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Oleg Dyakonov

 

Os dois freis Custódio:

A verdadeira identidade do primeiro

pesquisador da inscrição da Gávea

Constatamos com certa tristeza que a verdadeira identidade deste ilustre religioso,

lamentavelmente, caiu no esquecimento há cerca de dois séculos.

Ao mesmo tempo, nos certificamos de que até agora ele permanece mal identificado.

  

Por Oleg I. Dyakonov *

De Moscou/Rússia

Para Via Fanzine

21/05/2013

A famosa “inscrição fenícia” da Pedra da Gávea, estudada primeiramente pelo

misterioso padre mestre frei Custódio aproximadamente entre 1816 e 1822.

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O início da feniciologia brasileira se deu no ano de 1839, quando os membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) receberam a notícia sobre uma pretensa “inscripção em caracteres phenicios” no rochedo da Gávea. Na carta se comunicava que a origem fenícia da dita inscrição foi confirmada por um tal “conhecedor das linguas orientaes”. Inspirado pela possibilidade de encontrar no solo brasileiro vestígios de grandes civilizações da antiguidade, que pudessem enfatizar a grandeza do jovem Império, o Instituto delegou uma comissão para esclarecer o assunto. Tal comissão efetuou a primeira “exploração archeologica” na história do país, logrando examinar e copiar a suposta inscrição, mas sem chegar a nenhuma conclusão final a respeito à sua natureza.

 

Dali surge o famoso mistério da Pedra da Gávea, e tudo o que narramos até o momento são fatos bem conhecidos. Não pretendemos relatar agora os detalhes da mencionada “exploração archeologica” empreendida pelo IHGB (o que faremos em outra ocasião), nem tratar de expor ou defender teoria alguma sobre a lendária montanha.

 

O nosso propósito é completamente outro: tratar de restabelecer a justiça histórica e resolver de uma vez por todas as dúvidas existentes em torno do primeiro investigador da inscrição da Gávea, o padre mestre frei Custódio, aquele “conhecedor das linguas orientaes” que, pela primeira vez, emitiu o juízo sobre a origem fenícia dos pretensos caracteres da Gávea.

 

Realizando as nossas pesquisas documentais, constatamos com certa tristeza que a verdadeira identidade deste ilustre religioso, lamentavelmente, caiu no esquecimento há cerca de dois séculos. Ao mesmo tempo, nos certificamos de que até agora ele permanece mal identificado.

 

Mas vamos retornar ao início.

 

Tudo começou na 8ª sessão (extraordinária) do IHGB (sob presidência do Exmo. Sr. Visconde de São Leopoldo, presidente do Instituto) em 23 de março ­de 1839, quando o cônego Januário da Cunha Barbosa, um dos fundadores do Instituto e seu 1º secretário perpétuo, leu a carta que notificava sobre a existência da “inscripção phenicia”.

 

Eis aqui o trecho correspondente da ata desta sessão.

 

O Ill.mo Sr. Cunha Barboza leu a seguinte carta: ‘Em uma das montanhas do littoral do Rio de Janeiro, ao sul da barra, ­ha uma inscripção em caracteres phenicios, já muito destruidos pelo tempo, e que revelam grande antiguidade. Esta inscripção foi vista e observada por um conhecedor das linguas orientaes, e que ao vel-a concluiu que o Brazil tinha sido visitado por nações conhecedoras de navegação, e que aqui vieram antes dos Portuguezes. Ele me certificou que tinha dado conta desta descoberta ao governo de D. João VI, e que tinha copiado a inscripção do mesmo modo por que se acha feita’. Requereu, pois, o Sr. Cunha Barboza que o Instituto Historico, attenta a importancia desta noticia, peça com empenho aos nossos consocios officiaes de secretarias que se esforcem por descobrir nellas o relatorio desta descoberta, feito no reinado de D. João VI, e offerecido pelo mestre Fr. Custodio, professor de grego e versado nas linguas orientaes. — Esta carta foi remettida ao Sr. Paiva Guedes para fazer as indagações precisas para o descobrimento da memoria de que ella falla”.

 

Tal é o começo de todo o mistério. Quanto ao primeiro pesquisador da inscrição da Gávea, as informações que podemos tirar daqui são apenas preliminares. Senão, vejamos.

 

1) Ele era “um conhecedor das linguas orientaes”.

 

2) Ao ver a inscrição, “concluiu que o Brazil tinha sido visitado por nações conhecedoras de navegação”.

 

3) Certificou ao autor da carta (desconhecido) “que tinha dado conta desta descoberta ao governo de D. João VI, e que tinha copiado a inscripção do mesmo modo por que se acha feita”.

 

4) O tal “conhecedor das linguas orientaes” era, na realidade, um “mestre Fr. Custodio, professor de grego e versado nas linguas orientaes”.

 

5) A pesquisa e o relatório feitos pelo mestre frei Custódio datam do reinado de D. João VI no Brasil, isto é, entre 1816 e 1822 (embora possivelmente também podem ser incluídos aqui os anos do governo de D. João como regente, entre 1808 e 1816).

 

O frei Custódio é mencionado novamente no “Relatório sobre a Inscripção da Gavia mandada examinar pelo Instituto Historico e Geográphico Brazileiro”, apresentada pelos membros da comissão que foram inspecionar o sítio e datada de 23 de maio de 1839.

 

Aparecem aí apenas duas menções do padre mestre, sem muita relevância para nós:

 

“(...) a commissão (...) vem, em familia, (...) lastimando comtudo o não poder estudar a memoria que o illustre Fr. Custodio escrevêra, n’outros tempos, sobre esta mesma inscripção”.

 

A commissão tem presente na lembrança as navegações d'esses povos da antiguidade, e se triumphar a idêa do Ilustre Padre Mestre, ella a fortificará por uma memoria mais ampla e circumstanciada (...)”.

 

Novas informações sobre frei Custódio, desta vez, muito mais importantes, aparecem em outro documento fundamental do IHGB, o “Relatório do secretario perpetuo”, apresentado pelo cônego Cunha Barbosa na celebração da primeira sessão pública ao aniversário do Instituto (3 de novembro de 1839).

 

Constou ao Instituto por participação do seu socio effectivo o Reverendissimo Manoel Joaquim da Silveira, que o antigo professor de grego d’esta cidade o Reverendo Frei Custodio, havia em sua vida offerecido ao governo do Senhor D. João VI uma memoria sobre os caracteres existentes no cimo do rochedo da Gavia, algumas leguas ao sul da barra d’esta cidade. O Instituto encarregou logo ao seu socio effectivo Antonio José de Paiva Guedes o procurar nos archivos em que poderia parar, essa interessante memoria, que até hoje se não tem podido encontrar; e encarregou ao mesmo tempo aos dous socios effectivos conego Cunha Barboza e Araujo Porto-Alegre de examinar esses caracteres, copia-los, e apresentar um parecer acompanhado de observações sobre as circumstancias da sua localidade. O resultado d’este trabalho já foi apresentado ao Instituto, e publicado no segundo numero da sua Revista”.

 

Cônego Januário da Cunha Barbosa, primeiro secretário perpétuo do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro e membro da comissão encarregada de examinar a inscrição da Gávea em 1839.

 

Quais são os dados que podemos tirar deste trecho para se juntar à nossa reconstituição da biografia do padre mestre frei Custódio?

 

1) Temos identificada agora a fonte básica da informação sobre Custódio, isto é, temos o nome do autor da carta lida na sessão em 23 de março ­de 1839, que até o momento nos era desconhecido. Foi “o Reverendissimo Manoel Joaquim da Silveira”, quem conheceu pessoalmente o frei Custódio. Na verdade, esse fato, que passou despercebido pela totalidade dos historiadores, é o fio de Ariadne que pode nos levar à verdade. Mas tudo no devido tempo.

 

2) O frei Custódio não era simplesmente um professor de grego, mas “o antigo professor de grego d’esta cidade”. Isso quer dizer o seguinte.

 

2a. Que durante o ano de 1839 já não mais era professor de grego.

 

2b. Que teve a cadeira do professor de grego especificamente na cidade do Rio de Janeiro (muito provavelmente, em algum estabelecimento de ensino eclesiástico, considerando a condição do religioso do nosso herói).

 

3) Da afirmação que “o Reverendo Frei Custodio, havia em sua vida offerecido ao governo do Senhor D. João VI uma memoria sobre os caracteres existentes no cimo do rochedo da Gavia” podemos deduzir, logicamente, que no ano de 1839, o nosso padre mestre já estava falecido. Por isso, com toda a razão, podemos supor que era professor de grego mesmo no reinado de D. João VI (1808 ou 1816-1822). 

       

São essas todas as informações sobre o Reverendo Frei Custódio na Revista do IHGB

 

A pretensa identidade do incerto padre mestre foi estabelecida erroneamente por Sacramento Blake, literato, biógrafo e historiador brasileiro, no segundo volume do seu “Diccionario Bibliographico Brazileiro” (1893). Identificou-o como frei Custódio Alves Serrão, membro vivo do IHGB em 1839.

 

Vejamos a interessante biografia de Custódio Alves Serrão, narrada por Blake.

 

Custodio Alves Serrão — Filho de José Custodio Alves Serrão e de dona Joanna Francisca da Costa Leite, nasceu na villa, depois cidade de Alcantara, no Maranhão, a 2 de outubro de 1799, e falleceu no Rio de Janeiro a 10 de março de 1873. Carmelita professo aos quinze annos de idade, apezar de sua manifesta aversão á vida claustral, mas por imposição de seus paes, em vista da rara intelligencia que demonstrava, foi mandado, à expensas da Ordem, para Coimbra, com o fim de seguir o curso dos estudos superiores; mas bem depressa teve de entrar em lucta com os frades conimbrenses, porque queriam estes obrigal-o a estudar theologia e, como ele teimasse em seguir o curso de sciencias naturaes, chegaram ao ponto de negar-lhe um talher em seu refeitorio! Obtendo, entretanto, o gráo de bacharel com as melhores approvações e com grandes sacrificios, veiu para o Rio de Janeiro em 1825; foi nomeado em 1826 lente do botanica e zoologia da academia militar, passando logo com a reforma da academia á lente de chimica e mineralogia, e em 1828 director do museo nacional. Do primeiro destes logares obteve aposentadoria em 1847; do segundo a exoneração que pediu, depois de elevar o museo ao gráo de aperfeiçoamento que elle ideava. Antes disto, em 1834, exerceu as funcções de membro da commissão de melhoramentos da casa da moeda, onde introduziu uteis reformas e processos de analyse e refinação de metaes, que então eram novidade; depois disto, em 1859, foi nomeado para o cargo de director do jardim botanico, onde conservou-se alguns annos, tendo alcançado breve de secularisação em 1840. Por occasião de uma viagem ao Norte, em 1835, explorou, em Sergipe, as serras de Itabaiana, onde se dizia existirem minas de ouro e de salitre, e em Alagóas a formação betuminosa das praias de Camaragibe, remettendo amostras ao governo. Conhecia a lingua grega e varias linguas orientaes e era notavel naturalista, vindo a cegar completamente antes de fallecer, em consequencia das repetidas observações microscopicas a que se entregava. Foi membro do Instituto fluminense de agricultora, socio fundador da sociedade de melhoramentos da instrucção elementar, socio do Instituto historico do Brazil, socio e presidente honorario da sociedade Auxiliadora da industria nacional, e commendador da ordem de Christo”.

 

Custódio Alves Serrão redigiu o Diário da Camara dos Deputados (1826-1828), publicou as Lições de chimica e mineralogia (1833), Processo para separar o paládio de outros metaes com que se acha ligado (1845) e Breve noticia sobre a collecção de madeiras do Brazil (1867).

 

Quanto às pesquisas da Gávea, supostamente empreendidas por esse mesmo erudito, agrega Sacramento Blake:

 

Consta-me que frei Custodio, em vista de uma inscripção em caracteres phenicios, já muito carcomidas pela acção destruidora do tempo, encontrada em uma das montanhas do littoral do Rio de Janeiro, ao sul da barra, escrevera uma — Memoria em que se prova que o Brazil fôra visitado por alguma nação conhecedora da navegação, antes que aqui viessem os portuguezes — Esta memoria foi examinada por uma commissão do Instituto historico, mas nunca se tratou mais disto”.

 

É assim como foi estabelecida a identidade errônea do padre mestre frei Custódio, por 120 anos.

 

Aliás, este último trecho é muito importante, pois mostra a total ignorância de Blake com respeito aos estudos da Gávea empreendidos pelo IHGB. Vejamos.

 

1) O título da memória do frei Custodio, dado pelo biógrafo como título original, não é nada mais senão a transcrição literal de uma passagem da carta do “Reverendissimo Manoel Joaquim da Silveira”, lida na sessão do IHGB em 23 de março de 1839 (“(...) ao vel-a concluiu que o Brazil tinha sido visitado por nações conhecedoras de navegação, e que aqui vieram antes dos Portuguezes”).

 

2) A memória do padre mestre jamais foi examinada pela comissão alguma do Instituto, pois nunca caiu nas mãos dos membros do IHGB, que não foram capazes de encontrá-la em nenhum arquivo capitalino (segundo mencionava o cônego Cunha Barbosa, “(..) essa interessante memoria, que até hoje se não tem podido encontrar (...)”.

 

3) Outro grave erro de Blake foi afirmar que “(...) nunca se tratou mais disto”. Como sabemos, seguiram depois a “exploração archeologica”, empreendida pela comissão do Instituto, e o “Relatorio da inscripção da Gavia”. 

 

Noutros pontos, a candidatura de Alves Serrão para o padre mestre frei Custódio causa inúmeros problemas, o maior dos quais é, sem dúvida, o fato de ele ainda estar vivo, e ativo nas fileiras do IHGB, no mesmo ano de 1839.

 

Para nos certificar, revisemos o primeiro tomo da Revista do IHGB.

 

Na lista dos membros do Instituto, temos, sob o número 23 na seção dos “Socios effectivos”, ao “Fr. Custodio Alves Serrão — Bacharel formado em philosophia natural, e lente de chimica na academia militar”.

 

Temos outro exemplo ocorrido na 18ª sessão, em 29 de julho de 1839, quando o Instituto, ao examinar “fragmentos do (...) vaso, e diversos ossos pertencentes a corpo humano” recebidas da ilha de Paquetá, deliberou “que se remettesse tudo ao Revmo. Sr. Fr. Custodio, director do Muzeu (...)”.

 

A mesma situação se deu na 25ª sessão em 30 de outubro de 1839, quando o Instituto “foi de parecer que a offerta [de um mineral achado em abundância em um dos arrebaldes do Rio de Janeiro] fosse remettida ao sócio effectivo e director do museu nacional o Rmo Sr. fr. Custodio”.

 

De nenhum modo pode ser que esse frei Custódio Alves Serrão, sendo diretor do Museu Nacional e estando em contato permanente com o IHGB, associação da qual fazia parte, fosse o mesmo incerto e misterioso “antigo professor de grego d’esta cidade”, que “havia em sua vida offerecido ao governo do Senhor D. João VI uma memoria sobre os caracteres existentes no cimo do rochedo da Gavia”.

 

Nesse sentido podemos compreender perfeitamente a confusão de Gustavo Barroso a respeito, embora esse autor não ousou duvidar da errônea identificação estabelecida por Blake. “É de estranhar que, estando vivo em 1839 o Padre Mestre Custódio Alves Serrão, a Comissão do Instituto, que deu o parecer sôbre os caracteres misteriosos da Gávea, não o tivesse ouvido sôbre o assunto. Na distância do tempo, mais de um século, não se pode atinar com a razão que tenha ditado tão estranho procedimento” (“Segredos e revelações da História do Brasil”).

 

Essa óbvia desconformidade entre Alves Serrão e o nosso padre mestre frei Custódio também foi constatada pelo historiador moderno Johnni Langer, da UFPR, que, aliás, notou várias outras contradições quanto á identificação estabelecida por Blake.

 

É interessante notar que os membros do Instituto referem-se à esse estudioso sempre no passado: ‘o antigo professor de grego d’esta cidade o reverendo frei Custodio, havia em sua vida offerecido ao governo do Senhor D. João VI uma memoria sobre os caracteres’ (Barbosa, 1839e, p. 271). Talvez esse misterioso personagem citado tenha sido o sacerdote e naturalista Frei Custódio Alves Serrão (Alcantara 1799 – Rio de Janeiro 1873). Sacramento Blake confirmou isso em 1883, referindo-se ao aludido manuscrito como Memória em que se prova que o Brazil fora visitado por alguma nação conhecedora da navegação (p. 144), que não localizamos em nenhum arquivo carioca. O problema é que Custódio Serrão veio para o Brasil somente em 1825, depois do governo de D. João VI. Sendo nomeado diretor do Museu Nacional em 1828, foi citado por Januário Barbosa (1839, mesmo ano das investigações do Instituto) em assuntos arqueológicos. Mas porque os membros do Instituto tratam o autor do antigo estudo como um desconhecido? Porque não o relacionaram com o diretor do Museu Nacional? Em sua autobiografia manuscrita, Custódio Serrão descreveu sua morada na Gávea (RJ), mas não citou em nenhum momento a aludida esfinge (Serrão, s.d.)”.

 

Então, vamos resumir uma vez mais, todas as discrepâncias.

 

1) Os membros do IHGB referem-se ao padre mestre frei Custódio sempre no passado, como a um falecido, enquanto Custódio Alves Serrão ainda era vivo e ativo em 1839.  

 

2) O padre mestre frei Custódio efetuou sua pesquisa no Rio de Janeiro e apresentou seu relatório no governo de D. João VI, enquanto Custódio Alves Serrão veio para o Rio de Janeiro apenas em 1825, em época posterior a do reinado de D. João VI.

 

3) Os membros do IHGB concebiam o autor do primeiro estudo da Gávea como um desconhecido, não o relacionavam com o seu consócio Alves Serrão, nem lhes ocorreu a ideia de pedir ao diretor do Museu Nacional as informações sobre esse antigo estudo.

 

4) Custódio Alves Serrão foi naturalista e jamais professor de grego.  

 

5) Custódio Alves Serrão não se interessou em nenhum momento pela Pedra da Gávea e, apesar de ter vivido no distrito da Gávea, jamais mencionou a “aludida esfinge”.

 

É estranho que o historiador Langer desistiu de fazer o último passo e estabelecer a verdadeira identidade do padre mestre.

 

A solução, no entanto, é bem simples.

 

Pois, está ligada diretamente ao autor da carta enviada ao Instituto, o “Reverendissimo Manoel Joaquim da Silveira”. Trata-se de Dom Manuel Joaquim da Silveira, primeiro e único conde de São Salvador (1807-1875), distinguido membro do alto clero brasileiro que, posteriormente, viria a ser arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil.

 

Cônego Manuel Joaquim da Silveira, posteriormente nomeado primeiro e único conde de São Salvador,

arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, fonte única de informações sobre o padre mestre

frei Custódio e figura chave para revelar a sua identidade.

 

Parece que a carta em questão foi seu primeiro contato com o IHGB, pois depois disso foi admitido nas fileiras do Instituto como sócio correspondente, na 10ª sessão em 10 de abril de 1839. Na lista dos membros aparece como “Conego Manoel Joaquim da Silveira. — Reitor do Seminário de S. José”.

 

Eis aqui o primeiro clarão da verdade: Seminário de S. José. Será que foi ali, que Silveira conheceu o padre mestre frei Custódio, o professor de grego?

 

Tal suposição chega praticamente ao ponto de afirmação, se nós tomarmos um pouco de conhecimento sobre a biografia de Dom Manuel Joaquim da Silveira. Veremos então que toda a sua formação e carreira estiveram estreitamente ligadas ao episcopal seminário de S. José.

 

“(...) matriculou-se o moço Silveira no curso teológico do episcopal seminário de S. José, deixando aí, como por toda a parte por onde passara, o sulco luminoso do seu grande talento e aplicação”.

 

Tão extraordinários haviam sido os conhecimentos revelados pelo padre Silveira em seu concurso, que o então vigário capitular, cónego (hoje monsenhor) Narciso da Silva Nepomuceno desejou incluí-lo no magistério do seminário de S. José, e obtendo a sua aquiescência, mandou-lhe passar a provisão de 13 de fevereiro de 1837, pela qual o investia do cargo de lente de teologia moral, considerada como a primeira cadeira do curso teológico”.

 

A 10 de setembro de 1838 lia-se em ato de comunidade a provisão pela qual era o lente de teologia moral nomeado reitor do seminário de S. José do Rio de Janeiro”.

 

Considerando a cronologia dos eventos, podemos afirmar com uma seguridade quase total que, o padre mestre frei Custódio teria sido o professor de grego do “moço Silveira”, quando este último cursava teologia no seminário de S. José.

 

Nessa etapa da nossa pesquisa chegou-nos uma ideia muito simples. Decidimos verificar se Custódio Alves Serrão seria o único “frei Custodio” registrado por Sacramento Blake.

 

E, foi ali que encontramos a solução do mistério, pois não era o único!

 

Depois do artigo “Custodio Alves Serrão” segue o “Custodio Americo dos Santos” (médico e literato, nascido em 1848 e falecido em 1889), e depois, ao final da página 144, o “Fr. Custodio de Faria”.

 

Fr. Custodio de Faria — Nascido na villa, depois cidade de Guimarães, em Portugal, a 16 de dezembro de 1761, falleceu no Rio de Janeiro a 6 de setembro de 1828. Religioso da ordem de Santo Agostinho, professo no convento da Graça, de Lisboa, a 19 de março de 1785, foi professor de grego e de hebraico no collegio da Graça, de Coimbra; foi depois professor de hebraico e de rhetorica no seminario de Santarém, sendo nomeado pelo cardeal patriarcha Mendonça em 1797 censor do ordinario para a qualificação de livros. Depois de cerca de dez annos, vindo para o Brazil, foi examinador synodal do bispado do Rio de Janeiro e professor de exegetica, moral e grego no seminario de S. José. Versado não somente nas sciencias ecclesiasticas como em varias linguas (...)”.

 

Concordância perfeita em todos os pontos, até com o seminário de S. José! Vejamos mais detalhadamente.

 

1) Frei Custódio de Faria foi professor de grego e hebraico (em Portugal).

 

2) Foi professor de grego no seminário de S. José no Rio de Janeiro, onde, seguramente, conheceu o moço Manuel Joaquim da Silveira.

 

3) Veio para o Brasil em 1807, um ano antes que a família de D. João VI, permanecendo durante todo o tempo do reinado deste monarca no Brasil.

 

4) Foi no Brasil que ele faleceu, em 1828, onze anos antes da criação do IHGB, portanto, jamais teria sido membro do Instituto. 

 

5) Era “versado em varias linguas” e, mais especificamente, na língua hebraica. Quer dizer que tinha todas as qualidades precisas para estudar a inscrição da Gávea no período do reinado de D. João VI e, seguramente, fora chamado para cumprir com aquela comissão.

 

Em Portugal, frei Custódio de Faria escreveu Arte nova da lingua grega para uso do collegio da Graça de Coimbra (Coimbra, 1790, 142 pags. in 4º). Ao Brasil legou, em primeiro lugar, sua obra Instructio moralis ad ordinandos, id est, tractatus de actibus humanis et eorum regulis (Rio de Janeiro, 1816, in 8º; segunda edição acrescentada, com o título ­Instructio moralis ad ordinandos, id est, tractatus de actibus humanis et eorum regulis; de decálogo et legibus; de peccatis, de sacramentis in genere et ordine; de irregularitatibus et censuris ex auctoribus classicis collectus et juventuti brasiliensi primum dicatus, quippe primus typis excussus in civitate fluminensi, Rio de Janeiro, 1819, 295-54 pags. in 8º; precedido por uma dedicatória em português ao bispo do Rio de Janeiro e fechada, nas 54 páginas de numeração separada, pelo Tractatus de sacrifitio missae, ex auctoribus classicis selectus; 3ª edição, Rio de Janeiro, 1824, in 8º). Também é autor de Rhetoricae breve compendium in usum juventutis brasiliensis ex Quintiliano et notis variorum de promptum offert fr. Custodius de Faria, etc. (Rio de Janeiro, 1822, 175 pags. in 8º).

 

Parece que devemos adicionar a esta lista a famosa memória perdida “em que se prova que o Brazil fôra visitado por alguma nação conhecedora da navegação, antes que aqui viessem os portuguezes”.

 

Bem parece que os dados sobre conhecimentos linguísticos do frei Custódio Alves Serrão, oferecidos por Blake (“Conhecia a lingua grega e varias linguas orientaes (...))”, se referem, na realidade, ao frei Custódio de Faria. Pois parece que nesse ponto, Blake, servindo-se da Revista do IHGB como fonte, se fundamentava unicamente na suposição errônea de que Alves Serrão estudou a “inscripção phenicia”.      

 

E aqui, terminamos essa pesquisa. Não podemos explicar o motivo pelo qual Sacramento Blake, um biógrafo experimentado, caiu num óbvio erro, confundindo os dois freis Custódio. O mais provável é que a razão dessa confusão jamais será esclarecida.

 

Mas, dois séculos é tempo demasiado para que se perdure uma confusão. Já é tempo de remendar o erro e restabelecer a justiça histórica, devolvendo ao frei Custódio de Faria o mérito de ser o primeiro investigador da Pedra da Gávea e precursor de todos os pesquisadores arqueológicos brasileiros. E esperamos ter contribuído para isso com a presente pesquisa.

 

* Oleg I. Dyakonov é licenciado em Diplomacia e Relações Internacionais, pesquisador em história alternativa. É correspondente e consultor para Via Fanzine em Moscou e editor do blog 'Desconhecida Pré-História Brasileira".

 

- Tradução ao português por Oleg Dyakonov, com revisão e adaptação de Pepe Chaves.

 

- Imagens: "Os Contemporâneos"/Arquivo do autor.

 

- Fontes e referências:

 

- BARBOSA, Januário da Cunha. Relatorio do secretario perpetuo. Revista do IHGB, tomo I, n. 4., p. 271-280, quarto trimestre de 1839.

 

- BARROSO, Gustavo. Os Fenícios no Brasil. Em: Segredos e revelações da História do Brasil. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1958. p. 7-12.

 

- BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brazileiro. Segundo volume. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, p. 143-45, 1893.

 

- INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB), Rio de Janeiro.

 

-- Atas de reuniões e sessões:

 

·         8ª Sessão, 23 de março de 1839. Revista do IHGB, tomo I, primeiro trimestre, n. 1, p. 66-67, 1839.

 

·         18ª Sessão, 29 de julho de 1839. Revista do IHGB, tomo I, terceiro trimestre, n. 3, p. 195-96, 1839.

 

·         25ª Sessão, 30 de outubro de 1839. Revista do IHGB, tomo I, terceiro trimestre, n. 3, p. 284-85, 1839.

 

-- Lista dos membros do Instituto Historico e G. Brazileiro do qual é Protector S. M. I. o Senhor D. Pedro II. Socios effectivos. Revista do IHGB, tomo I, n. 2, p. 120-21, 1839.

 

-- Continuação da lista dos membros do Instituto Historico e Geographico Brazileiro. Socios correspondentes. Revista do IHGB, tomo I, n. 4, p. 296-98, 1839.

 

- LANGER, Johnni. Ruínas e mitos: a arqueologia no Brasil Imperial. Tese de Doutorado apresentada ao programa de pós-graduação em História da UFPR. Curitiba, 2001.

 

- PORTO ALEGRE, Manuel de Araújo; BARBOSA, Januário da Cunha. Relatorio sobre a Inscripção da Gavia, mandada examinar pelo Instituto. Revista do IHGB, tomo 1, n. 2, segundo trimestre, 1839.

 

- SISSON, S. A. Galeria dos brasileiros ilustres. Brasília: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicação, vol. II, 1999, p. 451-463.

 

OLEG DYAKONOV

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