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Quilombo do Rei Ambrósio

 

Resistência negra:

Um reino africano no Centro de Minas? - Parte 2

No início do século XVIII, surgiu mais ou menos na região centro-oeste da então

Capitania de Minas Gerais, uma confederação de quilombos que, no conjunto,

passou a ser conhecida como Quilombo do Rei Ambrósio, ou do Campo Grande.

 

Por Paulo Roberto Santos*

De Divinópolis-MG

Para Via Fanzine

06/09/2012

 

No interior de Minas, o povoado de Catumba, na região de Itaúna-MG ainda guarda vestígios da antiga presença de escravos.

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Por volta de 1760, com o fim da confederação dos quilombos espalhados do rio das Mortes ao Abaeté, e de Ibiá a Itaguara, presumíveis indicadores dos limites do quilombo do Rei Ambrósio (ou do Campo Grande), houve avanços de bandeirantes (grupos paramilitares ou milícias, acompanhadas por pessoas de todo o tipo, de aventureiros a saqueadores), em direção ao oeste de Minas.

 

Já havia pequenos povoados pela região, formados anteriormente pelos fugitivos da guerra dos emboabas, ocorrida algumas décadas antes, em 1708-09, com a derrota, fuga ou morte dos paulistas. Esse episódio deu causa à criação da Capitania de Minas Gerais, fazendo os paulistas se voltarem mais para regiões interioranas e em direção ao atual Paraguai e Mato Grosso.

 

Enquanto isso, nas Gerais, o ouro escasseava rapidamente. A Coroa portuguesa precisava dos recursos das colônias para quitar suas dívidas para com a Inglaterra, e para os manufaturados que até então - já com a nascente revolução industrial -, ainda não produzia.

 

É nesse contexto de empobrecimento rápido e generalizado que negros forros, fugitivos, remanescentes de etnias nativas, brancos pobres ou ricos naturais, vão se defrontar com um episódio de truculência e arbítrio que ficou conhecido como a Conjuração Mineira. A conspiração que envolveu membros de todas as classes, clérigos inclusive e gente da região principalmente, mas também alguns portugueses, que tinha como propósito principal a libertação da Capitania de Minas do governo português.

 

Havia o apoio de paulistas e fluminenses, mas, principalmente, de baianos e pernambucanos. Os governos dos Estados Unidos, França e Inglaterra prometeram apoio e reconhecimento à nova nação. Se não houvesse a delação e prisão dos principais condutores do movimento, havendo sucesso, certamente, seria o estopim para as lutas de emancipação das demais Capitanias.

 

É preciso citar que, ao longo do século XVIII, dezenas de milhares de negros africanos foram trazidos para a Capitania de Minas Gerais, para o trabalho nas minas e em serviços diversos. Não se deve pensar nos negros africanos, principalmente nos sudaneses, como povos atrasados. Existiam reinos prósperos, que faziam comércio com a Índia e entre si. Os sudaneses, em sua maioria, falavam e escreviam em árabe, e trazidos ao Brasil eram, muitas vezes, mais alfabetizados que os seus senhores.

 

Conhecedores da metalurgia, da pecuária, de plantas medicinais, de práticas de cura ancestrais, das artes da guerra e da paz, quando era o caso, os africanos eram superiores aos indígenas, que ainda viviam na idade da pedra polida, da cerâmica, da caça, pesca e coleta. Por essa razão foram substituídos na mão de obra ao longo dos séculos.

 

Entre os vestígios deixados pelos escravos estão valas cavadas e também muros feitos de pedras da região.

 

Redutos remanescentes

 

Da confederação de quilombos que constituiu o reino do Rei Ambrósio, restou uma quantidade imensa de redutos remanescentes que lutam, até hoje, pelo reconhecimento de suas terras, cobiçadas por fazendeiros que ainda os veem como mão de obra barata, quando não ainda como escravos. Aos poucos, o atual Governo Federal vem resolvendo essas demandas em favor dos quilombolas, não sem a resistência dos latifundiários.

 

O quilombo se foi, mas sua influência ficou até hoje. A culinária mineira cheira a improviso. Além disso, o uso do fubá de milho, da farinha de mandioca e do polvilho, deu novos pratos à cultura nacional. Quem nunca ouviu falar, ou já experimentou, o pão de queijo, resultado da escassez de trigo naqueles tempos idos e a junção do queijo mineiro, feito com leite cru?

 

No linguajar, em Minas como em todo o Brasil, ficamos com os adjetivos carinhosos aprendidos com as negras que cuidavam e davam seu próprio leite aos filhos dos senhores, benzinho, amorzinho… E tantas outras expressões de carinho hoje tão comuns.

 

Com a chegada ao Brasil da família real portuguesa, em 1808, fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte, o país passa a ter o português como língua obrigatória, fazendo com que o nhengatu (fala boa, em tupi) fosse aos poucos abandonado. Essa língua, criada pela inventividade dos padres jesuítas do século XVI, numa mistura de tupi com português, foi a língua comum por mais de dois séculos. Foi também usada pelos bandeirantes - em sua maioria, mameluca, e não branca, como divulgado por décadas na historiografia oficial.

 

Um pouco desse linguajar arcaico reaparece nas obras do escritor mineiro Guimarães Rosa, em todas as suas obras, mas particularmente no “Grande Sertão: Veredas” e em “Sagarana”. Um português - ou talvez seja melhor dizer, mineirês -, que dificilmente será entendido pelas gerações futuras, perdendo-se, assim, uma das maiores belezas literárias do país.

 

Controvérsias, lacunas, dúvidas e incertezas à parte, eis uma página de grande interesse da história de Minas Gerais, e que vem sendo, lentamente, reconstituída por profissionais e amadores.

 

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* Paulo Roberto Santos é professor e sociólogo, seu blog é http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/.

 

-Fotos: Charles AquinoIshimoto / Itaúna em Décadas.

 

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- Extras: 

   Algumas sugestões de leitura:  

- BARRETO, Lázaro. Memorial do Desterro. Divinópolis, Diocese de Divinópolis, 1995.

- FIÚZA, Rubens. Do São Francisco ao Indaiá. Juiz de Fora, Liberdade Livraria, 2003.

- Disponíveis em MG Quilombo.

- Viste o portal MG Quilombo

    Vídeo - entrevista com o professor Félix Rodrigues (RTP/Portugal).

   Açores: encontradas sepulturas de 2 mil anos (TVI/Portugal).

 

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