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Entrevista exclusiva

 

Entrevista com

Carlos Pérez Gomar

Arquiteto e pesquisador arqueológico

 Por Pepe Chaves*

De Belo Horizonte-MG

Para Via Fanzine

06/11/2012

 

Para Carlos Pérez Gomar, nas ruínas de Natividade da Serra há muito a se explorar.

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Nas supostas ruínas de Natividade da Serra - Por C. P. Gomar

  Especulações sobre a Ruína de Natividade - Por C. P. Gomar

 

Por cerca de um ano, tenho sido testemunha dos esforços movidos pelo arquiteto e pesquisador arqueológico Carlos Pérez Gomar, no sentido de conscientizar sobre a importância das supostas ruínas em uma propriedade rural, no município de Natividade da Serra, interior do Estado de São Paulo. Após fazer duas visitas ao local e escrever dois artigos, Gomar está  convencido de que se trata mesma de um sítio arqueológico, “Nem que seja de 200 anos atrás”, conforme nos afirmou. Para ele, ao longo dos séculos, uma antiga obra vem sendo aos poucos desmantelada, inclusive, por ações do atual proprietário do terreno. Antes mesmo de visitar o local, escreveu o artigo Especulações sobre a Ruína de Natividade, no qual faz seus primeiros levantamentos com base em imagens e informações obtidas do local. Após visitar as supostas ruínas pela primeira vez, o pesquisador reportou o que encontrou por lá ao escrever o artigo Nas supostas ruínas de Natividade da Serra. Ele ainda escreveu mais um artigo, intitulado Desfazendo o equívoco da 'pirâmide' de Natividade, no qual procura desvencilhar equívocos e mal entendidos acerca das ruínas de Natividade, que chegaram a ser chamadas por alguns de "Pirâmide da Serra do Mar". Gomar acredita que as ruínas de Natividade nada tenham a ver com pirâmides, mas que possam ser totalmente distintas de qualquer outras já encontradas no território do Brasil. Ele também alerta às autoridades do patrimônio nacional para a necessidade de preservação e estudo do achado, que consiste em sua maior parte, em grandes blocos de pedras talhadas e polidas por técnica desconhecida. O pesquisador autônomo informa que já enviou ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) um laudo técnico, lavrado por ele e com diversos detalhes técnicos e imagens desses achados líticos. O relatório foi produzido após duas visitas ao local, cujas despesas para viagem e pesquisa foram custeadas com recursos próprios do pesquisador . Nesta entrevista, gentilmente concedida por e-mail, Carlos Pérez Gomar nos fala também, um pouco de seu pensamento sobre a arqueologia brasileira e daquele que ele acredita ser o verdadeiro papel do arqueólogo nacional, dentro nos contextos histórico e pré-histórico nacionais. 

 

Via Fanzine – Primeiramente, como o senhor tomou conhecimento do suposto sítio arqueológico numa propriedade particular em Natividade da Serra, no interior do Estado de São Paulo?

Carlos Pérez Gomar – Em consultas na internet, de repente, topei com uma notícia em um site que tratava de OVNIs, onde se noticiava uma ruína descoberta em São Paulo, mas o responsável pelo site teve a boa percepção de abordar o assunto declarando que, apesar de esta ruína não ter nada a ver com OVNIs era um caso muito interessante. Segundo esta noticia o Sr. Isaias Balthazar da Silva mandava um informe constando de um relatório feito pelo geólogo Paulo Roberto Martini e a reportagem feita pelo jornalista Julio Ottoboni. Na notícia, se falava de uma pirâmide. O que me pareceu um pouco precipitado, mas as fotos eram incontestáveis, com vestígio de uma ruína, e tinham características muito estranhas. Estou habituado a ver restos de construções antigas, mas nas poucas fotos que havia, estas tinham algo diferente.  

 

Via Fanzine – Antes de visitar o local, quais foram suas primeiras impressões acerca que pôde ver pelas imagens e relatos relacionados, então veiculados em poucos sites, a respeito das possíveis ruínas encontradas naquele lugar?

Carlos Perez Gomar – De imediato notei que o tratamento das pedras não era o habitual em trabalhos contemporâneos ou mesmo “coloniais”. E quando coloco esta palavra entre aspas, eu o faço porque o termo é usual para designar qualquer ruína velha que aparece. E isto não é conveniente, porque pode nos levar a raciocínios simplistas. As pedras que apareciam naquele local, blocos e lajes, seguiam um padrão parecido ao paralelismo, mas em certos lados se indisciplinavam de uma maneira que não seria lógica para os nossos pedreiros. As superfícies apresentavam um aspecto que o ponteiro e a talhadeira não deixam. Eram muito suaves apesar de ondularem. Davam a idéia de pedra polida. Os vértices e arestas eram arredondados. O bloco principal que aparecia em uma das imagens tinha todo o aspecto de uma verga; de um vão de porta ou janela dos restos de uma robusta parede de pedra. Eu a classifiquei como uma arquitrave, porque uma verga é algo muito menor e mais fraca. Esta peça tinha 1.62 de comprimento por 65 de largura e 34 de altura, seu peso era de 900 quilos. Eu já tinha visto essas pedras em outro lugar. Sobretudo, esses tipos de blocos e lajes associados. Também havia o fato incontestável da camada de alteração superficial que denotava grande antiguidade. O problema é que se for considerada dentro do tempo histórico ou pré-histórico, parece fora de propósito e dentro de um tempo geológico colocaria estas pedras numa idade em que nem civilização havia. Este fato precisa ser bem pesquisado. Mas a existência de muitas pedras juntas com talha nitidamente manufaturada não deixa dúvida que por ali andaram homens. Quem e quando, cabe a nós pesquisar.         

 

Via Fanzine – Algumas informações foram divulgadas por um jornal e na internet, dando conta de que havia uma imensa pirâmide soterrada no local. Entretanto, o senhor rebateu esta ideia em um de seus artigos sobre Natividade, afirmando que se tratava de uma “informação equivocada”. Por que pensa assim?

Carlos Pérez Gomar – A menção a uma pirâmide me pareceu precipitada, mas havia explicações que depois compreendi. Quando fizeram a escavação no local jogaram a terra para baixo e ficou um talude plano e inclinado que parecia o lado de uma pirâmide. Até hoje a imagem aérea mostra este retângulo verde claro. Para piorar a confusão, o proprietário do local montou uma estrutura de madeira com quatro vértices e nove metros de altura em forma de pirâmide e, segundo se dizia, seria a diretriz para construir uma pirâmide de pedra. Aqui há varias versões mais, aumentando a confusão... O fato é que a palavra pirâmide reinava. Além do que, esta palavra é mágica para agitar as pessoas curiosas. Em contrapartida, no Brasil é mágica também, para afastar pesquisadores sérios. De imediato estabeleci comparações com edificações sulamericanas e mesmo sabendo que estava cometendo uma heresia, comecei a analisar o pouco que se via, estabelecendo comparações com culturas próximas. Pelo que via nas fotos, me pareceu que estava vendo restos de uma calçada levemente inclinada indo em direção ao topo do morro e os montes de pedra próximos davam a ideia de muros desmoronados. Isto é típico de quase todos os estabelecimentos sagrados ou fortificados de qualquer cultura sulamericana mais avançada. Mas se eu estava delirando, não estava sozinho, porque outro pesquisador que esteve no local, por duas vezes, e autor de 50 livros, desconfiou da mesma coisa e estabeleceu ligação destas ruínas com o chamado Peabiru, a rede de caminhos que se espalhava por grande parte da America do Sul.  

 

Notícia equivocada foi veiculada por um jornal e ajudou a causar confusão sobre a "pirâmide".

 

Via Fanzine – Quando se deu a sua primeira visita ao local e o que mais chamou a atenção naquela ocasião?

Carlos Pérez Gomar – Após fazer uma especulação através apenas de fotografias do sítio, resolvi ir ao local. No final de janeiro de 2012, fiz uma visita de dois dias. A primeira coisa que me ressaltou à primeira vista foi que aquele vale tem toda a cara de ter sido um enorme açude ou lago no passado, com certeza. Muito maior que o atual, fruto de pequenas barragens, faz uns 20 anos. A segunda pergunta que me fiz foi porque alguém escolheria uma colina sem mais significados para levantar alguma coisa. É preciso sempre se perguntar se o que se está vendo tem a mesma imponência que possa ter tido no passado. A geografia e a paisagem, consequentemente, mudam muito. E um local que hoje não nos diz nada, pode ter sido um local maravilhoso ou muito conveniente no passado próximo ou remoto. Além de que, nem sempre saberemos qual pode ter sido o interesse de quem se estabeleceu ali. Há mais uma curiosidade, se observarmos a topografia dos arredores, considerando dezenas de quilômetros em volta, não acharemos outro lugar mais amplo do que este vale onde está o açude e o sítio. Isto pode ser observado em mapas topográficos. Teria sido essencial esta amplidão para alguém instalar–se ali? Porque os outros vales próximos são quase todos espremidos e menores.    

 

Via Fanzine – O que destaca de sua segunda visita ao local?

Carlos Pérez Gomar – Na segunda visita ao local já fui com objetivos mais precisos. Parti direto para verificar a ladeira da colina, as pedras que ainda aparecem e examinar vestígios de talhas. A palavra talha não é bem o apropriado porque talha lembra talhadeira, quer dizer, cortes através de golpes, e o que parece haver naquelas pedras é um desgaste através de golpes, mas por efeito de polimento, resultado de instrumentos sem muito corte. E quando falo de “sem corte” posso estar falando de lâminas de pedras duras com efeito similar aos machados de pedra indígenas que realizavam trabalhos similares aos machados de aço, porém, com muito maior tempo de trabalho, pois, na verdade, não cortavam, senão desbastavam. Achei sem muitas dificuldades, grande número de blocos semisoterrados, com vestígios de trabalho humano. Também vi lajes que, nitidamente, não são naturais pelo aspecto de esquadro. Concluo que a colina está semeada de restos de construções ou de uma construção mais ampla e, possivelmente, no topo haveria algum elemento mais significativo. Creio que, dificilmente estarei errado. E esta colina pode ser apenas uma parte em destaque de ruínas que possam estar muito enterradas na parte baixa, que deve ter sido inundada por diversas vezes, o que as deixariam quase imperceptíveis.   

 

Via Fanzine – No Relatório sobre as referidas ruínas, o qual o senhor nos informou que enviará ao IPHAN, o senhor afirma que o proprietário da fazenda em que se encontra o suposto sítio arqueológico poderia ter destruído uma antiga parede ou muro de pedras; além de, possivelmente, ter enterrado imensas pedras talhadas em formato de blocos ao utilizar este material para construir um dique de contenção. Como o senhor chegou a tais conclusões?

Carlos Pérez Gomar – Vou lembrar três exemplos que sempre cito. A muralha de Adriano, na Inglaterra, foi desmontada para fazer cercas de pedra pelos fazendeiros locais, e ninguém pensou em condená-los. As pirâmides principais, perto do Cairo, foram despojadas de seus blocos de calcário (verdadeiros prismas óticos) para os edifícios daquela cidade. E, Sacsayhuman, foi destruída em 80% para levar as pedras para as construções coloniais de Cuzco. E na Fazenda Palmeiras, em Natividade da Serra-SP, aconteceu e com certeza vem acontecendo, faz séculos, o desmonte destas ruínas para aproveitamento dos materiais em outras obras. Com certeza, esta ação não pode ser imputada integralmente ao atual proprietário. Sabemos o que aconteceu recentemente, mas nunca saberemos o que aconteceu faz 100, 200 ou mais anos atrás. Tive confirmação da retirada considerável de materiais do local, através de testemunhas que trabalharam nesse empreendimento durante alguns anos. E, especificamente, houve referência de uma parede ou muro de pedra que foi desmontada. Creio que podemos acreditar no testemunho daqueles que participaram do desmonte. E, segundo eles, havia também o que pareciam degraus de uma escada subindo a ladeira. Vale a pena examinar os edifícios do Hotel Fazenda para ver a que nível foram usadas as pedras do sítio em sua construção.       

 

Via Fanzine – Além disso, o senhor também afirma que, possivelmente, o proprietário da fazenda teria encontrado antigos objetos cerâmicos ou de outros materiais e ainda, que teria enterrado parte das pedras talhadas que foram encontradas no local. Por favor, comente sobre isso.

Carlos Pérez Gomar – Segundo pessoas que trabalharam no local, foi achada uma “cumbuca”, nas palavras deles. Que parecia de pedra, mas se desmanchou na sua retirada. Estas mesmas pessoas também comentam que, eventualmente, o proprietário pegava algumas coisas que apareciam e as guardava. Mas não chegavam saber o porquê. Que a parte inferior do muro não foi demolida, mas foi novamente enterrada é declaração destas mesmas testemunhas. Uma destas testemunhas viu quando foi achada no topo da colina uma pedra em forma de tetraedro, uma pirâmide de três lados, com uns 60 cm de altura. Segundo ele, esta pedra estaria guardada na casa principal do Hotel.     

 

Esse autor e detalhes por vários ângulos do grande bloco de pedra talhada encontrado na região.

        

Via Fanzine – Em determinados locais daquele terreno, o senhor pôde verificar também, uma grande quantidade de pedras soltas. O que isso pode representar?

Carlos Pérez Gomar – Evidentemente, seja o que tenha existido nesta colina, foi sendo desmontado pela natureza através da erosão e do crescimento e morte das árvores e, posteriormente, pela coleta das peças mais aproveitáveis para construções. Considerando as peças que aparecem à flor da terra, estabelecendo comparações com outros locais sulamericanos, ali haveria no mínimo, alguns muros escorando platôs, escadas e, talvez, algumas construções de uso quotidiano ou religioso - ainda que esta afirmação seja de caráter particular e não tenha base na arqueologia oficial até o momento. É elementar especular se haviam construções naquele vale, a colina seria ponto de destaque religioso. Na verdade a simples existência de uma construção com pedras aparelhadas no Brasil pré-cabraliano seria uma novidade, por enquanto, sem apoio na arqueologia acadêmica. Mas, isto se saberá quando o sítio for devidamente pesquisado. Até lá, estou propenso a aceitar qualquer hipótese, ainda que depois tenhamos que retificá-la. Contudo, é preciso ir ao local com muita amplidão de pensamento. 

     

Via Fanzine – Segundo relatos na localidade, parece haver evidências de que o proprietário do terreno contratou um arqueólogo para emitir um laudo, certificando que as formações rochosas encontradas no local seriam de origem natural, possivelmente, visando com isso, ocultar as ruínas de um povo antigo que teria resido naquele local...

Carlos Pérez Gomar – Foi levantada essa hipótese, mas consultei o  IPHAN em São Paulo e eles não têm registro ou laudo algum feito naquele sítio e, consequentemente, o local ainda não é considerado sítio arqueológico. Mas, é possível que o proprietário tenha lançado este boato para afastar curiosos e enterrar o assunto que estava se tornando complicado. E um determinado arqueólogo que é citado em alguns artigos como tendo ido ao local e feito declarações, já afirmou que nem conhece o lugar, por isso, não fez declaração alguma. Entretanto, surgiram na imprensa declarações atribuídas a ele, mas estas têm a sua negativa. 

 

Via Fanzine – Quais são as características mais marcantes do suposto sítio arqueológico de Natividade da Serra e como ele pode ser classificado?

Carlos Pérez Gomar – Pelo que já dissemos se trata de um sítio, que se não é “colonial”, não tem explicação lógica para ter pedras aparelhadas. Não se enquadra na cultura dos índios tamoios que ocupavam a região e não temos referência à outra cultura na área, que possa ser responsável pelas ruínas. Por enquanto parece único. Se algo aparece e não existem similares na região, podemos especular como primeira hipótese, que seja obra de alguém que esteve de passagem. Mas devemos estar preparados para, eventualmente, sermos alvo de uma peça pregada pelas circunstâncias e, de repente, virmos a descobrir que se trate de um sitio histórico, produto de misturas culturais e técnicas europeia e indígena mistas. As possibilidades são inúmeras. Só mesmo a pesquisa arqueológica profunda vai responder essa questão.

 

Grande quantidade de pedras soltas em uma encosta, algumas apresentam cantos retos.

 

Via Fanzine – Considerando que se trate de ruínas de um antigo assentamento, para o senhor que tipo de povo poderia ter habitado aquela região num passado não registrado pela nossa história?

Carlos Pérez Gomar – Essa pergunta exigiria uma bola de cristal. Mas, entrando no terreno das especulações, e analisando as similitudes, por incrível que pareça se assemelha a construções incaicas. E nesse caso, estaria de acordo com o que levantou outro pesquisador que esteve no local, que o associou ao Peabiru. Isso, considerando pelo tipo de pedras, blocos menores, lajes e blocos maiores, quase no esquadro. Poderia ser enquadrado numa hipótese andina e se quisermos ser mais atrevidos poderíamos arriscar o período de 1400 a 1500, aproximadamente, a julgar pelos tipos de blocos e lajes. Sobretudo, porque este foi o período em que o império incaico executou as maiores e mais longas expedições e atingiu sua maior expansão. Mas haveria que saber, com certeza, se aquelas camadas de alteração que algumas das peças mostram estariam de acordo com esta suposta idade. Também podemos estar diante de algo muito mais antigo, sempre há uma primeira vez.     

 

Via Fanzine – Foram encontradas pedras talhadas de maneira bastante precisa para um passado distante. Isso não poderia evidenciar que o material encontrado se trate de restos de uma antiga fazenda dos tempos coloniais, por exemplo?

Carlos Pérez Gomar – A fazenda antiga que existia no local ficava onde hoje está o hotel, a 800 metros de distância e, logicamente, perto do Rio Paraibuna, a 50 metros. Qualquer fazenda anterior não devia ser uma fazenda, mas um estabelecimento bem precário e nesse caso, as construções seriam com materiais menos padronizados e com certeza usariam argamassa com cal, ou mesmo seriam construções de pau a pique com barro. Poder-se-ia argumentar que estando longe do mar não se dispunha de cal, principalmente, proveniente de antigos sambaquis e por isso não apareceria argamassa com cal. Poderia ter sido usado barro apenas. Essa hipótese não pode ser descartada totalmente, por enquanto. Mas construções com blocos de granito enormes e lajes padronizadas somente eram feitas em casas senhoriais importantes, como as fazendas de café do vale do Paraíba. Naquele local não se plantava café, se criava gado. Uma fazenda dessa época, que tivesse um tratamento arquitetônico tal, não sumiria sob a terra como parece ter acontecido com o que havia no sítio em questão. Haveria ruínas maiores e, possivelmente, restos de paredes ainda em pé. Também não podemos excluir a hipótese que em tais alvenarias possa ter sido usado o barro para dar mais coesão às pedras. Mas, isso somente será detectável quando for achado um trecho de alvenaria intacto. Duvido muito que tenham ido para aquele local, nos primeiros tempos, pedreiros profissionais. Ali era no máximo um local para as paradas de tropeiros, nem havia vila.  

 

Via Fanzine – O senhor nos informou que, através de um Ofício e um relatório da visita, estará certificando o IPHAN a respeito dessa descoberta em Natividade da Serra. O que está sendo colocado junto a esse Instituto e, para o senhor, o que deveria ser feito em Natividade da Serra?

Carlos Pérez Gomar – Foi enviado um relatório e informações avulsas, solicitando uma visita para verificação do sítio e sendo comprovado como sítio arqueológico, este seja colocado sob proteção federal e pesquisado. Em minha opinião, trata-se de um sítio arqueológico, ainda possa ser somente de 200 anos atrás.

 

Via Fanzine – Nós soubemos que o proprietário deseja se desfazer de toda a Fazenda Palmeiras, incluindo a estrutura do hotel. É verdade?

Carlos Gomar – Sim. Segundo eu soube, o Hotel Fazenda está à venda. O proprietário se cansou dele. Trata-se de uma área com 1.000.000 m2, incluindo construção com muitos apartamentos, casa principal, pavilhão, refeitório, além de outras muitas instalações e benfeitorias. E de quebra, um sítio arqueológico. Seria muito bom que alguém com visão de pesquisador o compra-se. O pessoal da vila, pessoas humildes e trabalhadoras, quer ver este estabelecimento funcionando, porque isto lhes dará trabalho. Também estão torcendo para que se revele o sítio arqueológico, que pode mudar o status do local, inclusive, do ponto de vista turístico. E por incrível que pareça as duas coisas se combinam muito bem: um sítio arqueológico a se explorar, já com as instalações completas para pesquisadores e possíveis interessados. Inclusive, sobre este assunto, conversei com vários moradores e com professores da escolinha do local, para que tenham mais curiosidade com o que possa ter acontecido ali no passado.    

 

Bloco cortado apresenta uma fratura que revela a sua história recente e remota.

 

Via Fanzine - Nós temos visto, generalizadamente, os arqueólogos acadêmicos brasileiros se referir a qualquer descoberta como sendo de período “colonial”, como se tudo estivesse relacionado a este período da nossa história. O que o senhor pensa desse a respeito de tal “comportamento padrão” observado pelos mais atentos?

Carlos Pérez Gomar – Evidentemente que, quem está em funções oficiais ou acadêmicas não pode se expor demais a aventuras incertas. Ademais, raramente tem tempo para investigar coisas estranhas ou muito fora do padrão. E esse costume de chamar de “colonial” a qualquer ruína que aparece não exime ninguém da obrigação de investigar o assunto. Porque grande parte do patrimônio nacional é constituída de restos “coloniais”. E se o sítio em questão for “colonial” também seria um sítio arqueológico. Mas não podemos criticar a totalidade dos profissionais da área pelas atitudes de alguns que se omitiram. Tenho certeza que há muitos arqueólogos idealistas, principalmente, entre os mais jovens. E espero que eles se interessem mais pela arqueologia brasileira e sulamericana do que pela Egiptologia ou similares. Reconheço que a arqueologia brasileira parece um pouco árida, mas se não for mais prestigiada vai continuar assim.       

 

Via Fanzine – Para o senhor, por que há um desinteresse tão grande seja da sociedade, das autoridades, dos políticos e até mesmo dos pesquisadores profissionais, em torno da história, da arqueologia e da paleontologia brasileiras?

Carlos Gomar – História, arqueologia, paleontologia e ciências afins não são muito populares em nenhuma parte do mundo. É interesse de uma minoria da população. Consequentemente, não dão muito dinheiro e nem tem a capacidade de movimentar capitais como o esporte, novelas ou filmes e outras atividades sem compromisso com a realidade. Nas ciências citadas não se dá passo sem estar certo do passo anterior e, mesmo assim, às vezes, se pega a pista errada. Os resultados nessas ciências vêm a contagotas e, dificilmente, se tem uma revelação bombástica que entusiasma um grande grupo de pessoas. Justamente por isso, os autores de realismo fantástico sem compromisso com resultados concretos e cientificamente provados fazem tanto sucesso. Pegam-se alguns elementos conhecidos e consagrados e a partir deles se montam estórias fantásticas e fatos mirabolantes que entusiasmam muita gente. Só que não são verdadeiras.  Por outro lado a arqueologia brasileira está carente de alguns episódios que a tirem da área apenas de sambaquis, cerâmicas, sítios líticos etc. Resumindo, arqueologia também precisa dar IBOPE.  Creio que os arqueólogos brasileiros deveriam ter como primeiro interesse, a arqueologia brasileira e, em segundo lugar, a sulamericana, porque é evidente que estão intimamente relacionadas. A América do Sul não tinha fronteiras no passado.     

 

Via Fanzine – Agradecemos pela entrevista e pedimos para nos deixar as suas considerações finais.

Carlos Gomar – Pelo que pude ver, o sítio de Fazenda Palmeiras, é um sítio arqueológico, “colonial” ou não. Alguém deixou um testemunho antigo ali e vale a pena investigar. Pode ou não ser um fato novo na arqueologia brasileira. Mas, só saberemos se for pesquisado e não destruído ou ignorado, como deve ter acontecido com muitos outros. Não me parece lógico nem aceitável o fato de pesquisas que possam contribuir para a formação da identidade e da cultura nacional sejam impedidas pela falta de interesse, ou por motivos particulares de algumas pessoas.

 

 

* Arquiteto e pesquisador arqueológico, nascido em 1946, em Montevidéu, Uruguai e reside no Brasil desde 1958. Em 1968 cursou a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ. Fez curso básico de arqueologia e participou do Centro de Informação Arqueológica, iniciando o curso Superior de Estudos Humanos, mas não terminou. A partir da década de 1960, passou a pesquisar a Pedra da Gávea. Em 1989 revalidou o seu curso de Arquitetura na Universidade da República em Montevidéu, passando a exercer a profissão nos dois países. Trabalhou em paisagismo e restauração de edifícios históricos.  Em 1997 fundou junto com outros 17 membros o Instituto Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro. Em 2000 participou da Comissão de Meio Ambiente do IAB-RJ, exercendo sua coordenação. Em 1999 foi um dos sócios fundadores da Sociedade de Amigos do Parque Nacional da Tijuca. Sua primeira subida a Pedra da Gávea foi com o Clube Excursionista Carioca em 1964. Realizou 440 subidas a Pedra da Gávea durante 45 anos e continua acompanhando tudo o que acontece naquele local.

 

* Pepe Chaves é editor do diário digital Via Fanzine e da Rede VF.

  

- Fotos: Arquivo Carlos Pérez Gomar.

 

- Contato com Carlos Pérez Gomar, pelo e-mail: viafanzine@gmail.com

 

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