais alto sentido. Percorrendo, junto com Brian Fawcett, a maior parte do Brasil na procura de diversas informações sobre o desaparecido explorador e aspetos relacionados, se pronunciou, pela primeira vez no país, em defesa do coronel Fawcett, ‒ em contrapartida aos escritos e depoimentos do jornalista Edmar Morel e o sertanista Orlando Villas-Bôas, os mais renomados "anti-fawcetteanos" brasileiros.

 

Emmanouil Lalaios.

Fonte: twitter.com 

 

Justamente na véspera do nosso século, temos Emmanouil Lalaios, explorador grego e membro da Royal Geographical Society. Foi o primeiro a introduzir uma imagem verídica de Fawcett no espaço da Internet, em 1999, com o seu site "The Great Web of Percy Harrison Fawcett". Nas próprias palavras do pesquisador, foi o seu site que "chamou o coronel Fawcett de herói lendário da América do Sul. (...) ...mostrou ao mundo as capacidades e tremenda experiência deste lendário explorador. (...) ...conseguiu mudar a reputação do coronel Fawcett de um aventureiro e explorador inglês a uma eterna lenda do folclore sul-americano" ("The Great Web of Percy Harrison Fawcett"). Na atualidade, o site segue no ar, tendo recopilado, para o momento, o maior número de artigos sobre o temário Fawcett e assuntos afins.

 

Também foi o Sr. Lalaios o primeiro que denunciou, no seu site, às odiosas difamações emitidas por certos membros da Royal Geographical Society, de uma geração posterior a Fawcett, como também os mais prováveis motivos que estão detrás de tal atitude (mais abaixo, vamos encarar detalhadamente este assunto).

 

Misha Williams.

Fonte: phfawcettsweb.org

 

Finalmente, em 2004, Misha Williams, jornalista e diretor britânico de teatro e TV, de origem tcheca, que se dedicou durante 20 anos ao estudo de documentos genuínos de Fawcett (como também de documentos dos membros de sua família e seu círculo), pôs em cena sua peça de teatro "AmaZonia", na qual revelou a verdade secreta sobre Fawcett e seu objetivo (destas informações, falaremos detalhadamente em outra parte do presente trabalho). Mas, como foi no caso de Nina Fawcett, o mundo novamente não quis dar ouvidos, deixando-se posteriormente seduzir pela versão 'oficialista', emitida pelo jornalista americano David Grann e consagrada recentemente por Hollywood.

 

Mas a luta pela verdade tem de prosseguir, e o autor destas linhas, que também pesquisou por vários anos a vida e os mistérios do coronel Fawcett, espera contribuir com o presente trabalho para a causa à qual se dedicaram as personalidades acima mencionadas, tencionando de se converter no novo aliado e defensor de Fawcett. O meu principal objetivo é atrair a atenção dos leitores – em primeiro lugar, os brasileiros, como, sem dúvida, o próprio Fawcett desejaria, ‒ aos verdadeiros fatos relativos ao lendário explorador e denunciar o monte de mentira e calúnia mais recente, acumulada em torno à sua figura mesmo durante este século, defendendo novamente o nome e a honra do infeliz pesquisador, ultrajado por inúmeras vezes.

 

Não apenas merecem os brasileiros saber a verdade sobre o coronel Fawcett, mas também devem conhecê-la – em virtude de uma espécie de legado que o próprio Fawcett deixou, um fato, aliás, absolutamente desconhecido na atualidade. Harold Wilkins cita literalmente as seguintes palavras do coronel, pronunciadas logo antes de partir na sua jornada final (grifo meu): "Se haver alguma tentativa de enviar uma expedição atrás de nós, para descobrir nosso destino ou fortuna – e esperamos estar longe da civilização por dois ou mais anos – pelo amor de Deus, detenha-os! A Inglaterra não tem nada a ver com essa missão. É um assunto para o Brasil, inteiramente" (Wilkins, 1947: 67).

 

Não seria essa uma prova de que o coronel Fawcett não apenas estivesse perfeitamente disposto para com o Brasil (ainda que certos autores insinuassem coisa contrária), mas deixou seu legado precisamente a esse país?

 

Não há melhor maneira de entrar na batalha pela defensa de Fawcett senão tomando como divisa as excelentes palavras de Romildo Gurgel: "Aos poucos desmancharemos todo esse chorrilho de mentiras que, ha tanto tempo e impunemente, se divulga sobre o desaparecimento de Fawcett".

 

Trajetória de Percy Fawcett: suas primeiras expedições

 

Antes de passar ao exame do moderno "chorrilho de mentiras", devemos rever brevemente os fatos essenciais da biografia, expedições e pesquisas de Fawcett, para que depois, ao confrontar as mentiras com a verdade, possamos atribuir devido sentido e ubicação a diversos detalhes.

 

Imediatamente, deve-se fazer uma nota: o número mais comumente citado das expedições Fawcett é oito; mas na verdade foram oito viagens de Fawcett à América do Sul (nos anos 1906-1907, 1908, 1909, 1910, 1911-1912, 1913-1914, 1920-1921 e 1925), no entanto, o número das expedições efetuadas durante essas estadas, como evidentemente mostrarei logo, é onze.

 

Percival Harrison "Percy" Fawcett nasceu em 31 de agosto de 1867, no seio de uma família pertencente à aristocracia provincial britânica. Logo após finalizar a escola militar em 1886, serviu como oficial subalterno na guarnição de artilharia no Ceilão, onde começou a desenvolver seu interesse pelos vestígios das antigas civilizações, tais como ruínas e inscrições. No Ceilão, conheceu sua futura esposa, Nina Agnes Paterson, filha de um juiz de distrito da administração colonial britânica. Retornando à Inglaterra no início da década de 1890, Fawcett leva a vida ordinária de um oficial das guarnições da Artilharia Real, enquanto sonha apaixonadamente por sair dessa rotina. Com esse fim, em 1900 se junta à Royal Geographical Society (RGS), contraindo matrimônio com Nina (em 1901), que compartilhava plenamente suas aspirações. No mesmo ano, foi enviado pela RGS à sua primeira expedição – a Marrocos (1901-02), onde Fawcett, pela primeira e última vez em sua vida, também estava engajado no trabalho de inteligência. Depois disso, ele serviu em Malta, onde, primeiramente sob a orientação de sua esposa, tinha dominado o básico da topografia e o uso de teodolito, e logo depois, por sua própria iniciativa e às suas custas, completou brilhantemente o curso do levantamento topográfico de fronteiras organizada pelo War Office (Ministério da Guerra). Posteriormente, Fawcett serviu em Hong Kong, novamente no Ceilão (onde em 1903 nasceu Jack, seu primogênito) e na Irlanda (onde em 1906 nasceu Brian, seu filho caçula).

 

Pouco antes de completar os 40 anos, o inglês Percy Fawcett, major de Artilharia Real e topógrafo qualificado, entrou através da Royal Geographical Society para o serviço do governo da Bolívia como subcomissário para a demarcação das novas fronteiras desta república sul-americana, surgidas como resultado da perda pela Bolívia da região do Acre, rica em borracha, na guerra com o Brasil. Essa nomeação foi a viragem decisiva no destino de Fawcett, pois não apenas deu-lhe a possibilidade de trabalhar como topógrafo na América do Sul, mas também de desbravar áreas inexploradas que precisavam de mapeamento, sendo realizado assim seu sonho de se tornar um explorador. Durante sua primeira expedição (1906-07), Fawcett, após uma longa jornada pelos diversos rios da região boliviana da borracha, de um barracão (estabelecimento para exploração de borracha e de caucho) para outro, depois de experimentar muitas aventuras (sendo a mais famosa o encontro com uma anaconda de 20 metros no rio Abunã) realizou com sucesso a demarcação da fronteira noroeste da Bolívia com o Brasil, das nascentes do rio Acre até as temíveis cachoeiras do alto Madeira, ganhando reconhecimento geral e obtendo sua primeira experiência na selva sul-americana.

 

A comitiva Fawcett em Porvenir, no rio Orton (no Noroeste boliviano, perto do rio Acre, fronteiriço com o Brasil), 1906 (1a expedição Fawcett, 1906-07).

Fawcett aparece sentado.

Fonte: Fawcett, 1954.

 

Na sua segunda expedição (1908), o próprio Fawcett se ofereceu para explorar outra seção inexplorada da fronteira boliviano-brasileira, atravessada pelo "misterioso" rio Verde (afluente do grande Guaporé, fronteiriço entre a Bolívia e o Brasil), cuja nascente não tinha podido ser exatamente determinada por longo tempo. Após realizar efetivamente o levantamento do Verde, o grupo de Fawcett empreendeu o retorno através da Serra de Ricardo Franco (que mais tarde serviu de protótipo para a novela "O Mundo Perdido", de Sir Arthur Conan Doyle, um amigo de Fawcett), quase morrendo de inanição. Em 1909, Fawcett empreendeu uma segunda expedição à mesma área (terceira pela conta geral), desta vez juntamente com a comissão brasileira de limites, para confirmar os resultados obtidos anteriormente.

 

Fawcett realizando o levantamento da fronteira entre o Brasil e a Bolívia, perto de Corumbá (detalhe).

(2a expedição Fawcett, 1908).

Fonte: RGS.

 

Em 1910, o governo boliviano transferiu Fawcett para a demarcação de outra seção das suas fronteiras, desta vez com o Peru. Após estudar a questão, Fawcett considerou necessário realizar um estudo preliminar do Heath, rio fronteiriço na região boliviana do Caupolicán (Apolobamba), considerado insuperável devido à presença dos "ferozes Guarayos", conhecidos na época como uma das tribos indígenas mais selvagens e indomáveis da América do Sul. Aposentando-se do serviço militar britânico e tomando consigo vários oficiais não comissionados ingleses, Fawcett empreendeu sua quarta expedição, atingindo a aldeia dos índios Guarayo no Heath; durante o choque que se seguiu, ele proibiu categoricamente aos seus homens de fazer fogo e foi pessoalmente ao encontro dos índios através do rio sob uma chuva de flechas, sem armas e com as mãos levantadas, tendo conseguido ganhar com esse ato a confiança dos Guarayo e entrar em contato com eles. Posteriormente na mesma expedição, a comitiva estabeleceu amizade com outra tribo indígena no mesmo rio – os Echoja, pacíficos e hospitaleiros.

 

Fawcett e sua comitiva no alto Heath

(foto da 4a expedição Fawcett, 1910).

Fonte: Fawcett, 1911.

 

Em 1911, Fawcett, como chefe de fato da comissão boliviana de limites, efetua sua quinta expedição, durante a qual se dedica à demarcação da fronteira boliviano-peruana desde o lago Titicaca até o rio Heath. Depois de trabalhar na região dos Andes, que se desenvolvia nas condições da crescente tensão com a comissão de limites peruana (também composta por oficiais ingleses), Fawcett retornou ao Heath para verificar os resultados topográficos anteriormente obtidos e, ao mesmo tempo, começar a implementar seus próprios planos de pesquisa – um estudo mais profundo dos índios Guarayo, bem como as buscas pelas misteriosas ruínas antigas e gigantes répteis pré-históricos que supostamente teriam sobrevivido na área. No entanto, uma nova expedição à área do Heath teve que ser finalizada antecipadamente devido à situação extremamente crítica de alguns dos seus participantes.

 

Depois de 1911, Fawcett renunciou à comissão boliviana de limites, não querendo ser empenhado na disputa territorial entre a Bolívia e o Peru, que ameaçava escalar em um conflito armado. Desde então, Fawcett já não mais é envolvido no trabalho topográfico nas fronteiras, convertendo-se, desde 1913, em um pesquisador privado.­

 

Naquela altura, Fawcett estava ativamente interessado nas três áreas de pesquisa científica: etnologia, criptozoologia e arqueologia. Ao longo das suas viagens, ele colecionou informações sobre os misteriosos "índios brancos" – indígenas brancos sul-americanos, de cabelos ruivos e olhos azuis, uma tribo destes, os "morcegos", morando supostamente ao norte de Diamantino, no noroeste do Mato Grosso, e aparecendo apenas pelas noites. Ao mesmo tempo, havia rumores persistentes sobre as enormes trilhas de monstros gigantes saindo dos pântanos e rios, – supostos testemunhos da sobrevivência dos dinossauros até a atualidade; destes, os mais persistentes eram rumores sobre o "monstro de Madidi", que habitaria o rio boliviano desse nome. Da mesma forma, Fawcett também estava fascinado pelas lendas sobre as antigas ruínas escondidas na selva (revividas com a descoberta, em 1911, de Machu Picchu, a cidade perdida dos incas) e as velhas crônicas dos conquistadores e missionários referindo-se ao misterioso império do Grande Paititi, supostamente localizado em algum lugar da região fronteiriça entre a Bolívia, o Peru e o Brasil.

 

Membros da comitiva Fawcett ao lado de um cacto gigante,

perto da cidade de Santa Cruz de la Sierra, Bolívia Oriental

(foto da 6a expedição Fawcett, 1913).

Fonte: Fawcett, 1915.

 

Em 1913, Fawcett parte na sua sexta expedição, que também seria sua primeira expedição privada de pesquisa. Originalmente, planejava atingir a Bolívia Oriental e sua principal cidade, Santa Cruz de la Sierra, mas por causa de um ano anormalmente chuvoso, foi forçado a mudar os planos e retornar temporariamente aos antigos lugares de suas expedições (o Caupolicán) para se envolver com as pesquisas secundárias. Mais tarde, após chegar a Santa Cruz de la Sierra, Fawcett afinal não conseguiu começar o trabalho planejado devido à doença de um dos seus companheiros. Atrasando temporariamente os seus planos, ele retorna então à capital da Bolívia, La Paz, examinando no caminho a antiga fortaleza incaica de Samaipata e as lendárias minas de ouro dos jesuítas em Sacambaya. De volta a La Paz, Fawcett presenta às autoridades o seu projeto de estrada de automóvel ligando a cidade de Cochabamba à Santa Cruz de la Sierra, formidável obra de engenharia, por sobre montanhas altíssimas. O plano de fato foi implementado somente na década de 1950.

 

Em 1914, renovando a composição da sua comitiva expedicionária, Fawcett novamente viajou para a cidade de Santa Cruz de la Sierra, começando dali sua sétima expedição, dirigindo-se desta vez para a região fronteiriça do rio Guaporé e visitando lugares conhecidos dele desde o tempo das expedições ao Verde em 1908 e 1909. Do rio Mequéns, afluente do Guaporé, viajou para a região da Serra dos Parecis, na atual Rondônia (na época, no extremo noroeste do Mato Grosso). Lá, Fawcett descobriu uma tribo até então desconhecida, os Mashubi (Arikapú atuais), que demostravam surpreendentes sinais de uma cultura altamente desenvolvida em outrora. Adentando-se na selva para o nordeste dos Mashubi, alguns dias depois a comitiva Fawcett encontrou uma outra tribo, ainda mais impressionante, os Maricoshi, cujos representantes, na descrição de Fawcett, não pertenciam ao tipo antropológico normal, como os outros índios, mas tinham o aspeto de primitivos hominídeos pré-históricos, aparentemente de tipo neandertal (corpo coberto de cabelo, testa oblíqua). Não resultou possível estabelecer contato com eles, e a comitiva Fawcett foi forçada a recuar diante do comportamento agressivo dos Maricoshi.

 

As pesquisas sul-americanas de Fawcett foram interrompidas pela Primeira Guerra Mundial. No início de 1915, ele voltou à Inglaterra, entrando de novo no serviço militar e até 1919 serviu na Frente Ocidental. Em 1916, pelos seus serviços de explorador, foi condecorado com a Real Medalha de Ouro do Fundador da Royal Geographical Society. Em 1919, se aposentou novamente, no cargo de tenente-coronel da Artilharia Real, sendo premiado com a ordem militar "Distinguished Service Order" (DSO).

 

Trajetória de Percy Fawcett: suas expedições tardias e o sumiço

 

Após a guerra, Fawcett apenas conseguiu "pegar os fios" das suas anteriores atividades: não encontrou apoio para suas ideias "alternativas" no nível científico, sendo ainda mais difícil, no período de pós-guerra, encontrar financiamento para um projeto tão estranho como a procura pelos vestígios de uma civilização perdida. No mesmo ano de 1919, Fawcett tomou conhecimento do famoso Documento 512 (na conhecida tradução inglesa de Lady Isabel Burton), que testemunha a existência de uma cidade perdida no sertão da Bahia; convencendo-se assim de que no Brasil existia mais de um fragmento da antiga civilização. Logo, Fawcett conseguiu obter apoio do presidente eleito do Brasil, Dr. Epitácio Pessoa, que visitou Londres em 1919. Em fevereiro de 1920, Fawcett chegou pela primeira vez ao Rio de Janeiro, onde encontrou apoio na pessoa do embaixador britânico Sir Ralph Paget; em maio, teve lugar o encontro trilateral entre Fawcett, presidente Pessoa e o general Cândido Rondon, maior sertanista brasileiro. Ficou acordado organizar uma expedição mista anglo-brasileira, mas a parte brasileira, afinal, não participou devido à escassez de fundos públicos. Contudo, Fawcett recebeu um subsídio estatal para o seu empreendimento.

 

Durante sua estada no Rio, Fawcett estabeleceu importantes contatos: conheceu o tenente-coronel e doutor Daniel Robert O'Sullivan Beare, seu compatrício, cônsul-geral britânico na então capital brasileira, que teria descoberto ruínas ciclópicas de uma cidade perdida no sertão da Bahia, a leste do rio São Francisco, (sobre essa descoberta, veja o meu artigo “Centenário da redescoberta da Cidade Perdida da Bahia”. Em memória ao coronel e doutor Daniel Robert O'Sullivan Beare, um esquecido explorador das cidades perdidas do Brasil"), bem como ao Dr. Alberto Childe (pseudônimo do imigrante russo Dmitri Petróvich Vanítsyn), conservador-chefe das antiguidades clássicas do Museu Nacional, quem ajudou a Fawcett nos estudos epigráficos, precisamente, na reconstrução da suposta escrita pré-histórica brasileira e a decifração das inscrições da misteriosa estatueta de basalto pertencente a Fawcett.

 

No Rio, o coronel encontrou o primeiro companheiro da sua próxima expedição – o major e boxeador australiano Lewis Brown, com quem partiria para o Mato Grosso em agosto. Por causa da impossibilidade de os oficiais brasileiros se juntarem à expedição, o embaixador britânico Paget envia a Fawcett o ornitologista americano Ernest "Ernesto" Golsan Holt como substituto. No final de setembro, começa a oitava expedição Fawcett: juntamente com o australiano e o americano, ele parte de Cuiabá para o norte, com intenção de passar pelo menos dezoito meses entre os índios do sertão, atravessando depois pelo 12º paralelo a leste, até a Bahia. No quarto dia da expedição, o australiano Brown parte de regresso à Cuiabá devido à doença e inaptidão geral. Em 12 de outubro, a expedição, agora composta apenas por Fawcett e Holt, visita a fazenda Rio Novo, da propriedade do coronel Hermenegildo Galvão, o mais poderoso fazendeiro na região, que repassa a Fawcett muitas informações intrigantes sobre os mistérios do sertão. Em 17 de outubro, Fawcett encontrou no caminho o capitão Ramiro Noronha, explorador brasileiro da Comissão Rondon, com quem o coronel estabeleceu amizade e até mesmo o convidou para participar da expedição, o que Noronha teve de rejeitar, estando ocupado no levantamento do rio Kuluene. Juntos, Fawcett, Holt e Noronha chegam ao Posto Indígena Bakairi, o mais avançado da civilização na região, fundado por Noronha mesmo; de lá, Fawcett e Holt, após dois dias de estada, partem para o norte, mas após uma penosa jornada de 25 dias são forçados a voltar atrás devido às condições mais difíceis (tempestades, ataques de insetos, falta de água). O acampamento 15 desta jornada mais tarde tornar-se-á o famoso "Dead Horse Camp", ou Campo do Cavalo Morto (o nome se deve ao fato de o cavalo Fawcett cair por fadiga naquele lugar durante o caminho de volta).

 

Por motivo incerto, Fawcett abandonou seu plano de realizar uma segunda expedição ao sertão matogrossense, desta vez por via fluvial, em março de 1921; em abril do mesmo ano, saiu primeiro para o Rio e depois para a Bahia, pretendendo explorar a área de Gongogí, ao sul de Salvador, uma zona ainda desconhecida no interior da Bahia, onde, segundo Fawcett leu em um artigo do Dr. Lindolfo Rocha, sertanista e escritor brasileiro, na Revista do Instituto Geographico e Histórico da Bahia, haviam indícios de cidades perdidas associadas ao Documento 512. Juntamente com o seu companheiro Holt, Fawcett partiu em sua nona expedição, viajando ao sul do estado da Bahia; inspecionou a Serra de Gongogí, varando-a em ziguezague, contornando as bacias dos rios Gongogí, Pardo, Rio de Ouro e Verruga e visitando as cidades e vilas de Jequié, Boa Nova, Verruga, Poções, Vitória da Conquista e seus arredores. A busca pelas cidades perdidas e indígenas isolados na região afinal não foi coroada de sucesso, embora o terreno realmente fosse muito pouco conhecido na época: cada morador das florestas que Fawcett encontrava, acreditava ser o único habitante do lugar e que ninguém viveria mais adiante.

 

Já sem Holt, em quem Fawcett deixou de confiar, o coronel empreendeu sua décima expedição – a única na qual foi sozinho; esta prolongou-se por um período de três meses (aparentemente, de agosto a novembro de 1921). Atingindo o sertão no noroeste do estado da Bahia, Fawcett seguiu o roteiro do Documento 512, bem como o mapa para a cidade perdida que lhe foi fornecido pelo seu amigo, o coronel O'Sullivan Beare. Alcançando a área deserta da caatinga, a noroeste de Lençóis, não muito longe de Xique-Xique e um pouco a leste do rio São Francisco, quando seu abastecimento de água e comida estava quase esgotado, Fawcett, segundo suas próprias e repetidas declarações, realmente encontra uma perdida cidade de pedra, ou um subúrbio desta, na forma de ruínas ciclópicas (sobre essa descoberta, veja no meu artigo, “Centenário da redescoberta da Cidade Perdida da Bahia”), correspondendo à descrição do Documento 512, como também ao depoimento de Beare. Esta descoberta segue sendo ainda um mistério sem solução, mas a maioria quase absoluta dos autores que escrevem sobre Fawcett prefere simplesmente ignorar esse fato, ao contrário das declarações diretas e inequívocas do próprio coronel.

 

Voltando à Inglaterra, Fawcett, ao longo dos três anos seguintes, experimentou o estágio de vida mais difícil, tentando reunir, em meio da ruína econômica da família, os devidos fundos para empreender uma nova e derradeira expedição. Como companheiro nesta empreitada, ele escolheu o seu filho mais velho, Jack, e mais tarde, com a recomendação do último, Raleigh Rimell, um amigo de infância de Jack (que na época morava em Los Angeles, Califórnia), devendo este atuar como fotógrafo da expedição.

 

No início de 1924, Fawcett submeteu à Royal Geographical Society o seu plano para uma nova expedição, de acordo com o qual, ele pretendia deixar a civilização em Cuiabá e tomar rumo ao norte com as mulas para o Paranatinga; descer este rio em canoa até cerca de 10° de latitude sul e seguir para leste a pé; passar ao Xingu e depois, ao Araguaya; chegando ao Porto Nacional no Tocantins e, eventualmente, saindo para a Barra do Rio Grande no São Francisco (The Geographical Journal, Vol. LXXI, No. 2 (Feb., 1928): 176).

 

Ao mesmo tempo, Fawcett recrutou a ajuda do destacado jornalista irlandês George Lynch, que conseguiu anunciar o empreendimento de Fawcett em Nova York e recolher os fundos iniciais, que ele, embora, deixasse esbanjar por sua própria licenciosidade ainda antes da chegada do coronel. Em 10 de dezembro de 1924, Fawcett e seu filho Jack chegam a Nova York, onde se une a eles Raleigh Rimell. Durante o próximo mês, o coronel consegue excelente sucesso público e apoio de círculos científicos e patrocinadores, sendo o principal destes últimos a North American Newspaper Alliance (NANA), maior consórcio de jornais nos Estados Unidos, que assinou um contrato com Fawcett, que então se tornou correspondente especial da NANA. Para tanto, ele enviaria índios corredores com seus despachos do último posto avançado da civilização, descrevendo passo a passo sua busca pela "Jungle City", para que os leitores pudessem seguir a expedição à medida que os eventos se desenrolassem; prosseguindo posteriormente seu relato com despachos, enviados da própria Cidade Proibida! Semelhantes arranjos são feitos com vários outros jornais em todo o mundo, de modo que a insólita expedição ganhou a atenção de milhões de leitores. No entanto, de acordo com os termos, a maioria dos fundos tinha que ser paga a Fawcett somente após a jornada.

 

No final de janeiro, Fawcett e os dois rapazes partem para o Rio, e no Brasil, encontram-se no centro da atenção pública; durante toda a sua estada, eles gozam de apoio das autoridades, tanto a nível federal quanto estadual. No dia 11 de fevereiro, partiram para São Paulo, chegando à Corumbá no dia 20 do mesmo mês; donde no dia 23 começam a viagem fluvial no vapor "Iguatemi", pelos rios Paraguai, São Lourenço e Cuiabá, até a cidade de Cuiabá, ponto de partida da jornada. A estada do grupo na capital do Mato Grosso estende-se de 3 de março a 20 de abril, tempo dedicado à aquisição de animais e equipamentos e na contratação de dois guias (estes posteriormente foram identificados como os sertanejos José Galdino e Simão de Oliveira). Ao mesmo tempo, Fawcett recolhe dos locais várias intrigantes informações associadas aos potenciais vestígios de antiga civilização e edifícios de pedra na selva; em particular, sobre uma antiga torre de pedra, parcialmente desmoronada, através das portas e janelas da qual uma luz estava brilhando constantemente. Tal torre encontrar-se-ia aproximadamente no meio caminho de Cuiabá à "Z" (Fawcett, 1953b: 298-9; The Sun, London, April 24, 1925).

 

Famoso 'tríptico' fotográfico da comitiva Fawcett na expedição final (1925): no centro, o coronel Percy Fawcett; à esquerda, seu filho Jack Fawcett; e Raleigh Rimell, à direita.

Fonte: RGS.

 

Em 20 de abril, com a saída da comitiva de Cuiabá, começa a 11ª e final expedição Fawcett. Em 15 de maio os expedicionários chegaram ao Posto Bakairi, tendo passado cinco dias neste trecho de viagem na fazenda Rio Novo, gozando da hospitalidade do coronel Hermenegildo Galvão, com quem Fawcett fez amizade em 1920. A comitiva permanece no Posto Bakairi de 15 a 20 maio, preparando-se para sair fora de limites da civilização. Nas cartas dos dois Fawcett, pai e filho, escritas nos últimos dias da estada no Posto, é mencionado o encontro com Roberto, um cacique Bakairi, quem testemunhou-lhes a existência de uma misteriosa cachoeira (que anteriormente também tinha sido mencionada pelo coronel Galvão), à uma distância aproximada de três semanas do Posto; o seu estrondo podia ser ouvido a cinco léguas, e havia uma rocha íngreme, protegida das águas e coberta com inscrições e pinturas rupestres mostrando homens e cavalos; a região da cachoeira teria sido infestada de "índios maus", e no meio caminho às cidades perdidas (que teriam sido construídas pelos antepassados mais antigos dos Bakairi) havia uma torre de vigia (Fawcett, 1954: 435-6, 437-8).

 

Nas suas cartas datadas de 20 de maio, os Fawcett demostram sérias preocupações com o estado do seu companheiro Rimell, cuja perna estava inchada e ulcerada das feridas produzidas pelas picadas de carrapatos já durante um bom tempo; o coronel francamente admite estar "nervoso" acerca da capacidade de Rimell de suportar a parte mais difícil da viagem (ibid: 436-7).

 

Na mesma carta, o coronel diz que espera entrar em contato com a antiga civilização dentro de um mês e alcançar o objetivo principal em agosto (Ibid: 438).

 

Não há quaisquer informações sobre o caminho percorrido pela comitiva de 20 a 29 de maio. A última correspondência do coronel data de 29 e 30 de maio, quando, segundo ele, se encontravam no lugar do antigo acampamento da sua expedição de 1920, o Campo do Cavalo Morto. Aqui temos o primeiro da interminável lista dos mistérios sem solução que seguiram após o sumiço do grupo: na última carta à sua esposa Nina, escrita em 29 de maio (Fawcett, 1953b: 300-1), Fawcett indica as coordenadas do Campo como 11º 43' S. e 54º 35' O.; mas no último despacho à NANA, datado de 30 de maio (Daily Mail, Brisbane, Qld., 20 January 1926), o mesmo campo não é chamado mais de "Dead Horse Camp", mas de "Camp Fawcett", e suas coordenadas são indicadas como 13º 45' S. e 54° 37' O. – uma diferença considerável, uma vez que a segunda localização encontra-se a uns 225 quilômetros ao sul da primeira.

 

Jack Fawcett e Raleigh Rimell no Campo do Cavalo Morto (29-30 de maio de 1925). Uma das últimas fotos da expedição. Raleigh aparece se apoiando sobre um dos animais, não podendo se sustentar no pé inchado.

Fonte: RGS.

 

Na carta à esposa – um documento que posteriormente ganharia imensa fama –, Fawcett lamenta a abundância de moscas e novamente expressa sua ansiedade por Rimell, cuja perna ainda estava enfaixada, mas, contudo, ele recusava voltar à Cuiabá. De acordo com o plano, o grupo tinha que permanecer no acampamento por alguns dias, preparando o retorno dos guias, depois, continuar a viagem com oito animais, saindo, após alguns dias, além da área em que se encontravam, e entrar em contato com os indígenas em cerca de uma semana ou dez dias, quando teriam a oportunidade de chegar àquela cachoeira, da qual tanto se falava. A última frase da carta era: "Você não deve ter medo de qualquer fracasso...".

 

Na continuação, seguem os trechos essenciais do terceiro e último despacho de Fawcett, escrito em 30 de maio, – a derradeira mensagem do coronel ao mundo, mas, ainda assim, um documento muito menos conhecido do que a anteriormente citada carta de 29 de maio: "Enviar esta carta custa esforço infinito, pois esta região é a que os índios locais chamam de 'mundícia' – isto é, terra dos insetos. (...) Do Forte Bakairi, donde enviei meus despachos anteriores, nossa jornada não foi um leito de rosas. Tivemos que cortar o nosso caminho através de milhas da 'cerrada' [N. A.: cerrado] – uma floresta de mato seco e baixo; cruzamos inúmeros pequenos riachos nadando, vadeando e revestindo; escalamos colinas rochosas de aspecto proibido; fomos comidos por insetos. Raleigh Rimell, o terceiro membro do nosso grupo, ainda está sem bota no pé esquerdo, resultado de uma picada de inseto infectada. Por isso, instei-o a voltar se ele se sentisse desconfortável, mas ele insiste em continuar. Os nossos dois guias voltam daqui. Eles estão cada vez mais nervosos enquanto avançamos para a região indígena e odeiam a Terra dos Insetos. (...) Todos os nossos animais sobrevivem. Sete ou oito continuarão conosco, o resto voltará à Cuiabá com os guias. (...) Não entraremos na região interessante por mais duas semanas. Depois disso, estaremos entre os índios, com todas as aventuras que isso implica. É uma região difícil de entrar e penetrar. Eu continuarei a preparar despachos de tempo em tempo, na esperança de poder enviá-los, finalmente, através de uma tribo amigável de índios. Mas duvido que isso seja possível".

 

O coronel Fawcett despedindo-se do guia José "Gardênia" Galdino, logo antes da partida dos guias para Cuiabá. À direita, o jovem Simão de Oliveira, segundo dos guias; à esquerda, Raleigh Rimell, apoiando-se sobre uma mula, segundo parece, com um olhar cansado e desiludido. Aparentemente, essa foi a última foto da expedição Fawcett.

Fonte: RGS.

 

Como sabemos, acabou sendo impossível. Desde aquele dia até o momento, não tem chegado a nós qualquer informação confiável sobre o destino do coronel Fawcett e seus dois jovens companheiros, que foram procurar por descendentes sobreviventes da civilização atlante nos ermos do Brasil Central. A não ser por um dos cães da comitiva Fawcett, o Tupi, que voltou à fazenda do coronel Hermenegildo Galvão (de onde era originário) três meses após a partida da expedição, bem como pelo aparecimento, no mesmo local, de um estranho bando de andorinhas pretas e incrivelmente grandes que o fazendeiro supersticiosamente também associou com a comitiva – como o bando de pássaros tinha chegado voando da direção onde seguiram os três viajantes e partiu depois na mesma direção (À Noite, Rio de Janeiro, 20 de Janeiro de 1928).

 

Segundo os dados obtidos pelo jornalista Romildo Gurgel com Brian Fawcett, filho caçula do explorador, o programa de pesquisas arqueológicas de seu pai na expedição final seria o seguinte: "Pretendia encontrar inscrições, no Xingu'; umas torres altas de que falavam os índios, entre o Xingu' e o Araguaia; e, entre o Araguaia e o Tocantins, uma cidade antiquíssima e desconhecida. De lá pelo paralelo 12, alcançaria a Bahia, onde julgava encontrar a outra cidade da qual estivera tão perto [N. A.: isto é, em 1921, durante o avistamento da cidade do coronel O’Sullivan Beare, supostamente a mesma do Documento 512]" (Diário da Noite, Rio, 4-3-1952).

 

Sobre este programa e sua conformidade tanto com as declarações formais do próprio coronel, como com a sua agenda secreta, falaremos mais detalhadamente na parte final do presente trabalho.

 

Segundo consta das suas repetidas declarações à imprensa, o coronel Fawcett esperava passar à história como o autor da maior descoberta arqueológica de todos os tempos; e ele realmente ganhou uma glória desenfreada – mas não pela descoberta das fantásticas cidades atlantes na Amazônia, senão pelo seu próprio inexplicável sumiço. Sonhando em resolver o mistério, ele mesmo se tornou um mistério – um dos clássicos mistérios do século XX; graças à agiotagem midiática que acompanhou à expedição, o desaparecimento do coronel e sua comitiva causou um interesse tão intenso, que a partir do fim da década de 1920 estourou todo um movimento expedicionário, conhecido como Looking for Fawcett ("Procurando por Fawcett"), ou Fawcett Fever ("Febre de Fawcett"). É bem sabido que o próprio Fawcett, na véspera de sua partida, insistiu categoricamente que nenhuma expedição de resgate deveria ser enviada atrás do seu grupo – se ele mesmo, com toda sua experiência, não conseguisse nada, haveria ainda menos esperança para os outros de seguir suas trilhas: segundo ele, isso envolvia demasiado risco, e foi uma das razões pelas quais nunca indicou exatamente para onde se dirigia (Fawcett, 1953b: 315).

 

O tempo provou fartamente sua razão: o resultado de toda a "Febre de Fawcett", que durou até os anos de 1950, foram apenas vários mortos e desaparecidos (tornou-se tradicional citar 13 tentativas de busca, durante as quais cerca de 100 pessoas foram mortas ou desaparecidas; mas até o momento ainda há pouca precisão neste assunto). Quanto aos numerosos depoimentos de pessoas que alegadamente se entrevistaram com Fawcett desaparecido (ou até com o seu filho Jack) ou que encontraram “provas irrefutáveis” de sua morte, nenhuma destas informações, afinal, foi confirmada.

 

"Ao momento de escrever estas palavras, o destino do meu pai e os dois outros é o mesmo mistério que sempre foi", constata Brian Fawcett no final do epílogo do livro "Exploração Fawcett”, publicado em 1953 (Fawcett, 1953b: 314). E hoje, após 65 anos dessa data, apenas resta-nos confirmar o mesmo estado de coisas...

 

A ofensiva difamatória 2017: o caso do Dr. John Hemming

 

A estreia do filme "Z, a Cidade Perdida", em 2017, desatou uma nova onda difamatória contra Fawcett. Precisamente aquela que, no início, definimos como a moderna atitude, ou perspectiva, britânica. Paradoxalmente, não foi apenas o epicentro dessa onda a Grã-Bretanha, pátria de Fawcett, mas até teve seu início em dois membros muito respeitáveis da Royal Geographical Society! Alegando que o filme do diretor James Gray teria exagerado nas realizações de um homem que na verdade não teria qualquer importância e até fosse desprezível, os mencionados autores dirigiram sua ofensiva nem tanto ao filme como tal, quanto à própria personalidade do Fawcett histórico. Pode-se constatar sem exagero que essas duas personalidades passaram a "linha vermelha" da simples crítica científica, razoável e culta, dirigindo-se não pelo siso e argumentação objetiva, mas pela sua atitude pessoal, suas emoções de ódio e fúria, substituindo argumentos científicos por puros aleives e até mesmo assumindo uma linguagem ofensiva, cheia de desprezo e rudes injurias, tendo em mente apenas um propósito: a aniquilação da imagem de Fawcett como tal.

 

Especificamente, trata-se de um artigo do Dr. John Hemming, antropólogo e historiador britânico-canadense, ex-diretor da RGS; e vários artigos de Hugh Thomson, escritor e explorador da América do Sul, 'Fellow' (Companheiro) da RGS. Os mencionados artigos foram publicados no começo de março e início de abril de 2017, desatando uma discussão tanto do filme, como da verdadeira personalidade do coronel Fawcett, bem como da sua interligação, nas mídias anglo-americanas no mesmo mês de abril.

 

Para compreender melhor essa atitude daqueles que fazem parte do mesmo organismo ao qual pertenceu Fawcett, é preciso voltar ao tempo da sua vida e dizer umas quantas palavras das relações recíprocas entre ele e a RGS.

 

Os dados e citações a seguir foram fornecidos por Emmanouil Lalaios (também 'Fellow' da RGS), no seu site "The Great Web of Percy Harrison Fawcett", ainda nos primeiros anos de estada no ar deste.

 

Segundo observa Lalaios, "É um fato que o coronel Fawcett não recebeu até agora nenhum reconhecimento por seus méritos durante os 19 anos de sua vida, passados naquela parte do nosso planeta que foi chamado por ele de 'o continente mais escuro', depois de mostrar devoção, obediência e respeito à Society e àqueles que a governaram, e isso é exatamente o que incomoda hoje ao representante da sua família... O coronel Fawcett tinha seus amigos dentro da Society, aqueles que o ajudaram a passar através da maioria das dificuldades que topou na América do Sul; mas também tinha seus inimigos na Society, particularmente aqueles que o odiavam, ninguém sabe por quê. Talvez tenha sido inveja em geral que criou ódio entre os Fellows acima de tudo. Todos nós sabemos que, em circunstâncias semelhantes, coisas assim acontecem todas as vezes...".

 

Também Misha Williams, o mais profundo conhecedor de todas circunstâncias da vida de Fawcett e grande amigo dos seus descendentes, assinala numa carta a Emmanouil Lalaios, "O Dr. John Scott Keltie, secretário da Sociedade, foi o único que teve bom relacionamento com Fawcett, tornando-se  mais tarde o padrinho de Joan [N. A.: a mais nova dos filhos de Fawcett, nascida em 1910]. Por outro lado, você mais certamente sabe que Arthur R. Hinks, presidente da Royal Geographical Society na época de Fawcett, não gostava dele. Acredito que aos olhos de Hinks, Fawcett era muito místico e não suficientemente cientista, e o Dr. Keltie sempre teve que implorar para que ele [N. A.: Fawcett] não mencionasse a Atlântida ou o Manôa quando estava dirigindo pedidos a Hinks para receber fundos expedicionários. Fawcett praticamente teve que pedir para receber a Medalha do Fundador e só o conseguiu por razão da grande pressão de parte do Dr. Keltie".

 

O Dr. Sir John Scott Keltie, secretário da Royal Geographical Society, único verdadeiro amigo e aliado que Fawcett teve naquela organização.

Fonte: National Portrait Gallery, London.

 

Misha Williams também cita, na mesma ocasião, um trecho muito eloquente de uma das cartas de Fawcett ao Dr. Keltie, escritas em 1915, "Você, estando no pulso dos sentimentos da Society, acha que existe alguma possibilidade real de a Sociedade Científica ajudar e encorajar a expedição? Durante nove anos de trabalho excepcionalmente árduo e arriscado, eu nunca tive muito encorajamento e sofri até certo ponto de calúnia. Naturalmente, há pessoas como você que são suficientemente generosas e conhecedoras para me ligar com aqueles que eu chamo de Aventureiros Sul-Americanos. Entre nós, com o trabalho que tenho por trás de mim, que envergonha a maior parte dos que recebem o reconhecimento da Royal Geographical Society anualmente, eu sempre sofri desta falta continuada de reconhecimento".

 

Não apenas seguiu, de fato, sendo privado de reconhecimento, mas também, já após seu sumiço, continuou sendo alvo de numerosas calúnias dentro da RGS – e já não mais "até certo ponto", mas numa escala total. Assim, por exemplo, Robin Hanbury-Tenison, medalhista de ouro da RGS, fundador e presidente da Survival International, organização líder mundial que apoia os povos indígenas, escreveu a introdução para uma das edições do famoso livro "Exploração Fawcett"; pessoalmente, eu não tive a oportunidade de lê-la, mas, segundo comenta Emmanouil Lalaios, Hanbury-Tenison referiu-se às expedições Fawcett e ao que estava escrito nos seus diários como a um puro exagero, tanto em relação às numerosas descrições do ambiente sul-americano (incluindo as dos estranhos animais selvagens e desconhecidos e plantas raras), como às teorias de Fawcett sobre cidades perdidas. Segundo testemunha Rolette de Montet-Guerin, neta do coronel Fawcett (filha de Joan), “ele [N. A.: Hanbury-Tenison] escreveu uma introdução assaz detestável, o que irritou muito minha mãe na época. Ela até escreveu para ele perguntando como ele podia julgar alguém que desapareceu antes de ele nascer!!!"

 

Outro bom e nobre amigo da família, Tom Welch, referiu a Lalaios o seguinte sobre Robin Hanbury-Tenison, “Aliás, eu acho que a introdução de Robin Hanbury-Tenison ao livro Exploration Fawcett foi uma deturpação dos fatos por alguém que teve isso fácil demais...".

 

Mas, sem dúvida, o maior inimigo e o mais feroz difamador de Fawcett na Society foi e segue sendo o Dr. John Hemming, que ocupou o cargo de diretor da RGS durante 21 anos, de 1975 a 1996.

 

Na correspondência com Lalaios, Rolette de Montet-Guerin admite francamente que John Hemming realmente odiava seu avô, "A Royal Geographical Society nunca reconheceu meu avô porque John Hemming o odiava e nunca podia suportar seu nome ser mencionado sequer. Eu não sei porque. (...) John Hemming tinha muita inveja do meu avô. Mas eu não entendo porque. Ambos eram separados por uma geração, então nenhum dos dois teria interferido nas possíveis realizações do outro...".

 

Certos detalhes adicionais a respeito são também oferecidos por Misha Williams, "Mesmo John Hemming, o recente diretor da Royal Geographical Society, não gostou nada de Fawcett e estava convencido de que Fawcett não entendia os índios, sendo, portanto, morto pelos Kalapalo (então, ele ainda acredita nessa lenda desmentida). Isto é o que ele me disse em uma carta. John Hemming também disse à uma produtora de TV que Fawcett era racista. Eu acredito que ele estava com um pouco de inveja de Fawcett, já que ele (Hemming) queria ser conhecido como o grande explorador do Brasil, e nas bocas de todos andava o nome de Fawcett e não o seu".

 

John Hemming, em 1961.

Fonte: Wikimedia Commons.

 

Finalmente, o próprio Emmanouil Lalaios, quem recebeu pessoalmente os dois testemunhos acima citados, após pesquisar a questão, emitiu a seguinte conclusão, "Desde um primeiro ponto de vista, depois de examinar os antecedentes de John Hemming, concluí que seu ódio contra o coronel Fawcett não passava de uma espécie de inveja, pois ele parece ser um explorador bem qualificado, com muitos objetivos, os quais, como já vi até agora, ele tinha alcançado. O caso de John Hemming me lembra parcialmente o comportamento de Robin Hanbury-Tenison e não devemos esquecer que tanto Tenison quanto Hemming estavam fazendo um trabalho semelhante com o coronel Fawcett e como é lógico, eles não conseguiram alcançar a experiência do coronel Fawcett nas explorações de tal tipo".

 

Realmente, o Dr. Hemming, hoje, em 2018, com 83 anos, tem um currículo brilhante, sendo um cientista de renome, especialista nos Incas e povos indígenas da Amazônia, autor de uma fundamental história destes últimos em três volumes, escrita ao longo de 26 anos; condecorado, pelos seus serviços de historiador e antropólogo, pelo governo brasileiro em 1998 com a Ordem do Cruzeiro do Sul (entre várias outras condecorações de distintos países). Sem dúvida, o seu legado científico não merece senão elogio; mas o seu ódio irracional por Fawcett não apenas encontra-se longe de se acalmar, mas ainda parece exacerbar-se fortemente logo após a estreia do filme "Z, a Cidade Perdida", em 2017. Por certo, há que observar que Hemming em nenhum momento pode ser considerado especialista na biografia e explorações de Fawcett: assim, sendo entrevistado, nos anos de 1990, pelo documentário histórico "Treasure Hunters" (episódio 1, "El Dorado, Lost City of Gold"), disse que Fawcett tinha feito umas cinco expedições à América do Sul, enquanto realmente, como já sabemos, Fawcett viajou oito vezes ao continente, realizando exatamente onze expedições!

 

Para completar ainda mais as características já oferecidas da atitude de Hemming para com Fawcett, observarei também que o ódio do cientista britânico, além de se radicar na inveja, indubitavelmente vai ainda mais longe, possuindo caráter hereditário: o pai de John Hemming, Henry Harold Hemming, serviu durante a Primeira Guerra Mundial como capitão sob comando de Fawcett, lembrando anos depois que o coronel, "provavelmente fosse o homem mais antipático que eu conheci alguma vez neste mundo, e sua aversão por mim foi superada apenas pela minha aversão por ele" (cit. apud Grann, 2009: 161). Obviamente, foi um caso de mútua incompatibilidade pessoal; mas apenas esse fato só já faz duvidar da objetividade do filho de Henry Harold, o Dr. John Hemming, quando se refere a Fawcett.

 

O artigo do Dr. Hemming "The Lost City of Z is a very long way from a true story — and I should know" ("Z, a Cidade Perdida, é muito longe da verdadeira história – e devo sabê-la"), publicado justamente um ano atrás, em 1º de abril de 2017 no jornal britânico The Spectator (e, por certo, “embelezado” com uma detestável caricatura de Fawcett), ganhou muito destaque e até foi promovido no muito respeitável site brasileiro "Biblioteca Digital Curt Nimuendajú", do qual pessoalmente sempre abriguei grande veneração. Por isso, é preciso responder agora exaustivamente a todas as acusações lançadas pelo Dr. Hemming e, em geral, à visão muito deturpada e falseada que ele apresenta da imagem de Fawcett. Alguém, afinal, tem que prosseguir a batalha pelo lendário explorador, e como desta vez não houve ninguém que defendesse a honra dele, tomarei eu a ousadia de fazê-lo.

 

O Dr. John Hemming, na atualidade.

Fonte: thewhiterock.co.uk 

 

Vamos contestar todos os aleives de Hemming ponto por ponto e parágrafo por parágrafo; mas iremos fazendo-o ao longo de todas as quatro partes deste trabalho, sendo a maioria contestada já na presente parte. Com efeito, Hemming, sendo o patriarca atual do anti-fawcetteanismo, merece a honra de ser contestado em primeiro lugar; quanto ao outro difamador britânico, Hugh Thomson, também ocupar-nos-emos dele no momento propício.

 

"Um incompetente que jamais descobriu nada": o insulto está lançado

 

Começa o seu artigo o Dr. Hemming, "O novo filme The Lost City of Z está sendo anunciado como baseado na verdadeira história de um dos maiores exploradores da Grã-Bretanha. É sobre o tenente-coronel Percy Fawcett. O maior explorador? Fawcett? Ele era um topógrafo que jamais descobriu nada, um doido, um racista e tão incompetente (a nutter, a racist, and so incompetent) que a única expedição que ele organizou foi um desastre de cinco semanas. Chamá-lo de um dos nossos maiores exploradores... é um insulto à enorme lista de verdadeiros exploradores".

 

Na sua resenha ao livro homônimo de David Grann, que serviu da base para o filme, Hemming faz uso de expressões não menos fortes: "É uma lástima que um escritor tão bom quanto Grann escolheu para seu estudo a esse homem insignificante, desagradável e, enfim, patético (unimportant, disagreeable and ultimately pathetic man)" (cit. apud Thomson, 2017b).

 

Ao "bom escritor Grann" tocar-lhe-á ser o objeto do nosso estudo na segunda parte deste trabalho. Quanto a Hemming... Esse homem se atreve ainda falar de insultos? Pretende seriamente fazer passar seu doido e cego ódio pessoal, mediante essa magnífica coleção de ultrajes e afrontas mais rudes, por um genuíno veredicto científico? Se atreve a se considerar um homem culto, educado e 'agradável' após lançar toda essa grosseria?

 

Passemos, então, à análise direta de cada injúria por separado.

 

"Um topógrafo que jamais descobriu nada...". Obviamente, as explorações de Fawcett não podem ser incluídas na lista das grandes descobertas geográficas. Mas quem disse que qualquer explorador e desbravador tem que ser, de forma obrigatória, um Colombo ou um Magalhães? Afinal, as descobertas não tão espetaculares como as dos continentes, rios e mares não deixam ser menos importantes por falta de espetacularidade, especialmente a longo prazo.

 

Jamais se deve esquecer o fato de que um grande país sul-americano – a Bolívia – deve a Fawcett suas atuais fronteiras com seus vizinhos, o Brasil e o Peru. Para traçar essas fronteiras, Fawcett teve que explorar várias regiões até então pouco ou nada conhecidas. Nessas jornadas, Fawcett estudou vários cursos fluviais até então completamente desconhecidos do homem branco, ainda que não fosse seu primeiro descobridor (sem mencionar o fato que, nestas explorações, geralmente sempre descobria vários afluentes secundários, ajustando assim o conhecimento geográfico). Mas também foi verdadeiro descobridor de pelo menos duas tribos indígenas na região do Guaporé (como veremos mais adiante).

 

Afinal de contas, Hemming finge se “esquecer” que Fawcett, assim como ele mesmo, foi também premiado com a alta condecoração da Royal Geographical Society – a Real Medalha de Ouro do Fundador. É impossível imaginar sequer que a Society pudesse outorgar uma das suas condecorações mais altas a um "incompetente topógrafo que jamais descobriu nada". Ironicamente, Hemming não parece estar ciente de que, com suas palavras, desvaloriza a importância da condecoração da qual ele mesmo é portador; ou será que ele também gostaria de se considerar um "antropólogo que jamais descobriu nada"?

 

Eis literalmente o discurso pronunciado pelo Dr. Douglas Freshfield, presidente da RGS, em 22 de maio de 1916, durante a cerimônia da condecoração de Fawcett, "A Medalha do Fundador deste ano foi concedida ao tenente-coronel Fawcett, R.A. [N. A.: abreviação de Royal Artillery, Artilharia Real Britânica], por suas explorações e pesquisas nas águas altas do Amazonas. O tenente-coronel Fawcett trabalhou por vários anos na exploração destes afluentes do Amazonas, que têm suas cabeceiras no território, até recentemente em disputa entre o Brasil, a Bolívia e o Peru, e contribuiu com vários informes importantes para a Sociedade. Em particular, sua exploração dos rios Tambopata e Heath estabeleceu os alicerces do acordo entre o Peru e a Bolívia, ao qual posteriormente contribuiu efetivamente por seu trabalho como comissário para a Bolívia na delimitação e demarcação da fronteira. O comprimento total das rotas e rios mapeados pela primeira vez pelo coronel Fawcett na Bolívia é de cerca de 1100 milhas [N. A.: 1770 km], enquanto o das rotas remapeadas é de 800 milhas [N. A.: 1287 km]. Em todas as jornadas foram realizadas observações cuidadosas quanto à latitude e longitude, e os percursos da rota foram ajustados. Além disso, o coronel Fawcett visitou várias tribos que nunca antes foram vistas pelos homens brancos e deve fornecer resultados muito interessantes para os etnólogos. Há poucos geógrafos com um registro mais fino de exploração do que o coronel Fawcett..." (The Geographical Journal, Vol. XLVIII, No. 1 (Jul., 1916): 86-87).

 

O já mencionado Hugh Thomson, difamador e inimigo de Fawcett tão bruto como o Dr. Hemming, com o qual está promovendo a atual campanha britânica contra o nosso herói, afirma: "Você buscará em vão as antologias de exploração pela menção do seu nome [N. A.: o de Fawcett]. Ele não está alistado por uma simples razão: jamais descobriu nada". Não está alistado? Bem, então por que o Dr. Lev A. Fáinberg, historiador soviético, escreveu em 1974 que "o nome de Fawcett é mencionado até o presente quase em cada monografia sobre as explorações no Brasil Central..." (Фосетт, 1975: 380)? Por que outro renomado cientista soviético, o historiador de geografia Iosif P. Magidóvich, em sua fundamental "História do descobrimento e exploração da América Central e América do Sul" (Moscou, 1965), no capítulo 40 ("O Planalto do Brasil e o Vale do Amazonas") tem um subcapítulo intitulado "Exploradores da bacia do Amazonas no século XX: Rice, Fawcett e Rondon", onde reconhece que Fawcett "realizou importantes explorações na bacia do alto Madeira" (Магидович, 1965: 388-9). Por que o historiador boliviano Manuel Frontaura Argandoña na sua "Enciclopédia Boliviana: Descobridores e exploradores da Bolívia" (Cochabamba, 1971) dedica umas duas páginas inteiras a Fawcett, colocando-o junto ao etnólogo Barão Erland Nordenskiöld, "figura mundialmente famosa" (Frontaura Argandoña, 1971: 139-40)? Por que Fawcett é mencionado não apenas nas antologias das explorações geográficas, mas também pelos renomados etnólogos e linguistas, como Alfred Métraux (1942) e Čestmír Loukotka (1968), na qualidade de um pesquisador que contribuiu para a etnologia sul-americana e o estudo das línguas indígenas do continente?

 

Para que, então, rebaixar a Fawcett de uma forma artificial (para dizê-lo diplomaticamente), Mr. Thomson?

 

O argumento do famoso "racismo" fawcetteano (como também o da suposta "loucura" de Fawcett) será analisado ao longo de todas as quatro partes deste trabalho. Quanto à presumível "incompetência" do nosso herói, o Dr. Hemming terá que dizer mais a respeito, adiante.

 

Jornada ao Acre: uma "pesquisa aborrecida"?

 

Ao se referir à primeira expedição Fawcett (1906-07, à região do Acre), escreve Hemming, "Esta pesquisa foi o melhor que Fawcett fez. Mas ele descreveu-a como aborrecida, porque a nova fronteira estava ao longo dos rios. Foi o auge do grande ‘boom’ da borracha amazônica, então ele e sua equipe cruzaram de um confortável barracão de borracha para outro, tomando suas medidas regulares".

 

Uma "pesquisa aborrecida"? Ora no livro póstumo "Exploração Fawcett", ora na sua famosa conferência de 1910, Fawcett encontra-se muito longe de demostrar qualquer tipo de "aborrecimento", descrevendo as muitas aventuras e até horrores que presenciou junto com a sua equipe nessa expedição. É verdade que a expedição como tal consistia em viagem pelos rios da bacia do Acre, de um barracão para outro; mas destes, apenas os principais podiam ser definidos como verdadeiramente "confortáveis", enquanto a maioria oferecia diversos tipos de 'conforto' muito específico, como epidemias, fome, bandoleirismo, clima, sem falar de que todas se distinguiam pelos horrores da verdadeira escravidão (por certo, constantemente denunciados por Fawcett).

 

Vista do rio Acre (foto da 1a expedição Fawcett).

Fonte: Fawcett, 1910a.

 

Neste trabalho, não há espaço para encarar a primeira expedição Fawcett, a mais longa de todas as suas jornadas, que se estendeu por mais de um ano. Apenas mencionarei brevemente algumas das aventuras e penas que tiveram lugar no seu transcurso e foram narradas por Fawcett nos seus diversos escritos; ao leitor interessado, convido a tomar conhecimento pessoal das fontes indicadas.

 

Então:

 

– Houve descidas pelas torrentes violentas nas frágeis balsas chamadas de "callapos", incluindo as passagens através das corredeiras muito perigosas, como, por exemplo, as tristemente conhecidas corredeiras de Altamarani, no rio Beni;

 

– O problema de naufrágios era constante; assim, por exemplo, segundo lembra Fawcett na sua conferência, "quando voltava de Riberalta para La Paz, através do Beni, no final de 1907, naufragamos três vezes: uma vez em um banco de areia, onde o barco virou de pernas para o ar, e duas vezes em troncos afundados" (Fawcett, 1910a: 518);

 

Segundo observa Fawcett, referindo-se à mesma expedição, "nos rios amazônicos, há anacondas, crocodilos, enguias elétricas, raias e piranhas, um pequeno peixe de corpo profundo com dentes de lâmina e um apetite insaciável por sangue. (...) A consequência dessas presenças é uma alta porcentagem de mortalidade, apesar de o índio ser um esplêndido nadador. Os homens que se banham não raramente desaparecem" (ibid.);

 

Sem dúvida, a mais terrível experiência fluvial nesta expedição foi a viagem através das corredeiras, ou cachoeiras, do alto Madeira. O perigo que estas representavam na época era tal que um funcionário boliviano até as chamou de "grande túmulo dos nossos viajantes" (cit. apud Vallvé, 2010: 60). Assim, por exemplo, em 1893 houveram 13 naufrágios com 43 vítimas, sendo perdido anualmente e de forma definitiva, segundo a estimativa das autoridades bolivianas, cinco por cento de todas as canoas nacionais que se dirigiam com carga para o Brasil (ibid.)! Fawcett menciona também que dois dos três índios da sua equipe pereceram logo após atravessar o alto Madeira, pelas condições insalubres desta viagem (Fawcett, 1910a: 523);

 

– Ao se referir aos barracões como tais, Fawcett, na mesma conferência, observa que "os barracões de borracha e pequenas estâncias existem em intervalos nos rios principais, onde são obtidos arroz e charque, ou carne seca; e, em um centro, por exemplo, como a Riberalta, algumas reservas podem ser compradas a um preço de 1000 por cento sobre as preços que estão lá fora" (Fawcett, 1910a: 518). O problema de abastecimento, portanto, não foi sempre fácil de resolver;

 

O constante problema sempre eram os mais diversos mosquitos: "os insetos são legião. (...) Se eu pudesse descrever a miséria nascida às vezes dessas pragas voadoras e rastejantes, seria considerado um conto de viajante" (Fawcett, 1910a: 519). A longa lista e descrição destes insetos pode-se encontrar nos escritos de Fawcett.

 

Apenas com esses exemplos acho que seria suficiente para demonstrar que a jornada ao Acre de modo algum seria para Fawcett uma "viagem aborrecida", mas, pelo contrário, seu 'batismo de fogo' na América do Sul, formando a base de toda a sua posterior experiência. 

 

Um "típico oficial colonialista britânico" ou um devoto da América do Sul e seus povos?

 

Prossegue o estimadíssimo Dr. Hemming, "As únicas publicações de Fawcett foram uma série de informes no Geographical Journal sobre seu trabalho de mapeamento. Mas ele manteve um diário, e em 1953 seu filho Brian editou-o, junto com outros documentos, em um livro titulado de Exploration Fawcett. Ele [N. A.: Percy Fawcett] emerge deste como um típico oficial colonial eduardiano – amigável com os sul-americanos, mas olhando-os para baixo, horrorizado com a crueldade em algumas estações de borracha; cheio de fofocas sobre a vida neste remanso remoto, enriquecido do ‘boom’; e desinteressado na natureza, além de banalidades sobre cobras perigosas e insetos irritantes".

 

Temos aqui toda uma série de provas de que o Dr. Hemming tem (ou finge ter) muito pouco conhecimento sobre Fawcett, sem falar de que sempre expõe as suas informações de forma absolutamente preconcebida.

 

Primeiro: a mencionada série de informes no Geographical Journal realmente é muito longe de ter sido as únicas publicações de Fawcett! Desta série, temos as duas famosas conferências de Fawcett lidas na Society (as de 1910 e de 1911) e, além destas, ainda uns seis artigos na mesma revista, publicados no período de 1909 a 1915. Mas ainda há várias outras publicações de Fawcett conhecidas atualmente: cinco artigos na revista teosófica The Occult Review (1922-1925); três artigos póstumos na revista Blackwood's Edinburgh Magazine (1933, 1959 e 1965); um artigo de quatro partes sobre suas expedições, publicado em 1912-1913 na revista de aventuras Wide World Magazine; um artigo em Pall Mall Magazine (1902), e um na revista esotérica Light (1922). (A bibliografia correspondente pode ser encontrada em Grann, 2009; mas provavelmente nem essa lista ainda seja completa).

 

Segundo: a história da criação do livro "Exploração Fawcett" está longe de ser tão simples e plana, como o Dr. Hemming tenta apresentar. Para começar, Fawcett não manteve apenas um, senão vários diários, pois teve diário separado para cada das suas expedições; mas de forma alguma o livro "Exploração Fawcett" pode ser chamado "diário de Fawcett" – e nem sequer uma síntese dos seus diários. O manuscrito genuíno do livro do coronel, intitulado "Viagem e mistério na América do Sul", por desgraça foi perdido nos Estados Unidos, quando George Lynch, o promovedor de Fawcett, negociava sua publicação com as editoras de Nova York. Assim, sob o nome do coronel Percy Fawcett, temos hoje uma obra escrita inteiramente pelo seu filho caçula Brian. Ainda que este tirou mão de muitos documentos do seu pai, obtendo dados verídicos para compor uma detalhada crônica das expedições dele, obviamente, não se pode falar aqui nem sequer do 'livro reconstruído' de Percy Fawcett: a "Exploração Fawcett", ainda que uma obra muito talentosa, é um livro apócrifo, escrito por outra pessoa quase 30 anos após o desaparecimento do suposto autor. Os dados expostos nele, em sua maioria esmagadora, são documentais; mas o problema da interpretação é muito mais sutil, pois nem sequer um filho pode se tornar seu próprio pai, passando a pensar assim, como ele pensou e observando a realidade (e neste caso, a realidade de outrora) com os olhos dele.

 

Dali, é mesmo muito complexa a questão da imagem e personalidade do coronel Fawcett que emerge das páginas deste livro póstumo, jamais escrito por ele.

 

Mas voltemos aos argumentos do Dr. Hemming. Ainda que Fawcett tivesse sido um "oficial colonial" britânico vitoriano pela sua formação, de modo algum pode ser chamado de "um oficial típico" (o que será demostrado na parte final deste trabalho); e na América do Sul, jamais atuou por parte do governo britânico, mas, como topógrafo, foi empregado pelo governo da Bolívia, obtendo o cargo de subcomissário da Comissão de Limites deste país. Quanto ao seu modo de olhar aos sul-americanos, é mesmo uma questão longe de ser tão simples como o Dr. Hemming está tratando de apresentar (por certo, Hemming mostra-se tão prevenido para com Fawcett, que até o próprio fato de "se horrorizar com a crueldade em algumas estações de borracha" não é para ele uma atitude normal de qualquer ser humano, mas uma reação do "típico oficial colonial eduardiano"!).

 

Para ser justos, temos de notar que Hemming não está sozinho nesta sua acusação. Assim, o já citado historiador boliviano Manuel Frontaura Argandoña mesmo não deixa de mostrar sua indignação com as páginas bolivianas da "Exploração Fawcett":

 

"Fawcett não ocultava seu espírito prevenido e seu menosprezo pela Bolívia, suas autoridades e seus militares. Não obstante de que foi contratado para servir ao governo boliviano na sua  condição de agrimensor, para servir nas comissões de limites com o Peru e com o Brasil; não obstante de ter recebido a mais ampla deferência das autoridades bolivianas e muito especialmente do [presidente] Ismael Montes e [comissário de limites] José Manuel Pando, faz notar nas suas memórias seu desdém pelo país para o qual trabalhava" (Frontaura Argandoña, 1971: 139).

 

Não vou discutir esse ponto de vista (ainda que eu não esteja plenamente de acordo com ele, não é minha intenção defender a reputação do apócrifo livro "Exploração Fawcett", ao qual eu mesmo tenho minhas próprias pretensões) pela simples razão de não ter necessidade de fazê-lo para salvaguardar a honra e dignidade do nosso explorador. Sendo eu, aparentemente, o primeiro pesquisador que efetuou a minuciosa comparação do livro com os artigos e outros documentos genuínos, escritos pelo próprio punho de Percy Fawcett, posso afirmar com toda a responsabilidade: a verdadeira atitude dele para com países sul-americanos e seus cidadãos foi muito distinta do que se pode concluir (e ainda com grande desejo de tirar tais conclusões) em base ao fictício livro de Brian Fawcett, sem falar ainda dos prevenidos e malévolos 'interpretadores' anti-fawcetteanos.

 

A continuação, alguns exemplos para comprová-lo.

 

Primeira prova: no seu artigo de 1910 na Geographical Journal, Fawcett expõe perante ao público britânico sua verdadeira opinião sobre a Bolívia: "A marcha do desenvolvimento na Bolívia tem sido muito rápida nos anos recentes. Os dias de revoluções já passaram, e não se deve dar crédito às exagerações nocivas... [N. A.: será que o senhor Brian Fawcett encheu as páginas bolivianas do livro "Exploração Fawcett" com semelhantes "exagerações nocivas", se, afinal, estivessem realmente tão opostas à verdadeira opinião do seu pai?]. O país é interessante de qualquer ponto de vista, seus funcionários são de espírito aberto e seu povo, muito hospitaleiro. Não hesito em afirmar que o país está entrando na era da mais notável prosperidade” (Fawcett, 1910b: 166).

 

Pode-se chamar isso, leitor, de “prevenção e menosprezo pela Bolívia e suas autoridades”? Do livro, cada um pode tirar suas próprias conclusões; mas aqui temos uma afirmação clara e inequívoca.

 

Segunda prova: na sua famosa conferência de 1910 na Royal Geographical Society, a mesma que, segundo a tradição, inspirou ao Sir Arthur Conan Doyle a escrever sua afamadíssima novela “O Mundo Perdido”, Fawcett menciona pelos nomes aos três exploradores que, na sua opinião, eram os mais exitosos desbravadores das selvas sul-americanas: “Sei apenas de três homens que tiveram sucesso: o primeiro é um senhor peruano, residente no Acre, quem viveu por dois anos com os selvagens do Putumayo... O segundo é o [boliviano] general Pando, quem, com a perda de quatro ou cinco homens, levou aos quinze através do Caupolicán desde o [rio] Heath até Ixiamas. O terceiro é o [brasileiro] major Rondon, quem, com uma tropa de quinhentos soldados brasileiros, está construindo a linha telegráfica desde Cuiabá até as cachoeiras do Madeira. Os naturalistas estrangeiros que afirmam ter vivido com índios selvagens, se fundam sobre sua imaginação. Tinha conhecido alguns destes personagens” (Fawcett, 1910a: 521).

 

Então, na opinião do verdadeiro Fawcett, os três desbravadores das selvas que tiveram maior sucesso eram sul-americanos e não estrangeiros (sendo ele, Fawcett, mesmo um estrangeiro). E esse testemunho tem um valor ainda maior se tomarmos em conta o fato de que não houve falta em exploradores ingleses e americanos na região amazônica desde os meados do século XIX, quando começou a se vislumbrar na região o início da grande era de borracha...

 

Pode-se chamar isso de “um olhar para baixo aos sul-americanos”? Pelo contrário, o menosprezo é expressado manifestamente aqui pelos naturalistas estrangeiros, que divulgavam relatos fabulosos sobre seus encontros com índios.

 

Terceira prova: no livro "Exploração Fawcett" é mencionado um oficial do exército boliviano que acompanhou a Fawcett na sua primeira expedição de 1906-07; tem o apelido de Dan e realmente é descrito com desdém, na qualidade de um beberrão inveterado e um janota estouvado. Na vida real, Percy Fawcett teve por companheiro e, na última etapa desta expedição, por assistente, o jovem boliviano Carlos Dun, quem morreu pouco depois de finalizar aquela dificílima jornada. Eis o comentário do verdadeiro Fawcett sobre ele: "Foi um companheiro entusiástico e muito intrépido, que facilmente poderia ter deixado sua marca no país" (Fawcett, 1910a: 523). Um elogio ainda mais alto, se tomarmos em conta que essas palavras foram pronunciadas na conferência de 1910, perante o auditório britânico, onde Fawcett simplesmente podia silenciar os fatos pouco ou nada positivos, caso o considerasse necessário. Mas ele considerou seu dever de expressar seu elogio ao falecido companheiro sul-americano e honrar sua memória. 

 

Neste caso, resulta que Mr. Brian Fawcett cometesse um pecado muito grave, difamando a um homem inocente e capaz, ao qual seu pai guardava um profundo respeito.

 

Nota-se, então, uma clara tendência: um Percy Fawcett literário prevenido para com os sul-americanos e de um certo ar 'colonialista', segundo a avaliação de autores modernos (e, segundo minhas próprias observações, especificamente nos pontos que realmente contradizem aos escritos genuínos); mas um Percy Fawcett real verdadeiramente esclarecido, de mente aberta e um franco e grande simpatizante de países sul-americanos e seus cidadãos. A verdade sempre supera a ficção, e o coronel Fawcett, reinventado pelo seu filho, obviamente não é cem por cento o explorador e homem real desse nome...

 

Quarta prova: as buscas das nascentes do rio Verde nas jornadas de 1908 e 1909 foram uma iniciativa do próprio Fawcett, que foi motivado não apenas pela difícil tarefa desta exploração, mas pelo seu desejo de salvaguardar os interesses da Bolívia. Seguramente, esse ponto não será de agrado dos brasileiros, mas esclarece grandemente o verdadeiro sentimento de Fawcett para com a Bolívia, um país sul-americano ao qual serviu durante anos. Como resultado de sua exploração, foi descoberto que o Verde segue um curso diferente, à certa distância daquele que foi mapeado quando o limite fronteiriço foi estabelecido em 1877, e as observações de Fawcett transferiram umas 1200 milhas quadradas à Bolívia (ainda que, como se averiguou posteriormente, nem esse curso seria o verdadeiro).

 

Obviamente, tal atitude nem de longe pode ser definida como "ligeira simpatia de um colonialista para com os locais"; mas como um profundo sentimento de um homem e explorador que, para fixar essa fronteira, arriscou sua vida e as dos integrantes da sua equipe.

 

Quinta prova: pode-se dizer que a maioria absoluta dos autores afirmou ferrenhamente, sem dúvida alguma (e até contra a clara afirmação no livro "Exploração Fawcett"), que Fawcett manifestou, perante o Dr. Epitácio Pessoa, presidente do Brasil, e o general Cândido Rondon, uma categórica recusa à participação dos brasileiros na sua expedição de 1920 (sua primeira expedição puramente brasileira), mostrando assim a desconfiança para com as autoridades do país onde pretendia levar a cabo suas pesquisas, e até sentimentos antibrasileiros. Mas o próprio Rondon, na sua carta de 1932, ao cônsul britânico no Rio, explicou claramente que as únicas contradições que surgiram entre Fawcett e a parte brasileira não foi a participação dos brasileiros como tal, mas o modo de efetuar esse tipo de explorações e que os brasileiros afinal não puderam tomar parte nas pesquisas de Fawcett por simples razão financeira.

 

Eis o que literalmente afirmou Rondon, "Organizei assim um projecto da expedição mixta anglo-brasileira mediante o qual eu julgava não sómente ter assegurado o exito para uma grande exploração geographica em região totalmente desconhecida, como tambem cercava o explorador inglez e os seus companheiros das garantias possíveis que eu me julgava no direito de conhecer após trinta annos quasi ininterruptos que então já contava de explorações  nos mais  reconditos sertões brasileiros. Varias foram então as entrevistas que tive com o coronel Fowcett [N. A.: grafia da publicação original] até que emfim o presidente Epitacio declarou não poder concordar com a parte brasileira da expedição por falta de recursos. (...) Discutimos a maneira de compor a expedição. Ahi nos achamos em formal desaccordo. O coronel Fowcett pretendia compol-a com um total de quatro homens. (...)  A  meu ver oito homens  seria um minimo irreductivel. (...) O meu interlocutor não se submetteu ao meu ponto de vista e recebendo o auxilio pecuniario que o governo lhe facultou, partiu para Cuyabá" (Diário de Noticias, Rio de Janeiro, 23 de Março de 1932).

 

Também segundo o jornalista brasileiro Edmar Morel, Fawcett naquela ocasião "mostrou os inconvenientes de uma viagem com muita gente e achou muito complicado e pesado o equipamento das nossas organizações expedicionárias" (Diário da Noite, Rio, 15-11-1943).

 

Contudo, Fawcett, já tendo contratado o australiano Lewis Brown, ainda esperava contar com a participação de dois oficiais brasileiros, quando em Corumbá, segundo anota em seu diário de 1920, recebeu o telégrafo do embaixador britânico Sir Ralph Paget dizendo que "pelas dificuldades administrativas os oficiais não poderão vir" (Fawcett, 1920), o que concorda perfeitamente com o depoimento de Rondon. Fawcett, então, em vez dos oficiais brasileiros da Comissão Rondon, sertanistas experimentados, teve de se conformar com a companhia do ornitólogo norte-americano Ernest Holt, sem qualquer experiência neste tipo de expedições.

 

Já no percurso da jornada, Fawcett encontra a um destes oficiais brasileiros, o capitão Ramiro Noronha, quem trabalhava então no levantamento do rio Kuluene. Eis como o caracteriza Fawcett no mesmo diário: "Um espécime muito bom de oficial brasileiro e um trabalhador capital". E o próprio Noronha, após 32 anos desse encontro, lembrava muito bem a Fawcett: "Conservo dele a lembrança de um amigo. (...) Antes da nossa despedida, em 1920, no Posto Bacaeri, ofereceu-me de presente uma espingarda Winchester, calibre 30, arma preciosa naquela época. Queria que o acompanhasse, o que era impossível devido a minha condição de militar" (Diário da Noite, Rio, 20-2-1952).

 

Não seriam suficientes todas essas provas para mostrar que Fawcett jamais teria sido um "oficial britânico colonialista", que supostamente "teria olhado para baixo aos sul-americanos", mas, pelo contrário, guardava um profundo carinho e respeito para com os países sul-americanos e seus povos?

 

Um "desinteressado na natureza"?

 

Como vimos, Fawcett, para Hemming, também é um "desinteressado na natureza, além de banalidades sobre cobras perigosas e insetos irritantes", conclusão que ele tirou do livro "Exploração Fawcett".

 

Sinceramente, não posso perceber a quem está se dirigindo o historiador britânico com tais insinuações – aparentemente, apenas àqueles que não leram o livro em questão e nem pensam fazê-lo.

 

Novamente, não disponho aqui do espaço para sequer enumerar todas as observações e notas sobre a natureza sul-americana que aparecem na "Exploração Fawcett": esse livro literalmente está cheio de tal tipo de informações. Estas, obviamente, são resultados de vasta experiência tanto do verdadeiro Percy Fawcett, o pai (principal camada de informações), como de Brian Fawcett, o filho, quem trabalhou por muitos anos no Peru (camada secundária). Simplesmente remeto ao leitor à mesma fonte, citando aqui apenas alguns exemplos: dos animais, temos as descrições do peixe candiru; do poraquê, ou enguia elétrica; do terrível “bushmaster”, ou surucucu; dos morcegos vampiros; da apazauca, uma aranha gigante; das plantas, uma das mais conhecidas descrições é a do "palo santo" (árvore sagrada) e as "formigas de fogo" que a habitam.

 

Não apenas a maioria dessas observações é algo completamente oposto às supostas "banalidades", mas algumas até mesmo seguem sendo um mistério sem solução. Destes, os exemplos mais famosos são a anaconda gigante, o "monstro do Madidi" e o misterioso gato “mitla”; das plantas, a mais afamada e misteriosa é sem dúvida a planta de amolação das rochas.

 

Afinal, o nome de Fawcett não em vão segue sendo lendário mesmo para os criptozoólogos e criptobotânicos.

 

Jornada ao Verde: "desastre de cinco semanas" ou façanha dramática de desbravamento?

 

Seguimos com o artigo do Dr. Hemming: "Em 1908, os bolivianos pediram a Fawcett para topografar outra das suas fronteiras com o Brasil: um pequeno rio chamado de Verde, distante no canto nordeste do grande país sem litoral. Os preparativos foram assustadores. Fawcett levou mantimentos mínimos, já que estava acostumado a ser alimentado pelas estações de borracha. Este foi o fim da estação seca, com o rio no seu nível mais baixo. Então, eles logo tiveram que abandonar seu bote e continuar a pé. Depois de apenas uma semana, todos os alimentos estavam esgotados e eles estavam realmente famintos. Fawcett comentou casualmente que cinco dos seus seis peões morreram pelos efeitos desse desastre de cinco semanas. Esta foi a única expedição que ele levou para o território inexplorado".

 

Para começar, é precisamente essa expedição – a segunda na lista das expedições de Fawcett e a primeira das duas empreendidas por ele à região do rio Verde – à qual Hemming chamou acima de "a única expedição que Fawcett organizou e que foi um desastre de cinco semanas". Na realidade Fawcett organizou pessoalmente, ou tomou parte decisiva na organização, das expedições de 1910 (ao rio Heath), 1911 (ao rio Heath), 1913 (ao Caupolicán), 1914 (à Serra dos Parecis); nas três expedições brasileiras de 1920-1921 e a expedição final de 1925. Isto é, oito das onze das suas expedições!

 

Os bolivianos não "pediram a Fawcett para topografar a sua fronteira com o Brasil pelo rio Verde": segundo Fawcett tinha combinado com o governo boliviano, em 1908 empreenderia o levantamento da fronteira oriental da Bolívia com o Brasil, na região do rio Paraguai, pelas lagoas de Cáceres, Mandioré, Gaíba e Uberaba. Em efeito, realizou eficazmente esse levantamento ainda antes do prazo previsto e, como já mencionei anteriormente, pela sua própria iniciativa propôs ao comissário brasileiro de limites, o almirante Cândido Guillobel, para efetuar o levantamento do rio Verde, um curso fluvial que, segundo aponta Fawcett, "sepultou os esforços de cinco comissões governamentais e que é uma porção da fronteira, cujo conhecimento definitivo representa interesse vital para a Bolívia" (Fawcett, 1909: 183). O major Fawcett, na sua qualidade de subcomissário boliviano de limites, foi motivado assim por duas causas: o levantamento do território ainda inexplorado e o desejo de salvaguardar os interesses territoriais da Bolívia.

 

Vamos analisar logo o seguinte trecho do já citado parágrafo do artigo de Hemming: "Os preparativos foram assustadores. Fawcett levou mantimentos mínimos, já que estava acostumado a ser alimentado pelas estações de borracha. Este foi o fim da estação seca, com o rio no seu nível mais baixo. Então, eles logo tiveram que abandonar seu bote e continuar a pé. Depois de apenas uma semana, todos os alimentos estavam esgotados e eles estavam realmente famintos".

 

Toda essa tirada não passa de puras mentiras e calúnias, desfazer as quais oferecerei ao próprio acusado.

 

Canhão de arenito no rio Verde

(foto da 2a expedição Fawcett).

Fonte: Fawcett, 1910a.

 

Primeiro, o nosso estimadíssimo doutor está (ou finge estar) na ignorância completa do fato de que naquela altura simplesmente não existia no rio Verde nenhum tipo de "estações de borracha" – fato, do qual Fawcett, aliás, estava muito bem inteirado!

 

Eis o que conta literalmente na sua conferência de 1910, descrevendo o estado de coisas no Verde prévio à sua exploração, "Várias expedições privadas de exploração gomeira subiram o Verde desde a sua confluência até cerca de 20 milhas e retornaram devido às dificuldades e problemas com os selvagens. Estes últimos tinham destruído as antigas marcas fronteiriças na confluência [N. A.: do Verde com o Guaporé]. Um Antonio Landivar, boliviano, operou a fazenda de borracha perto da confluência por um curto período de tempo, mas foi forçado a abandoná-la devido a perpétuos ataques dos selvagens" (Fawcett, 1910a: 525-6).

 

O alto Verde (foto da 2a expedição Fawcett).

Fonte: Fawcett, 1910a.

Automaticamente isso significa que Fawcett jamais poderia se permitir "levar mantimentos mínimos, esperando ser alimentado pelas estações de borracha", já que sabia perfeitamente que não iria encontrá-las no terreno que estava por explorar!

 

Mas, de onde surgiu, então, o problema da fome nesta expedição? A resposta é bem natural, e o genuíno major Percy Fawcett não teve problema em nos oferecer uma explicação simples e lógica. Nos dois trechos a seguir, ele explica claramente as condições e penas dessa jornada, "Todo o rio corre através das serras de arenito, com profundos desfiladeiros e intermináveis cataratas. Tão difícil era o rio de subir que os peões foram incapazes de transportar mais do que seus rifles e munições, suas redes e teodolito. Eu tinha que decidir logo entre o abandono de todos os alimentos ou um retorno ignominioso. Dependendo, ao menos, de peixe, ficamos bruscamente desiludidos, pois a água do rio, devido a uma espécie de grosseira grama verde que cobre o leito e dá ao rio seu nome, é assim desagradavelmente afetada ao sabor que nem peixes vivem em suas águas, nem caça na floresta circundante. A chuva, que caiu todos os dias durante seis semanas, acompanhada de violentas tempestades, tornou-se, de certo modo, bem-vinda, pois nos ocasionava chances ocasionais de satisfazer a sede nascida de abrir caminho treze horas por dia através de um mato baixo desesperadamente espesso e espinhoso" (Fawcett, 1909: 183).

 

E ainda, "No segundo dia, fomos obrigados a abandonar os botes devido à impossibilidade de arrastá-los através das corredeiras, afundando-os no rio e enterrando todas as reservas excedentes, juntamente com dinheiro e vários instrumentos, até o nosso retorno. No dia seguinte tivemos que fazer uma nova redução, desta vez das cargas de cobertores e todo o aprovisionamento, devido ao esgotamento dos peões e à dificuldade de atravessar o mato baixo espesso ou escalar detritos e pedregulhos que obstruem o cânion em que corre o rio. Estávamos limitados agora a redes, rifles, munições, câmera e instrumentos, que foram distribuídos por toda a comitiva. O rio até este ponto tinha sido prolífico em peixes e, como já disse, geralmente se pode depender da floresta para providenciar uma pequena comitiva. (...) Pouco depois, a água ficou fortemente impregnada com ferro e amarga ao sabor; o peixe esgotou-se no rio; e a caça desertou a localidade. Durante quase três semanas vivemos de palmitos ocasionais; fomos comidos por insetos; encharcados por uma sucessão de tempestades violentas com um vento sul, amargamente frio para pessoas molhadas e sem cobertores; às vezes estávamos escalando o dia inteiro através dos pedregulhos e outras vezes rastejando, talvez, meia milha por dia, através de uma densa cana e um mato baixo espinhoso" (Fawcett, 1910a: 526).

 

Resumindo: Fawcett levou a quantidade suficiente de mantimentos, mas teve que deixá-los, vista a impossibilidade dos membros da sua equipe de transportar qualquer carga através do penoso terreno ribeirinho, consistindo em profundos desfiladeiros e intermináveis cachoeiras. Considerando a abundância do pescado no rio, Fawcett assumiu o risco aparentemente moderado de abandonar os mantimentos; mas toda a comitiva foi cruelmente desenganada quando o pescado repentinamente desapareceu do rio, assim como a caça das ribeiras, já que as águas passaram a ser veneníferas e impróprias para qualquer vivente. Realmente, um cruel drama de desbravamento, mas puramente acidental; que culpa, então, pode levar Fawcett pelo fato de o rio chegar a ser venenífero num trecho determinado? Pode ser caracterizado como "incompetente", como o quer Hemming, por motivo deste fatal acidente natural?

 

A comitiva faminta (foto da 2a expedição Fawcett, detalhe).

Fawcett é o homem ao centro do grupo.

Fonte: Fawcett, 1954.

 

Vemos também que os homens "tiveram que abandonar seu bote e continuar a pé" (por certo, eram dois botes e não um, como aponta Hemming) não pela razão de "estar o rio no seu nível mais baixo", mas pela impossibilidade de arrastar os botes através das corredeiras. Ainda que a expedição realmente começasse no fim da estação seca (nos meados de setembro), mas, como indica Fawcett, as chuvas começaram muito cedo, prolongando-se por todas as seis semanas da marcha (e não cinco, como diz Hemming).

 

Enfim, a descrição que faz Hemming dessa jornada realmente dramática e terrível, claramente não tem nada a ver com os eventos reais.

 

"Fawcett comentou casualmente que cinco dos seus seis peões morreram pelos efeitos desse desastre de cinco semanas", diz ainda Hemming. Em efeito, assim foi, se corrigirmos as “cinco” semanas para “seis” (um historiador da magnitude do Dr. Hemming realmente deveria ter muito maior cuidado com os detalhes!). Mas a verdadeira razão disso não foi a suposta "incompetência" de Fawcett, mas o fato de que nenhum desses coitados tinha tido uma previa experiência do sertão e as provações, pelas quais tiveram que passar, seriam demasiadas, talvez, até para desbravadores experimentados.

 

Eis como Fawcett descreve a composição dessa equipe, "Para peões, eu tinha dois índios de Chiquitos, um garçom argentino, um prateiro paraguaio e um padeiro e um alfaiate espanhóis, dos quais os últimos quatro nunca tinham carregado um rifle em suas mãos. Eles eram os únicos homens que eu pude induzir a enfrentar o Guaporé" (ibid.). Simplesmente, Fawcett não teve oportunidade de escolher, pois ninguém mais quis se unir à temível jornada para o Verde, sendo todos os locais amedrontados com relatos sobre índios "selvagens": como aponta Fawcett, "de Corumbá à cidade velha de Mato Grosso [N. A.: Vila Bela da Santíssima Trindade] fomos alertados para não nos aventurar, sendo considerados loucos" (ibid.).

 

Por certo, o grupo realmente se topou com a presença dos índios na Serra de Ricardo Franco, mas estes preferiram deixá-los em paz, não considerando um destacamento tão pequeno uma ameaça para eles. Os exploradores não viram um índio sequer durante a jornada inteira; mas, como aponta Fawcett, eram constantemente vigiados, e as noites eram iluminadas com fogueiras dos "selvagens" ao seu redor. Por isso, foi preciso manter uma guarda dupla pelas noites.

 

Ao mesmo tempo, Hemming “esqueceu” de assinalar que Fawcett fez tudo para salvar a vida dos seus homens, finalmente trazendo o grupo inteiro, sem perder a ninguém, para a cidade de Vila Bela. No caminho de regresso, quando passavam pela Serra de Ricardo Franco, os peões, levados ao último de desespero e quase enlouquecidos das privações, rogavam para que se lhes deixasse morrer e foi necessário empregar até métodos violentos para fazê-los lutar pelas suas próprias vidas, continuando o caminho. Deve-se notar que da mesma forma teve que atuar o tenente brasileiro Rabelo Leite, quem repetiu o caminho de Fawcett ao rio Verde um ano depois, em 1909, com uma turma puramente brasileira. Segundo lembrava Leite, "eu era que sustentava o moral da tropa. Evitei um suicidio, alem de outros gestos de desespero. Muitos queriam abandonar-se à morte. Tive que animar os companheiros. Naquele estado de espirito chegariam à  loucura" (Diário da Noite, Rio, 29-2-1952).

 

Posto fronteiriço em Picada de Cáceres (foto da 2a expedição Fawcett, detalhe). Fawcett é uma das duas figuras centrais, à esquerda.

Fonte: Fawcett, 1954.

 

Hemming prefere silenciar mesmo, que foi devido precisamente à aptidão de Fawcett que todo o grupo afinal ganhou a chance de vida, obtendo alimento suficiente para terminar a marcha de regresso e voltar à casa com vida. Já quando os homens estavam literalmente morrendo por inanição, Fawcett matou a tiro um veado, na borda meridional da Serra de Ricardo Franco. A distância foi muito longa para a carabina Winchester; mas o veado não foi apenas a única caça, mas o único vivente que o grupo encontrou naquelas serras, e errar o alvo nessas condições significava uma segura morte por inanição. O próprio Fawcett, considerando a grande distância, modestamente caracterizou esse feliz tiro como um "absoluto lance da fortuna", "que salvou a nós, ou, pelo menos, alguns de nós" (Fawcett, 1910a: 527); mas ainda assim seu mérito não se torna menor.

 

Por certo, foi precisamente com esse tipo de arma que Fawcett presenteou ao capitão Ramiro Noronha em 1920, dizendo que aquela espingarda Winchester "matava um veado a 300 metros" (Diário da Noite, Rio, 20-2-1952).

 

Outro detalhe eloquente: em 1909, Fawcett encontrou-se casualmente com o último sobrevivente do grupo dos peões que o acompanhou na jornada de 1908. Esse homem não apenas estava longe de abrigar desgosto para com o seu ex-chefe expedicionário, mas, pelo contrário, até estava disposto a repetir a jornada (Fawcett, P. H., 1910b: 164)!

 

Finalmente, como vimos, Hemming afirma que a jornada ao Verde foi a "única expedição que Fawcett levou para o território inexplorado". Uma mentira demais: já após a jornada ao Verde, em 1910, Fawcett chegou a ser o primeiro homem branco que passou ao alto curso do rio Heath, fronteiriço entre a Bolívia e o Peru, uma façanha que seria repetida somente 86 anos depois, em 1996, pela expedição americana Barron-Pickard (Heath Sonene Expedition), que afinal descobriu a nascente deste rio; e em 1914, Fawcett se aventurou pelas encostas do lado sudoeste da Serra dos Parecis, à margem direita do rio Guaporé, que antes dele apenas tivessem sido brevemente atravessadas pelos bandeirantes luso-brasileiros aproximadamente nos meados do século XVIII; lá, Fawcett descobriu umas tribos jamais contatadas previamente pelos civilizados, fato reconhecido pelo próprio marechal Rondon, que poucos anos antes de Fawcett, ainda em cargo de coronel da engenharia, tinha explorado a Serra do Norte, vertente setentrional da Serra dos Parecis.

 

Passar-nos-emos, então, a encarar com mais detalhes essas duas expedições, para limpar o nome do nosso herói perante as correspondentes acusações do Dr. Hemming.

 

Jornada ao Heath: como Fawcett ganhou a amizade dos "ferozes Guarayos"

 

Eis o que observa Hemming sobre a quarta expedição Fawcett, a primeira das duas empreendidas ao rio Heath, da bacia do Alto Madre de Diós, "Os bolivianos convidaram Fawcett em 1910, desta vez para mapear parte do seu limite com o Peru. Isso implicou uma subida a remo por um rio fronteiriço chamado de Heath e duas reuniões com povos indígenas nos bancos. O primeiro grupo disparou flechas e armas sobre suas cabeças. Mas Fawcett desembarcou em terra com os presentes e gritou algumas palavras de 'Chuncho' (a palavra peruana para todos os povos da floresta) que ele havia memorizado, mas não entendia. Essa foi a única vez que Fawcett tentou qualquer outro idioma além do espanhol. Mais acima no rio Heath, Fawcett conheceu uma tribo que ele chamou de Ecocha (agora Ese Eja), da qual realmente gostou. Eles eram 'embaraçosamente hospitaleiros' com sua comida, então Fawcett passou alguns dias com eles e registrou algo de sua etnografia. Ele voltou para uma segunda visita em 1911".

 

Primeiramente, Hemming não diz nem sequer uma só palavra sobre o fato mais importante desta jornada: fazer amizade com a primeira dessas tribos, os Guarayo, não foi um evento comum e corrente (como ele deseja apresentar), mas um verdadeiro feito: na altura da expedição de 1910, a tribo chamada de "ferozes Guarayos", ocupando as imediações do baixo curso do rio Heath, gozava da fama de índios mais hostis e belicosos da América do Sul. Desde a época colonial, esses índios da bacia do Madre de Diós tinham sido considerados "carniceiros", “nus e cruéis”, “comedores de carne humana” (Armentia, 1905: 185), sempre indomáveis, a tal ponto que o termo “guarayo” (por certo, designação genérica de qualquer inimigo para várias tribos da região) afinal passou a se empregar entre os brancos para designar qualquer tribo "bárbara", isto é, aquela que rejeitava a "civilização" e mostrava-se hostil para com os invasores. Dali, uma confusão muito difundida ao definir aos Guarayo da bacia do Madre de Diós como uma tribo da família guarani; mas na realidade pertenciam à família tacana, da região boliviana de Apolobamba, ou Caupolicán, enquanto os outros Guarayo, os da Bolívia Oriental, realmente eram tribos guarani, vindas do Brasil.

 

Nos tempos de Fawcett, os “ferozes Guarayos” ocupavam as ribeiras dos rios Heath e Madidi sendo na realidade um obstáculo muito sério para o desenvolvimento da indústria da borracha e uma grande ameaça para as povoações locais.

 

O rio Heath foi descoberto em 1893 pela expedição boliviana do coronel José Manuel Pando (futuro presidente da república e posteriormente, comissário boliviano de limites, chefe imediato do mesmo Fawcett); pouco tempo depois, três jovens membros desta comitiva expedicionária, incluindo o engenheiro francês Félix Muller (que foi o primeiro em navegar o Heath, entre os membros da expedição) e o sobrinho do coronel Pando, foram trucidados pelos Guarayo do Madidi.

 

Todos os que percorreram a região na época falam inevitavelmente dos "ferozes Guarayos"; mais ainda, todos os informes oficiais da Delegação Nacional Boliviana do Noroeste do país insistem na afamada "ferocidade" e caráter indomável desses índios.

 

Eis uma descrição típica, feita pelo Dr. Román Paz, explorador boliviano da Delegação Nacional, “Os guarayos constituem a porção mais interessante e talvez a mais numerosa das tribos selvagens. Guarayo significa assassino, em língua tacana, ou araona, segundo nos disseram. Espargidos no Alto Madre de Diós e nos territórios imediatos à cordilheira andina, entre o dito rio e o Madidi, possuem extensos e ricos chacarismos [N. A.: plantações, ou roças]. Nômades, indomáveis, valorosos, de costumes viris, fazem suas correrias por Isiamas e nas imediações dos barracões do Madidi e do Beni, levados pelos seus instintos de pilhagem e assassinato. São inimigos de todas as demais tribos, às que fazem tremer pela sua ferocidade e seu caráter bravio e indomável. Não tem sido possível conseguir reduzir a um só sequer deles. Antes que se rendam como prisioneiros, quando são vencidos, preferem morrer, sem excetuar também às mulheres; e se alguma vez é tomado prisioneiro, se deixa morrer de fome" (Paz, 1895: 67).

 

Na primeira década do século XX, houveram algumas tentativas bolivianas e peruanas de subir o Heath, mas todas essas expedições tiveram que retroceder, às vezes com perdas, perante os Guarayo.

 

Foi o próprio major Fawcett que se ofereceu em 1910 para explorar o temível Heath por sua conta, vendo o nosso herói a necessidade de obter o verdadeiro conhecimento deste curso fluvial para traçar a linha fronteiriça entre a Bolívia e o Peru. Levando consigo uma comitiva composta principalmente de oficiais subalternos ingleses (houve apenas um oficial boliviano, já que os outros não quiseram tentar sua sorte contra os "ferozes Guarayos"), ele encontrou-se com os Guarayo após cinco dias da subida em duas canoas pelo rio, em 18 de agosto de 1910.

 

Segundo relata o próprio Fawcett, ele e os companheiros que iam na primeira canoa, logo após desembarcarem, entraram na aldeia, encontrando-a deserta; mas a segunda canoa, após alcançar a primeira, foi imediatamente atingida por uma flecha, seguida, desde a outra ribeira, de uma chuva das mesmas, como também de fogo de armas de tiro, provavelmente arrebatadas pelos Guarayo dos seringueiros nos rios Madre de Diós e Tambopata. Fawcett, vendo que as prévias tentativas militares tinham prejudicado grandemente a situação, deu estritas ordens de não disparar nem um só tiro, sem importar as circunstâncias (a mesma tática empregada por Cândido Rondon, grande defensor dos índios). Confiando na influência proverbial da música, Fawcett mandou a Todd, um dos seus companheiros, que tocasse uma melodia no acordeão, mas isso não contribuiu para mudar a atitude dos índios. O ataque persistiu por cerca de uma hora e meia, sendo já bastante grave, no entanto, um outro grupo de índios estava se reunindo na retaguarda dos ingleses. Foi então que Fawcett realizou um dos seus maiores feitos em todas as suas expedições.

 

Eis como ele descreve os acontecimentos que se seguiram, "(...) em vigia com um olho para as flechas, e com outro olhando num pequeno vocabulário das palavras guarayas que eu tinha assegurado no Tambopata, foi-me necessário entrar no rio e, a um curto alcance, tentar conciliar o inimigo. Eu não o recomendo de forma alguma e nem convido a ninguém a pesquisar um livro para encontrar palavras adequadas em uma linguagem gutural desconhecida sob o assobio das flechas perto dos ouvidos e a uma distância de cerca de 25 jardas [N. A.: 23 metros] dos selvagens que, como se supõe, são expertos no jogo. No entanto, a Providência tem sido benevolente para conosco em todas essas expedições. Finalmente se mostraram dois selvagens e, como minha pronunciação do idioma parecia ser errada, eu acenei para eles que atravessaria o rio. Este mostrou ser muito profundo para percorrer, e os selvagens sinalizaram-me para pegar uma das suas canoas; chamei a Gibbs e, juntos, empurramos a pesada canoa e cruzamos o rio. Para abreviar a história, eles estenderam-nos as mãos, ajudando a subir por certos pontos de apoio no penhasco, no topo do qual fomos recebidos por trinta selvagens, os acompanhamos para a floresta, entrevistamos o cacique com a ajuda do livro e, muito para alívio do resto da comitiva, voltamos em cerca de meia hora para o banco com o filho do cacique vestindo meu chapéu e sendo todos nós melhores amigos.

 

Os Guarayo do rio Heath (foto da 4a expedição Fawcett).

Fonte: Fawcett, 1911.

 

Dez selvagens atravessaram o rio comigo e, tendo recolhido a plantação de flechas [N. A.: isto é, atiradas anteriormente em direção aos ingleses], ajudaram-nos a acampar, ficando no nosso acampamento durante toda a noite e dando-nos mandioca, bananas, colares de peixe, papagaios e, de fato, tudo o que tinham, inclusive uma pintura vermelha vegetal chamada de 'uruku' ou 'sepai', que fez as picadas de insetos mais ou menos inócuas enquanto durou, e pelo que não ficamos pouco agradecidos. Tal foi o primeiro e único encontro com os temidos Guarayo" (Fawcett, 1911: 387-8).

 

Esse episódio é inteiramente confirmado, aliás, pelos depoimentos de dois companheiros de Fawcett naquela expedição: John Todd e Henry Costin. Assim, o primeiro deles (o mesmo que tocou o acordeão durante a escaramuça) escreveu no seu diário: "Quando os selvagens nos viram, abriram fogo com todos os tipos de armas, principalmente as flechas, e algumas vezes mal escapamos a morte. O nosso major é um homem bravo, pois foi lá onde estavam disparando e, ainda que seu conhecimento da linguagem fosse muito limitado, fez a amizade, e a fuzilada acabou. Os selvagens dispararam cerca de 240 flechas no total, sendo a grande maioria, flechas de guerra" (Register, Adelaide, SA, 5 March 1928).

 

Ao contrário do que afirma Hemming, Fawcett realmente gostou dos Guarayo e descreveu-os com grande elogio: "(...) uma raça de pessoas mais inteligentes, sendo uma pena grande que os seus serviços não sejam usados em um país onde a mão de obra é tão escassa. Parecem ser uma raça saudável e sanitariamente estão longe e à frente dos chamados índios civilizados lá fora" (Fawcett, 1911: 388).

 

Vejamos agora a graciosa afirmação de Hemming de que "foi essa a única vez que Fawcett tentou qualquer outro idioma além do espanhol". Realmente, parece uma piada de mau gosto. Para dizer a verdade, a circunstância de "Fawcett memorizar algumas palavras de 'Chuncho' que não entendia" é uma mentira que vem ainda do livro "Exploração Fawcett"; mas, como acabamos de ver, o verdadeiro Fawcett tinha consigo um dicionário das palavras guarayas, o que automaticamente significa que já estava no processo de estudo do idioma no momento de encontro com esses temíveis indígenas. Seu problema resultou ser a pronunciação errada do seu difícil idioma gutural.

 

Fawcett com dois guerreiros Guarayo (foto da 4a expedição Fawcett).

Fonte: Fawcett, 1954.

 

Realmente, Fawcett sabia com perfeição o espanhol. Mas também sempre aproveitou qualquer ocasião para aprender os idiomas indígenas. Como prova disso, temos, entre suas obras inéditas, dois vocabulários: "Vocabulário da linguagem Guarayo" e "Vocabulário da linguagem Mashubi" (veja a bibliografia em Loukotka, 1968), ambos resultados de suas estadas entre essas tribos. Sem falar sequer do evidentíssimo fato que, na altura da sua expedição final, Fawcett já falava um português fluente, ainda que tivesse certas dificuldades com a grafia portuguesa.

 

Parece que o Dr. Hemming não sabe distinguir entre a ficção do recente filme "Z, a Cidade Perdida" e a realidade histórica. É precisamente no filme que o personagem de Charlie Hunnam (o 'Fawcett' cinematográfico) não tem conhecimento de qualquer idioma estrangeiro além do espanhol, tentando falar nesse idioma em cada ocasião que encontra os índios do interior inexplorado!

 

Vem, afinal, a grande questão do famoso “racismo” fawcetteano em relação ao contato estabelecido por Fawcett com os Guarayo. Eis o que eu gostaria de perguntar ao Dr. Hemming, em particular: poderia um racista dar ordens de que “em quaisquer circunstâncias, nem um tiro devia ser disparado” em direção aos índios, atuando em perfeita concordância, mas independentemente, com o famoso lema de Cândido Rondon "morrer, se preciso for; matar, nunca"? Poderia um racista sofrer, durante uma hora e meia, um violento ataque dos indígenas, permanecendo fiel à sua proibição de empregar armas, procurando encontrar a forma de resolver o conflito de forma pacífica, empregando para isso métodos não usuais? Poderia um racista (por certo, com esposa e três filhos) arriscar sua própria vida, metendo-se no rio e, sob a chuva das flechas indígenas, tratar de proferir um discurso de paz no idioma deles, desconhecido para ele, procurando ao mesmo tempo encontrar para isso palavras adequadas no dicionário? Poderia, afinal, um racista qualificar uma tribo indígena como “raça de pessoas mais inteligentes”?

 

Sei perfeitamente que o Dr. Hemming jamais mudará sua opinião sobre Fawcett: o ódio é cego e não razoa. Mas espero que o leitor seja bastante sagaz para tirar suas próprias conclusões.

 

Não vamos nos deter nos encontros de Fawcett com os índios Echoja (por certo, são chamados de Echoja, ou Echoca, e não Ecocha, como escreve Hemming, sendo hoje o etnônimo mais comum os Ese-Eja), porque o mesmo doutor admite que Fawcett manteve relações perfeitas com esses índios, por certo, verdadeiramente hospitaleiros e carinhosos com os visitantes, e cujas aldeias sempre eram fartas de comida.

 

Jornada ao Mequéns e o Colorado: o encontro com os homens-bugios, a experiência mais misteriosa de Fawcett

 

Para finalizar a primeira parte da presente matéria, faremos a análise de mais um parágrafo do artigo do Dr. Hemming.

 

"Após uma exploração final para o governo boliviano em 1913, do curso superior do rio Beni nos Andes, Fawcett foi vistoriar lugares de interesse no centro da Bolívia. Ele e os seus dois companheiros remaram baixo pelo grande rio Guaporé. Eles pararam no Mequéns, no sua margem brasileira [N. A.: isto é, no rio Mequéns, um afluente do lado direito do Guaporé, em território brasileiro] para visitar ao antropólogo sueco Barão Erland Nordenskiöld e sua atrativa esposa, que lhes forneceram guias para levá-los a uma caminhada para o interior, com fim de visitar um povo que eles chamaram de Maxubi (agora Makurap). Os Maxubi eram amigáveis e hospitaleiros, mas continuando pela trilha da floresta Fawcett conheceu outra tribo (provavelmente Sakurabiat) a quem ele tomou uma aversão violenta. Quando um [daqueles índios] apontou um arco carregado para ele, Fawcett disparou ao homem com o revólver Mauser – absolutamente proibido pelo Serviço Indígena do Brasil. Descreveu-os assim como imaginava os Neandertais ou o Homem de Piltdown tinham a ver: 'grandes homens peludos, com braços excepcionalmente longos e testas inclinadas para trás das pronunciadas arcadas superciliares... selvagens vilões, hediondos homens-bugios com olhos de porco'. Nenhum índio amazônico tem cabelo no corpo ou parece remotamente assim – eu sei, porque passei o tempo com mais de 40 povos diferentes".

 

Em primeiro lugar, novamente seria muito recomendar ao estimado doutor que olhasse com mais cuidado para o seu escrito, pois a confusão presente no parágrafo citado é tremenda e a quantidade de erros extravasa qualquer limite possível até para um aficionado, sem falar já de um historiador de renome.

 

Para começar: Fawcett jamais realizou o levantamento do "curso superior do rio Beni nos Andes". Em 1913, vendo a necessidade de mudar seus planos perante um inverno anormalmente chuvoso, ele foi, por sua própria iniciativa, completar o levantamento da região montanhosa e dos rios do Caupolicán central, já efetuada parcialmente nos anos 1910 e 1911. Após finalizar com êxito essa tarefa, atingiu a cidade de Santa Cruz de la Sierra, capital da Bolívia Oriental, para partir daí às buscas pela civilização perdida, mas não pôde fazer isso por razão da doença de Todd, seu companheiro (o mesmo com quem esteve na jornada ao Heath). Assim, regressou à cidade de La Paz, capital da Bolívia, realmente visitando no caminho alguns lugares de interesse no centro do país, tais como o sítio arqueológico de Samaipata e as presumíveis minas de ouro de Sacambaya.

 

Foi em 1914, já na sua próxima expedição, e não em 1913, quando Fawcett, voltando a visitar Santa Cruz de la Sierra, partiu de lá para Guaporé, o grande rio fronteiriço, chegando ao Mequéns, seu afluente direito. Lá, em Aliança, o barracão local, realmente encontrou o Barão Erland Nordenskiöld, uma das maiores autoridades na etnologia sul-americana, e sua esposa Olga, mulher jovem e intrépida, que ajudava ao seu marido nos estudos das tribos indígenas da Bolívia e do Brasil. Mas o casal não tinha qualquer informação da tribo dos Mashubi, como afirma Hemming: essa tribo seria descoberta pelo mesmo Fawcett naquela jornada, sendo precisamente o nosso herói quem posteriormente forneceria ao cientista sueco as primeiras informações sobre esses índios (obviamente, Hemming pretende destituir Fawcett dessa descoberta).

 

Esquerda: Erland Nordenskiöld entre dois indígenas da etnia Chama, na região do rio Madidi, Bolívia. Direita: Olga Nordenskiöld com os indígenas em algum canto das selvas da Bolívia ou da Rondônia brasileira. As fotos foram tomadas na mesma expedição (1913-1914) na qual o casal encontrou-se com a comitiva Fawcett.

Fonte: collections.smvk.se.

 

Nem tampouco o casal sueco ofereceu guias à comitiva de Fawcett: ora no relatório genuíno (Fawcett, 1915), ora no livro póstumo "Exploração Fawcett", está expressamente assinalado que a comitiva inglesa não teve acompanhantes em sua jornada à Serra dos Parecis.

 

Além disso, o livro "Exploração Fawcett" mente ao afirmar que o nosso explorador tinha apenas dois companheiros nessa jornada (Costin e Manley): no relatório genuíno de 1915 Fawcett diz claramente que houve ainda um terceiro, de nome Brown, do qual não temos informações adicionais (Fawcett, 1915: 219, 228).

 

Após abandonarem Aliança, segundo afirma Fawcett no relatório de 1915, eles se aventuraram pelo pleno sertão desconhecido e, após uma penosa caminhada de três semanas através dos rios, pântanos e emaranhados (sem dúvida, na região dos rios Mequéns e Colorado, dois afluentes vizinhos do Guaporé), alcançaram um terreno mais alto (as encostas da Serra dos Parecis), onde toparam uma enorme seringueira que mostrava sinais de entalhos inábeis. No dia seguinte, atingiram uma trilha fina e aberta, que os levou para a maloca de uma grande tribo.

 

A maloca dos Mashubi (foto da 7a expedição Fawcett).

Fonte: Fawcett, 1915.

 

No seu relatório, Fawcett não menciona o nome dessa tribo (mesmo como qualquer outra nome tribal), achando preciso guardar sigilo perante o público geral: "Com relação a certos detalhes, devo, para o presente, cobrir o véu (levantando-o, no entanto, para os arquivos confidenciais da RGS)..." (ibid: 219).

 

No entanto, sabemos do Barão Nordenskiöld em primeira mão, que se trata da tribo que Fawcett denominava de "Mashubi" (Nordenskiöld, 1915: 577). A grafia empregada por Brian Fawcett em "Exploração Fawcett" é um pouco distinta: "Maxubi".

 

Da detalhada descrição desses índios (Fawcett, 1915: 222-224) vamos tomar apenas alguns pontos essenciais. Fawcett constatou que os Mashubi diferiam em linguagem, costumes e aparência de qualquer povo indígena conhecido anteriormente. Curiosamente, observou entre eles um menino de cabelo brilhantemente ruivo, ainda que os Mashubi não eram "índios brancos", mas de uma cor de cobre polido e cabelos pretos e ondulados. Não eram altos, mas bem proporcionados e, na expressão de Fawcett, "tinham caras finas e inteligentes com feições muito boas" (ibid: 223).

 

Adoravam o Sol, ao qual cantavam cânticos muito melodiosos ao raiar da aurora, e eram adiantados a tal grau que, para maior surpresa, sabiam diferenciar entre estrelas e planetas, sendo o prefixo "pakari" aplicado aos últimos. O vocábulo para a estrela no seu idioma era "Vira-Vira", "singularmente sugestivo", aponta Fawcett, "da divindade 'Vira-cocha' dos Incas" (ibid: 224).

 

Costin, companheiro de Fawcett, junto com os Mashubi (foto da 7ª expedição Fawcett).

Fonte: Fawcett, 1915.

 

Obviamente, ninguém dos Mashubi tinha visto um homem branco e, como Fawcett descobriu, não conheciam nenhuma civilização além das tribos vizinhas. A pele, as roupas, as armas e os equipamentos da comitiva inglesa eram objetos de intensa curiosidade.

 

Aparentemente, a tribo ocupava cerca de cinquenta malocas separadas. Como cada casa continha de cinquenta a cem almas, Fawcett considerou que uma estimativa de três mil almas para toda a tribo não seria excessiva. Nas imediações habitavam também outras tribos, numerando outros cinco mil em estimativa reservada. Dentro de 30 milhas quadradas ao redor, concluía Fawcett, havia, portanto, pelo menos oito mil índios, divididos em quatro tribos, todas em guerra umas com as outras.

 

O alimento básico dos Mashubi era o "cumbri", ou amendoim, cultivado em grande tamanho; mas as extensas plantações dos Mashubi produziam mesmo milho, batata-doce, mandioca, mamões, algumas bananas e tabaco (fumado tanto por homens, como por mulheres).

 

Fawcett descreve todas as tribos da região como antropófagas. No caso dos Mashubi, segundo ele, "a inexistência de aves ou vida animal na floresta circundante é provavelmente responsável pelo canibalismo. Esta tribo particular extrai e enterra as entranhas humanas em urnas de barro. Uma tribo vizinha come apenas a economia interior, enquanto uma terceira tribo enfeita a vítima em uma vara longa, assando-a sobre um grande incêndio, e enquanto nessa posição, retira a carne do corpo com os dedos. As duas últimas tribos são, no entanto, extremamente degradadas e brutais" (ibid).

 

É importante ter em mente que Fawcett anota a prática do canibalismo entre os Mashubi na sua qualidade de testemunha ocular, enquanto as outras informações provinham dos mesmos Mashubi, que descreveram os seus vizinhos e inimigos mortais ao insólito visitante branco. No que diz respeito à "extrema degradação e brutalidade" dessas tribos vizinhas, logo vamos ver o que realmente subentendia Fawcett sob esses termos aparentemente "racistas".

 

Fawcett e seus companheiros permaneceram uns quinze dias na maloca; o explorador aproveitou plenamente essa estada para colher dados etnográficos e aprender o idioma Mashubi, anotando o vocabulário deste (fato muito importante, pois, como veremos adiante, esse vocabulário teve um papel decisivo na identificação da tribo dos Mashubi pelos cientistas modernos). Depois, a comitiva seguiu o caminho para o norte, tencionado conhecer de perto as tribos vizinhas.

 

No relatório de 1915, Fawcett mostra-se bem reservado ao falar sobre o encontro com a próxima tribo: "Quatro dias além do seu território [N. A.: o dos Mashubi], encontramos outra tribo, estimada em 2000 a 3000 almas, consideravelmente abaixo da primeira em desenvolvimento. Essa gente vive em abrigos constituídos por quatro polos, com um teto de folhas de palmeira ligeiramente inclinado. Eles são brutais e feios. Seu instinto é atacar estranhos, e eles o seguiram [N. A.: durante o encontro com a comitiva Fawcett]. Por alguma sorte, fomos salvos de incidentes lamentáveis – para nós mesmos – principalmente, penso eu, pela descarga ruidosa das pistolas Mauser. A brutalidade dos selvagens deste tipo não deixa nenhuma medida possível, mas a extinção. Várias outras tribos, aproximadamente de mesmo número, habitam a vizinhança. Sua extrema brutalidade proibiu qualquer conhecimento de seus costumes ou de suas línguas, as quais, no entanto, também são bastante distintas. (...) Muitas dessas tribos, é verdade, são intratáveis, irremediavelmente brutais, mas outras, como os nossos amigos de 1914, são corajosas e inteligentes, merecendo muita consideração" (ibid: 224, 228).

 

O que realmente aconteceu durante o encontro com a segunda tribo? Como já vimos, Fawcett realmente esteve longe de abrigar medo ou aversão perante os índios: em 1908, não acreditou nas fofocas sobre os "selvagens" no rio Verde e conseguiu realizar o levantamento deste, sem se amedrontar dos índios que lhe seguiram invisivelmente; em 1910, não acreditou nos exagerados testemunhos sobre os temíveis "ferozes Guarayos" e, como resultado, conseguiu ganhar a amizade deles, passando ao alto Heath; e em 1914, estabeleceu o primeiro contato com os Mashubi, também ganhando sua amizade e teve a mente aberta até tal ponto que nem sequer a antropofagia praticada por essa tribo impediu-lhe de desenvolver simpatia e afeto por esses índios. Isso significa que, apesar de todos os aleives, Fawcett era o contrário de um racista, um homem suficientemente esclarecido para poder ultrapassar diferenças culturais mais graves e sinceramente interessado num profundo estudo da povoação indígena do continente.

 

Por que, então, logo após conseguir tão grande sucesso em fazer amizade com os Mashubi, Fawcett atuou de um modo completamente distinto ao se encontrar com a próxima tribo – a dos aqueles misteriosos "brutos", que por alguma razão causaram-lhe uma total repulsão? Porque ele optou por empregar as armas – primeira e única vez em sua prática, e apenas para assustar, – contra uma população indígena, apesar de que, como já sabemos, sua tática normal era não atirar em nenhuma circunstância, por maior que fosse o perigo? O que quis dizer exatamente o nosso explorador ao se referir à "extrema brutalidade" e "fealdade" daqueles indígenas, aludindo várias vezes ao fato de que eram completamente intratáveis? Devemos entender claramente, considerando todas as prévias experiências de Fawcett com os povos indígenas, que tais termos e tal atitude eram absolutamente anômalos para ele.

 

Como é bem sabido, a exceção apenas comprova a regra, e obviamente deveria ter lugar algo anômalo, que obrigasse a Fawcett atuar de um modo anômalo. Algo que o surpreendeu a tal ponto, que esse homem – de coragem suficiente para permanecer desarmado sob uma chuva de flechas procurando uma comunicação pacífica com os índios – permitiu descarregar as armas de fogo e retirou-se, levando consigo a noção de existência de algumas populações indígenas absolutamente incomuns, "extremamente brutais, feias e intratáveis".

 

A resposta unicamente aceitável seria que realmente jamais poderiam ser índios comuns, parecidos ora com os Mashubi, ora com qualquer outra tribo conhecida de Fawcett e até dos brancos em geral. Uma tribo que não se parecia com nada anteriormente visto.

 

A nossa fonte principal sobre o encontro de Fawcett com os "brutos" é o livro "Exploração Fawcett" (Fawcett, 1953b: 217-9); uma síntese da mesma história pode-se encontrar na reportagem 15a de Romildo Gurgel (Diário da Noite, Rio, 27-2-1952), sendo a fonte em ambos casos a mesma – Brian Fawcett, filho do explorador.

 

Resumindo essa versão, Fawcett soube dos Mashubi que mais para o norte havia uma outra tribo, feroz e antropófaga, chamada de Maricoshi ("Maricoxi" na grafia de Brian), que eram eternos inimigos dos Mashubi. Apesar dos conselhos de seus novos amigos indígenas, Fawcett decidiu visitar esses temíveis canibais para estudá-los mais de perto. No quinto dia de caminhada em direção nordeste, através de uma floresta completamente desabitada e não perturbada, a comitiva topou com uma trilha que parecia estar em uso regular. Ali viram à distância de uns cem metros, dois indígenas, que pareciam ser "grandes homens peludos, com braços excepcionalmente longos e testas inclinadas para trás das pronunciadas arcadas superciliares, homens de um tipo muito primitivo, de fato, e nus em pelo" (Fawcett, 1953b: 217). Portavam arcos e flechas e pretendiam atirar nos visitantes, mas, de repente mudando de opinião, desapareceram no mato baixo.

 

A comitiva seguiu pela trilha ao norte, e no anoitecer, ouviram rudes sons de buzinas. Os Maricoshi estavam caçando-os. Em breve, os sinais de chamado das buzinas foram acompanhados de gritos e tartamudez, "um ruído bárbaro e implacável, em marcado contraste com a reserva do selvagem comum" (ibid: 217-8). Quando caiu a escuridão, os membros da comitiva refugiaram-se em uma mata de taquara, para onde os homens nus não se atreveram a lhes seguir por causa dos espinhos.

 

Ao amanhecer, não havia indígenas nas vizinhanças, e os exploradores prosseguiram o caminho, curiosamente topando com uma espécie de caixas de sentinela feitas de folhas de palmeira. De repente, chegaram à floresta aberta, encontrando-se em frente de "uma aldeia de abrigos primitivos", onde viram "alguns dos selvagens mais vilões" que Fawcett tinha visto alguma vez.

 

Eis como são descritos em "Exploração Fawcett": "Eu assobiei, e uma criatura enorme, peluda como um cachorro, saltou sobre os seus pés para o abrigo mais próximo, colocou uma flecha em seu arco em um instante, e veio dançando de uma perna para a outra até que estivesse a apenas quatro jardas [N. A.: 3,66 metros] de distância. Emitindo grunhidos que soavam como 'Iuf! Iuf! Iuf!', ele permaneceu lá dançando, e de repente toda a floresta ao nosso redor estava viva com esses hediondos homens-bugios, todos grunhindo 'Iuf! Iuf! Iuf!' e dançando de perna sobre perna do mesmo modo, à medida que amarravam flechas aos arcos" (ibid: 218).

 

Fawcett procurou fazer propostas de amizade na língua Mashubi, dizendo "Somos amigos! Trazemos presentes! Amigos!" (Diário da Noite, Rio, 27-2-1952). Mas os Maricoshi não prestaram atenção: era como se o discurso humano fosse além da sua capacidade de compreensão. A criatura em frente de Fawcett cessou sua dança, mantendo-se por um momento completamente imóvel e fingindo que estava por atirar. Mas, pelos relatos dos Mashubi, Fawcett sabia que o guerreiro Maricoshi não iria perder a flecha ainda: tinha que levantar o arco com a flecha carregada três vezes seguidas, alternando-as com sua dança lenta e o grunhido "Iuf! Iuf! Iuf!", em uma espécie de ritual. Por isso, o explorador olhou diretamente para os "olhos de porco meio escondidos sob as sobrancelhas pendentes" (Fawcett, 1953b: 218) da criatura e permaneceu firme.

 

O encontro da comitiva com os Maricoshi. Ilustração de Brian Fawcett para o livro "Exploração Fawcett" (1953). O desenho peca contra a verdade: na realidade, Fawcett tinha três e não dois companheiros naquela jornada; e os Maricoshi não são tão peludos como descrito no texto.

Fonte: Fawcett, 1954: 293.

 

Quando o Maricoshi tinha levantado o arco pela terceira e última vez, Fawcett puxou da pistola Mauser e, sem levantá-la em nenhum momento, deu três tiros no chão, aos pés do homem-bugio. O efeito foi instantâneo: a criatura, surpreendida, deixou cair o arco e a flecha e pulou rapidamente, desaparecendo atrás de uma árvore. Então, uma chuva de flechas caiu de repente sobre os ingleses. Foi, aparentemente, nesse momento, segundo lembrava Costin, companheiro de Fawcett, que a comitiva rogou ao seu líder para usar as armas; mas, como Costin disse claramente, Fawcett hesitava: "Ele não quis fazer isso, pois jamais tínhamos atirado anteriormente". Tendo que ceder afinal, Fawcett ordenou disparar apenas no chão ou no ar; mas, segundo Costin indica, "pudemos ver que pelo menos uma [criatura] foi ferida no estômago" (cit. apud Grann, 2009: 133). Obviamente, resultado da confusão que seguiu após a investida; mas ainda assim, como vemos, a interpretação de Hemming "Fawcett disparou ao homem com o revólver Mauser" é completamente falsa.

 

No entanto, o livro "Exploração Fawcett" omite esse episódio, assinalando que a retirada se produz antes que alguém fosse ferido. Em qualquer caso, não sendo possível acalmar os ânimos dos enfurecidos Maricoshi, o grupo desistiu e retirou-se, retomando o caminho para o norte e posteriormente regressando à maloca dos Mashubi.

 

Os Maricoshi: neandertais vivos da América do Sul descobertos por Fawcett?

O encontro de Fawcett com os Maricoshi não é apenas um mistério sem solução – é, sem exagero, um episódio muito pouco divulgado. Se o leitor procurar maior informação sobre essa misteriosa tribo na Internet (é preferível buscar seguindo a grafia "maricoxi"), verá que há muito pouca informação a respeito (o que, de fato, não significa escassez de dados em geral). E quando se fazem raras menções aos Maricoshi pelos representantes da ciência oficial, a explicação convencional não passa das supostas (e nessa altura, já francamente enfadonhas) "feias noções racistas sobre os indígenas americanos" de Fawcett (Hemming, cit. apud Thomson, 2017b), ou mistura de fantasia, realidade e "prejuízos racistas", segundo o historiador argentino Fernando Jorge Soto Roland (Soto Roland, 2010). Ao mesmo tempo, os autores que escrevem especificamente sobre Fawcett não sendo, com isso, historiadores acadêmicos (como, por exemplo, Hermes Leal e David Grann) simplesmente preferem ignorar o fato como tal.

 

O leitor pode perguntar: não seriam esses Maricoshi - aparentes hominídeos pré-históricos - simplesmente uma invenção fabulosa de Brian Fawcett, o verdadeiro autor da "Exploração Fawcett"?

 

De modo algum. Muito felizmente, dispomos do depoimento do Barão Erland Nordenskiöld, quem se entrevistou com Fawcett logo após o seu retorno do rio Mequéns. Testemunha Nordenskiöld (1928): "Fawcett descreveu aos índios que ele tinha encontrado naquela jornada como enormes criaturas, peludas como cachorros, com olhos de porco meio encobertos sob as sobrancelhas hirsutas’, emitindo grunhidos soando como 'Iuf! Iuf! Iuf!'" (cit. apud Blomberg, 1961: 67).

 

Vemos, então, que os detalhes sobre os Maricoshi que Fawcett comunicou a Nordenskiöld são idénticos aos detalhes sobre a mesma tribo que encontramos na “Exploração Fawcett”, não restando dúvida qualquer de que o livro, neste particular caso, oferece-nos genuínas informações do Percy Fawcett mesmo.

 

Poderia, então, realmente se tratar de uma mentira, uma fantasia de Fawcett, segundo afirmam os autores acima citados? Se refletirmos circunstanciadamente sobre o assunto, encontraremos pelo menos três razões muito graves para responder de forma negativa à essa pergunta.

 

Primeiro: nem antes, nem depois desse incidente, Fawcett jamais reportou semelhantes coisas em relação ao aspecto dos índios que encontrava. Já vimos que o conhecimento das tribos indígenas não foi para ele um assunto tomado à ligeira; pelo contrário, nos seus artigos e relatórios ele reporta numerosos detalhes e até minúcias em relação às tribos que estudava, expondo-as de uma forma completamente séria e científica. Por que, então, teria de imaginar uma besteira das mais extremas – como tribos neandertais (ou, generalizadamente, de um tipo humano muito primitivo) no noroeste do Mato Grosso, atual Rondônia, em pleno século XX? Apenas para ser ridicularizado perante todo o mundo científico, como também perante ao público em geral?

 

Segundo: Fawcett, segundo vimos, mostra-se muito reservado quanto à descrição da segunda tribo que encontrou (os Maricoshi), não oferecendo detalhes 'escandalosos' do seu aspecto neandertaloide no relatório de 1915, publicado no Geographical Journal. Obviamente, as mentiras não são inventadas para depois serem mantidas em sigilo; pelo contrário, o silêncio de Fawcett testemunha que simplesmente não se atreveu a contar a parte mais extraordinária da sua descoberta ao público geral.

 

Terceiro: em nenhum momento antes desse encontro Fawcett tinha em mente encontrar hominídeos pré-históricos sobreviventes nas florestas sul-americanas. Como justamente observou o renomado criptozoólogo Ivan Sanderson, Fawcett "estava procurando por uma civilização desconhecida de mais alto nível, não pelos sub-humanos" (Sanderson, 1967: 88). Novamente: que sentido tem, nesse caso, inventar uma franca besteira sobre os "homens-bugios" para, mais ainda, mantê-la depois em sigilo?

 

Aparentemente, Fawcett encontrou apenas desconfiança na pessoa do Barão Nordenskiöld, primeiro homem e cientista a quem conferiu os detalhes da sua assombrosa descoberta. Após isso, Fawcett preferiu guardar silêncio para não ser ridicularizado por ninguém. Posteriormente, os detalhes do aspecto neandertaloide dos Maricoshi foram comunicados apenas por Nordenskiöld, em 1928, e depois, em 1953, por Brian Fawcett.

 

Então, se acreditarmos em Fawcett e assumirmos que ele viu exatamente aquilo que reportou (por certo, um ponto de vista mais simples e natural), encontrar-nos-emos perante o mistério de hominídeos pré-históricos sobreviventes nas selvas amazônicas. Um problema da mesma categoria que o afamado Ieti, ou Abominável Homem das Neves (ABHN), e o Bigfoot (Pé-grande, ou Sasquatch), para citar apenas os mais conhecidos. Por certo, em nenhuma ocasião, ao se tratar das buscas de qualquer destes tipos de humanos primitivos (ou sub-humanos) peludos, supostamente sobreviventes até os nossos dias, a ninguém veio à mente definir o problema como sendo 'racista', e apenas o coitado do Fawcett foi estigmatizado com essa enfadonha etiqueta, tão detestável, como falsa, em relação aos seus Maricoshi. Tudo graças aos constantes esforços do Dr. Hemming e companhia.

 

É bem conhecido mesmo que os Maricoshi não são os únicos exemplos de lendárias criaturas desconhecidas, parecidas com macacos, de quem há reportes nas selvas sul-americanas, podendo mesmo se tratar de apenas variedade de nomes de uma ou poucas espécies; destes nomes temos, Vasitri, Didi, Mono Grande, Ucumar e Shiru, entre outros, sendo, sem dúvida, mais afamado o Mapinguari brasileiro.

 

Até o momento, foi o já mencionado pesquisador americano Ivan Sanderson, um dos clássicos de criptozoologia, quem expôs de uma forma íntegra, expressando mesmo um profundo respeito por Fawcett como homem e explorador, o ponto de vista de que o nosso herói relatou exatamente aquilo que tinha visto naquela jornada. Sanderson dedica um capítulo inteiro ao tema dos Maricoshi no seu livro "Things" ("Coisas"), publicado em 1967 (esse capítulo em particular pode ser livremente acessado na Internet).

 

Obviamente, o tema requer de muito espaço para ser desenvolvido e encarado devidamente, o que não podemos nos permitir dentro do marco do presente trabalho. Mas, como o nosso propósito geral é defender a dignidade e o nome de Fawcett, não me julgo no direito de deixar o leitor privado de toda uma coleção, ou mosaico, de fatos muito eloquentes e intrigantes, que testemunham fortemente em favor do nosso herói. Fatos que podem servir como pontos de apoio para uma futura pesquisa detalhada.

 

Antes de mais nada, há que se assinalar que a existência das duas tribos – os Mashubi e os Maricoshi – foi oficialmente reconhecida pela parte brasileira. Segundo relata Romildo Gurgel, ao realizar, juntamente com Brian Fawcett, acuradas pesquisas na mapoteca, em 1952, eles encontraram dois mapas, nos quais estavam assinaladas as malocas das duas tribos.

 

Eis o que comunica o jornalista brasileiro, "Na Carta do Brasil, referente ao Guaporé, organizada, desenhada, fotografada e editada pelo Conselho Nacional de Geografia, Folha SD-20, classificada sob o numero 1-12-142-00, figuram as  tribos descobertas por Fawcett. Também no mapa do Municipio de Guajará-Mirim, Estado de Mato Grosso, organizado em observancia ao Decreto-lei nacional n.o 311, de 2 de março de 1938, foram assinaladas as duas  malocas. Encontramos a seguinte legenda na segunda carta: 'Este mapa é um extrato da Carta de Mato  Grosso e Regiões Circunvizinhas, organizado sob a direção geral do sr. general CANDIDO MARIANO RONDON, de acórdo com os múltiplos trabalhos de campo realizados desde 1890 até 1930, nos diversos serviços que chefiou e com a documentação impressa e inedita, oriunda de varias fontes, recolhida ao escritorio técnico até essa data, inclusive a divisão administrativa do Estado, sendo encarregado dos trabalhos técnicos do escritorio o coronel (agora general) Francisco  Jaguaribe Gomes de Matos  —  Projeção  policonica  americana  —  Escala  1:1.000.000 —  1939'" (Diário da Noite, Rio, 27-2-1952).

 

Então, o próprio Cândido Rondon, em última instância, reconheceu os resultados da exploração Fawcett 1914, perpetuando os nomes das duas tribos na cartografia oficial brasileira! Por certo, o maior sertanista brasileiro conhecia muito de perto a região em questão, tendo desbravado em 1908, com a Comissão Rondon, o terreno atravessado pelos rios Pimenta Bueno e Barão de Melgaço, na vizinhança imediata aos três grandes tributários direitos do Guaporé: Mequéns, Colorado e Corumbiará.

 

Nos nossos dias, a Carta do Estado de Mato Grosso e Regiões Circunvizinhas (na sua versão mais tardia, a de 1952) está disponível no acervo digital da Fundação Biblioteca Nacional. Neste mapa, está marcado o percurso da entrada de Fawcett e estão assinaladas as "Malocas da Tribo Mashubi", nas cabeçeiras do Mequéns, e as "Aldeias da Tribo Maricoshi", nas cabeçeiras do Colorado.

 

Fragmento da Carta do Estado de Mato Grosso e Regiões Circunvizinhas (Brasil, Ministério de Guerra, 1952), mostrando as "Malocas da Tribo Mashubi" e "Aldeias da Tribo Maricoshi".

Fonte: Biblioteca Nacional Digital.

 

Desde 1914, os seringueiros penetraram pouco a pouco no território dos afluentes direitos do Guaporé (Branco, Colorado, Mequéns e Corumbiará), a inteira região passando por uma série de transformações radicais e dramáticas nas décadas a seguir. Foi apenas no final da década de 1940 quando o etnógrafo suíço Franz Caspar decidiu identificar à enigmática tribo dos Mashubi. Ele colocou a questão da seguinte maneira: "Os Maxubi compartilham da sorte da maioria das outras tribos dessa região, isto é: morreram em grande parte de 'catarro' e outras enfermidades trazidas pelo branco e sofrem os restantes o processo de aculturação no meio caboclo nos barracões? Ou serão mesmo idênticos a alguma das tribos do rio Mequéns, do Colorado ou do Branco, que Snethlage visitou em 1934?" (Caspar, 1955: 118).

 

O etnógrafo alemão Emil Heinrich Snethlage, em cumprimento da missão encarregada pelo Museu da Etnologia de Berlim, realizou uma expedição à região do Guaporé em 1933-35, chegando a ser o próximo pesquisador científico que visitou essa região após Fawcett. Snethlage visitou praticamente todos os grupos indígenas da região, recolhendo numerosos dados acerca das línguas e cultura destes e viajando por mais de um ano na mesma área que Fawcett visitou em 1914; mas em nenhum momento mencionou os Mashubi.

 

Franz Caspar, em 1951.

Fonte: Becher, 1979: 310.

 

Fazendo uso tanto do vocabulário Mashubi elaborado por Fawcett e divulgado em 1953 por Paul Rivet, como do vocabulário indígena da região do Guaporé de Snethlage (não editado), Caspar efetuou uma comparação destas, demonstrando que havia grande coincidência entre as palavras Mashubi anotadas por Fawcett e os vocábulos Arikapú, coligidos por Snethlage (ibid: 118):

 

- Total das palavras Maxubi (lista de Fawcett): cerca de 100

- Exemplos correspondentes em Arikapú (Snethlage): 39

- Dessas são idênticas às de Mashubi: 24

 

No início do século XXI, outro etnógrafo, Hein van der Voort, do Museu Paraense Emílio Goeldi, um dos principais especialistas modernos em línguas indígenas da Rondônia, provou claramente a certeza de Caspar, pondo, de fato (mas não oficialmente), fim à questão da identificação do grupo Mashubi e sua língua.

 

Durante o trabalho de campo entre os índios Arikapú e Djeoromitxí (2001-2004), van der Voort, em 2002, realizou entre eles uma pesquisa especial, cujo objetivo era precisamente a lista de palavras de Fawcett. Os consultores de van der Voort eram uma mulher, última portadora da língua Arikapú, seu marido Djeoromitxí e o irmão deste. O estudo provou fartamente que cerca de 90% das palavras Mashubi anotadas por Fawcett, muitas das quais representam dicionário básico, podem ser correlacionadas com o Arikapú. Mais ainda: o prefixo plural da primeira pessoa (txi) no Arikapú é claramente reconhecido em muitas formas dadas por Fawcett (van der Voort, 2012: 8-9).

 

Conclusão de van der Voort: "Acontece que a maioria das entradas na lista anotada por Fawcett são idênticas às do Arikapú. Assim, Mashubi e Arikapú provavelmente representam a mesma tribo, que nos dias de Fawcett ainda não tinha muitos contatos com os ocidentais" (ibid: 8).

 

Vistos os resultados desta pesquisa científica, torna-se absolutamente incompreensível a identificação gratuita dos Mashubi com os Makurap (outra tribo da região, habitando no rio Branco) que faz o Dr. John Hemming. Tanto mais que a língua Makurap pertence à família Tupi, ao contrário da Arikapú, e não há qualquer semelhança entre as duas.

 

Vemos, portanto, que a veracidade das informações de Fawcett foi fartamente provada em relação à tribo dos Mashubi, hoje conhecidos como Arikapú. Por que, então, não devemos acreditar a Fawcett em relação à tribo dos Maricoshi? Os quais, por certo, não podem ser identificados, segundo supõe o Dr. Hemming, como os Sakurabiat (povo indígena que históricamente habitou nas cabeceiras dos tributários do lado direito do Guaporé, em áreas de difícil acesso, permanecendo isolado por longo tempo), já que estes são índios de tipo antropológico humano normal.

 

Contudo, aqui vem uma pergunta absolutamente legítima: porque, então, ainda carecemos de correspondentes informações sobre essas incríveis tribos de um aspecto supostamente neandertaloide, há mais de um século após a expedição Fawcett 1914?

 

Uma resposta exaustiva pode ser encontrada nas informações do Instituto Socioambiental: "O contato com os 'brancos' resultou na morte da maioria dos grupos do sul de Rondônia, muitas vezes antes que qualquer trabalho de documentação pudesse ser feito".

 

Obviamente, isso poderia explicar tudo. E os supostos neandertais da Rondônia muito bem poderiam ser exterminados pelos seringalistas em primeiro lugar, visto o seu aspecto repulsivo e não humano, como também seu caráter intratável. E não há razão qualquer para identificá-los como algum povo indígena sobrevivente até a atualidade ou sequer um povo do qual temos conhecimento.

 

Passando agora precisamente ao aspecto físico dessa assombrosa tribo, citaremos algumas das observações muito intrigantes de Ivan Sanderson, o qual constata que "há certos detalhes fornecidos por Fawcett que podem fortalecer muito materialmente" suas declarações:

 

"Primeiro, sua descrição da cabeça desses Maricoxis é muito específica e não está de acordo com qualquer descrição de qualquer ameríndio normal. A referência aos pequenos olhos redondos, próximos um de outro e parecendo olhar 'diretamente', como os dos macacos parecem fazer, também coincide exatamente com muitas descrições dadas por aqueles que, em todo o mundo, dizem que se encontraram com os ABHN face a face e a um alcance extremamente curto. É não se deve esquecer que Fawcett estava a poucos metros de uma dessas criaturas. (...) Mas, o mais importante é, sem dúvida, a curiosa (e em primeira leitura, quase risível) questão de seus cânticos.

 

O coronel Fawcett descreve ou transcreve o som produzido por estes Maricoxis como sendo 'Iuf! Iuf! Iuf!' ‒ ou seja, como eu interpreto, 'Oof, Oof, Oof' com o som inicial 'Eu' como o 'UE' francês em 'rue'. Se assim for, ele descreve exatamente os sons alegadamente feitos por uma forma de ABHN agora conhecida como o Sasquatch do Canadá, dada por um Sr. Albert Ostman no seu extraordinário depoimento de ter sido preso por tais criaturas durante uma semana. O Sr. Ostman é de origem sueca e tem um acento distinto. Ele o deu como "Uf-Uf-Uf", mas, em uma entrevista, reproduziu o som novamente com o 'ue' francês inicial" (Sanderson, 1967: 92-3).

 

No mesmo contexto, também afirma Sanderson que "os verdadeiros Neandertais realmente foram bastante avançados culturalmente, fazendo bons instrumentos líticos e, sem dúvida, tinham o arco, o conhecimento do fogo e as línguas do nível humano" (ibid: 90). Essa afirmação atrevida feita em 1967 foi realmente profética, pois apenas na atualidade foi reconhecido a nível acadêmico que os neandertais foram capazes de produzir tanto cordas, como cordões, ou guitas (cordas de arco?), ao mesmo tempo dispondo, pelo menos, de projetis (o que é confirmado pela presença de ponteiras de osso) e criavam as aves para fazer uso das suas penas – muito provavelmente, para produzir flechas (Finlayson, Clive, et al., 2012; Hardy, Bruce L., et al., 2013). Consequentemente, não há razões para supor que fossem incapazes de inventar o arco.

 

Ainda há pouco tempo, o axioma científico era que apenas os homens do tipo anatômico moderno, os Homo Sapiens, foram os primeiros a povoar as duas Américas, aproximadamente uns 30 mil anos atrás. Mas para a altura de 2017 já é normal para a ciência acadêmica formular hipóteses de que possivelmente teriam sido precisamente os neandertais os primeiros povoadores do Novo Mundo, há uns 130 mil anos (Barras, 2017).

 

Mas não vamos ir tão longe. A pergunta que mais nos interessa no presente contexto é a seguinte: existem outros testemunhos sobre a possível presença de homens peludos e de tipo antropológico muito primitivo na região do Guaporé, como também noutras partes de Rondônia/Mato Grosso, especialmente, na altura (ou por volta) da expedição Fawcett à essa área?

 

A resposta é definitivamente positiva. Em 1934, Snethlage colheu na região informações sobre um grupo de "cabeludos" (na sua grafia, "Cabilludos"), fazendo, no seu jornal de campo, a suposição de que estes deveriam ser o mesmo grupo hostil encontrado por Fawcett (os Maricoshi)! Como bem observa van der Voort, a quem devemos esses dados, a caraterística de "cabeludos", citada por Snethlage e não mencionada no artigo de Fawcett de 1915 (única fonte então disponível sobre a expedição de 1914), deve ser independente (van der Voort, 2012: 3).

 

Snethlage na reserva técnica do Museu Etnográfico de Berlim,

na década de 1930.

Fonte: Acervo da família Snethlage.

 

Foi, então, Snethlage e não Fawcett quem citou primeiro a presença das tribos "cabeludas" na região! E isso não é tudo: o mesmo etnógrafo alemão também descreve uma outra tribo peluda e nômade, a dos tais Papamiän. Nem tampouco teve oportunidade de conhecê-los diretamente, tendo de se limitar às informações de terceiros; contudo, estabelece conexão de certo tipo entre os Papamiän e os bem conhecidos Sirionó (não dispomos de mais detalhes ainda). Segundo supõe van der Voort, os Papamiän provavelmente representam um grupo não contatado no que hoje é território da Terra Indígena Massaco, que se encontra na direção oposta àquela, na qual Fawcett foi para se encontrar com os Maricoshi (ibid: 3, n. 6).

 

Fora da região do Guaporé, podemos encontrar um outro testemunho desse tipo no livro "Entre os povos primitivos do Brasil Central" (1894) de outro etnógrafo alemão, bastante renomado, o Dr. Karl von den Steinen.

 

Eis o que contou a von den Steinen, entre muitas outras coisas, Clemente, seu informador, jovem brasileiro que passou três anos no cativeiro dos índios Bororo: "Porém, afóra os Caiapós, ainda havia outros vizinhos exquisitos, na tribu dos Rarái, também chamados baredie-ragúdo. Vêem-se elles só de noite, e dous a tres; usam de mantos de embira, e são empretecidos, nunca de côr clara. São macacos. Elles tinham, num ou noutro lugar, arremessado os Borôros ao chão, fugindo em seguida. Clemente, ‒ e o que elle dizia não era destituido de valor, porquanto repetia exactamente informações colhidas dos proprios indios, ‒ jurava a pés firmes que os Rarái eram macacos, que não tinham flechas, mas tomavam do chão pedras e paus para atirar, e que tinham garruchas, 'pistolas', como as que os camaradas brasileiros e, portanto, tambem os negros e escravos fugidos possuiam geralmente. ‒ 'São macacos e atiram com pistolas?' ‒ Sim, são macacos, com pistolas de ferro'" (Steinen, 1915: 488).

 

O depoimento é bastante confuso, mas, com vistas às informações de Fawcett e Snethlage, parece ter muito maior importância do que se pode supor inicialmente. Em todo caso, já nessa altura podemos tirar uma óbvia conclusão: o depoimento de Fawcett sobre o encontro com os Maricoshi não deve ser tratado em base a uma correição política extrema e cega (como é o caso do Dr. Hemming e outros autores que gostam acusar a Fawcet de racismo), mas com base em todos os dados científicos disponíveis, que desde já nos mostram, de um modo evidente, a necessidade de encarar o problema com a devida seriedade.

 

Ainda não acabamos com a análise do artigo do Dr. Hemming; mas os próximos parágrafos, visto que têm a ver com outros aspectos do nosso tema, serão tratados nas próximas partes do presente trabalho. Desta forma, de modo nenhum nos despedimos do historiador britânico.

 

Mas os principais protagonistas da segunda parte serão americanos: o jornalista David Grann, o antropólogo Michael Heckenberger e o diretor de cinema James Gray.


* Oleg I. Dyakonov é
 licenciado em Diplomacia e Relações Internacionais, pesquisador em história alternativa. É correspondente e consultor para Via Fanzine em Moscou e editor do blog 'Desconhecida Pré-História Brasileira". Email: oligdy07_79@yahoo.com.

 

- Aguarde a Parte 2

 

- Todas as traduções do inglês e espanhol foram feitas pelo autor do artigo.

 

- Optamos por preservar o português original da época nas transcrições.

 

Referências

 

Armentia, Nicolás, 1905. Descripción del Territorio de las Misiones Franciscanas de Apolobamba, por otro nombre, Frontera de Caupolicán. La Paz: Tip. Artística.

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