Manuscrito 512
Documento histórico: O enigmático Manuscrito 512 Trataremos inicialmente do próprio Manuscrito 512, mostrando alguns aspectos curiosos de seu conteúdo e ilustrações das inscrições citadas pelos seus autores quando de sua provável estada no local.
Por J. A. FONSECA* De Itaúna/MG Junho/Julho/Setembro/2025
O Manuscrito 512 é um mistério. Trata-se de um ‘relatório’ datado de 1753 feito por bandeirantes, encontrado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, já parcialmente comido pelas traças, em 1839, que narra a descoberta fantástica de uma cidade perdida em ruínas e de minas de prata no interior da Bahia. Há muitos questionamentos sobre a veracidade do conteúdo deste documento histórico, pois com o passar do tempo nada foi encontrado no Brasil que pudesse aproximar-se do que se acha ali descrito e estudiosos sobre o tema levantaram algumas hipóteses sobre a provável existência destas ruínas.
Trataremos inicialmente do próprio Manuscrito 512, mostrando alguns aspectos curiosos de seu conteúdo e ilustrações das inscrições citadas pelos seus autores quando de sua provável estada no local. Citamos algumas obras que tratam das minas de prata da Bahia, como a do romancista José de Alencar “As Minas de Prata” e o livro de Estrellita Júnior, “As Minas do Sincorá”, que também mencionam o Documento 512, fazendo argumentações sobre prováveis ruínas existentes em diversas regiões do Brasil e documentos antigos relatando outras descobertas na região.
Apresentamos a seguir um estudo feito pelo professor Júlio César Assis, mestre em História da Universidade de São Paulo – USP questionando o seu conteúdo e mostrando fatos históricos da época mostrando que, provavelmente, ele teria sido redigido por outras razões e não por bandeirantes em busca de riquezas. Este trabalho nos foi enviado pelo editor do jornal eletrônico Via Fanzine, Pepe Chaves, pois Júlio César mostra uma inscrição de São Tomé das Letras (de nossa autoria) e a fala sobre a relação destas com as que se encontram no Manuscrito.
Incluímos ainda uma explanação feita pelo arqueólogo Gabriele D’Annunzio Baraldi em seu livro “A Descoberta - Documento 512” sobre a possível origem dos fatos que foram narrados neste documento.
Este estranho documento, intitulado “Relação histórica de uma oculta e grande povoação antiquíssima sem moradores, que se descobriu no ano de 1753”, está arquivado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro na sua Seção de Manuscritos e tendo recebido por código o número 512, daí o seu título de Manuscrito 512.
O documento trata-se de um relato feito por bandeirantes no ano de 1.753 que descreve a descoberta de uma cidade abandonada no sertão da Bahia, após muitos anos de investida de seus autores em busca de minas de prata. Tendo-se como referência a data do documento, atribuiu-se a sua autoria à bandeira de João da Silva Guimarães, que teria desaparecido por cerca de 20 anos no interior do estado baiano em busca de riquezas e que teria surgido em seguida com a história relatada neste manuscrito.
AS MINAS DE MURIBECA
Pensou-se inicialmente que esta descrição pudesse estar relacionada às famosas minas de prata de Muribeca que havia sido condenada ao esquecimento, logo após a morte de seu proprietário, Robério Dias. O mistério de Muribeca tem o seu começo com o bandeirante Belchior Dias Moreia, que tinha por apelido o nome dado às suas minas de prata, e que segundo consta, as teria deixado ao seu filho natural, um mestiço, de nome Robério Dias. Acredita-se que durante muitos anos o herdeiro das minas de prata as teria explorado intensamente, pois havia se tornado num dos homens mais ricos da Bahia. Porém, ele desejava, ardentemente, possuir um título de nobreza, pois se tornara um homem realizado por causa de sua riqueza, mas sua condição de mestiço não lhe dava o devido destaque e incomodava-o.
Decidiu-se então viajar até a Espanha e entrevistar-se com o rei D. Pedro II, que na época (1683 a 1706) era rei de Portugal e Algarves, e oferecer-lhe suas minas de prata em troca de um título que o consagrasse como Marquês das Minas. O rei prometeu-lhe o solicitado, repassando suas instruções ao capitão do navio, exigindo que suas determinações fossem mantidas lacradas até que Robério Dias fizesse a entrega das jazidas ao governador da Bahia. Em verdade, porém, não pretendia o rei dar-lhe tal titularidade e o mestiço, por sua vez, também duvidou disto, conseguindo do capitão, durante a viagem de regresso, saber do conteúdo dos papéis.
A conclusão final é que ele se negou a entregar sua propriedade e apesar de ter sido preso e mantido em cárcere por dois anos, e alguns dos índios que o acompanhavam em suas explorações terem sido barbaramente torturados, a provável localidade das minas de prata não foi revelada. Depois de alguns anos Robério Dias comprou sua liberdade e viveu ainda durante muitos anos, tendo falecido no ano de 1.622, levando consigo o segredo das majestosas minas de Muribeca. Estas, de outro lado, passaram a ser procuradas com grande interesse e acabaram caindo na temática dos contos lendários do Brasil, sendo transmitido de boca para ouvido, através dos séculos. Muitas bandeiras foram organizadas tentando localizá-las, mas em vão.
Muitas destas expedições não foram jamais reencontradas ou retornaram para relatar alguma coisa. Em 1.753 surgiu então a história da cidade abandonada da Bahia e de suas minas de prata. De acordo com o documento número 512, um grupo de bandeirantes comandados por João da Silva Guimarães teria conseguido localizar esta estranha cidade em ruínas e relatar o que viu, após uma longa ausência, perambulando pelo sertão baiano. Por incrível que possa parecer, apesar de o manuscrito ter citado os rios Paraoaçu e Uná no sertão do estado da Bahia, como referências para a sua localização, as ruínas de Muribeca e suas minas de prata jamais foram encontradas.
O DOCUMENTO 512
O documento 512 relata com riqueza de detalhes uma região lendária e uma cidade em ruínas bem distante do litoral do Brasil e pelo fato de ter mencionado no texto resquícios de uma mina de prata naquele local muitos passaram a acreditar que pudesse tratar-se das mitológicas minas de Muribeca. Este fato, entretanto, nunca teria sido comprovado e as famosas minas de prata ali descritas também jamais foram encontradas. Transcreveremos abaixo alguns trechos deste famoso manuscrito para que possamos fazer uma avaliação sobre seu misterioso relato e procurar compreender o grau de complexidade na sua descrição. Vejamos:
“…depois de uma larga e importuna peregrinação, incitados da insaciável cobiça do ouro, e quase perdidos em muitos anos por este vastíssimo sertão, descobrimos uma cordilheira de montes tão elevados, que pareciam chegavam á região etérea, e que serviam de trono ao vento, às mesmas estrelas…” “Gastamos boas três horas na subida, porém suave pelos cristais que admirávamos, e no cume do monte fizemos alto, do qual estendo a vista, vimos em um campo raso maiores demonstrações para a nossa admiração.”
Em seguida ele procura relatar a cidade abandonada, tal qual ela fora encontrada, descrevendo as surpresas do grupo ao aproximar-se de suas ruínas:
“Divisamos coisa de légua e meia uma povoação grande, persuadindo-nos pelo dilatado da figura ser alguma cidade da Corte do Brasil…”
“Estivemos dois dias esperando aos exploradores para o fim que muito desejávamos, e só ouvíamos cantar galos para ajuizar que havia ali povoadores; até que chegaram os nossos desenganos de que não havia moradores, ficando todos confusos…”
“… e assim nos determinamos todos a entrar com armas por esta povoação, em uma madrugada, sem haver quem nos saísse ao encontro a impedir os passos, e não achamos outro caminho, senão o único que tem a grande povoação, cuja entrada é por três arcos de grande altura, o do meio é maior, e os dois dos lados são mais pequenos; sobre o grande e principal divisamos letras que se não poderão copiar pela grande altura.”
Que civilização poderia ter construído uma cidade no interior mais longínquo do Brasil? E porque ela não teria sido jamais descoberta apesar da tecnologia moderna, do desbravamento do sertão baiano e da expansão das cidades no interior de nosso país? Estaria ela situada em outra localidade, muito mais distante ou em local de difícil acesso, ou se trataria apenas de um relato fantasioso provocado pela exaustão destes valorosos bandeirantes, frustrados por anos de tentativas sem o sucesso esperado?
A condição lendária que este documento adquiriu no transcorrer dos séculos e que continua persistindo até os dias de hoje coloca o seu relato em ‘suspenso’ e muitas dúvidas começaram a ser levantadas sobre a sua autenticidade. Mas, o que teria levado os seus autores a fazer um relato tão minucioso de algo tão excepcional quanto estas ruínas e as minas de prata que eles tanto procuravam?
E quanto às misteriosas inscrições que foram relatadas e reproduzidas no próprio documento, juntamente com a descrição das ruínas de uma cidade sem habitantes? Conforme a narrativa era uma fortaleza cercada de muros, com arcos portentosos na entrada, ruas calçadas e muitas casas de pedra.
“Faz uma rua da largura dos três arcos com casas de sobrados de uma e outra parte, com as fronteiras de pedra lavrada e já denegrida.”
“…as casas são todas escuras no interior e apenas tem uma escassa luz, e como são abobadadas, ressonavam os ecos dos que falavam, e as mesmas vozes atemorizavam.”
“Passada e vista a rua de bom comprimento, demos em uma praça regular, e no meio dela uma coluna de pedra preta de grandeza extraordinária, e sobre ela uma estátua de homem ordinário, com uma mão na ilharga esquerda, e o braço direito estendido, mostrando com o dedo index ao polo Norte.”
“Da parte esquerda da dita praça está outro edifício totalmente arruinado, e pelos vestígios bem mostra que foi templo, porque ainda conserva parte de seu magnífico frontispício, e algumas naves de pedra inteira: ocupa grande território, e nas suas arruinadas paredes se vêm obras de primor com algumas figuras, e retratos embutidos na pedra com cruzes de vários feitios, corvos, e outras miudezas, que carecem de largo tempo para descrevê-las.”
Como se pode ver, a descrição é minuciosa e, ao que parece, tratava-se de algo, decididamente, monumental. O documento não mostra características de que seu relato poderia ter sido contaminado por acessos de loucura ou tivesse sido escrito por influência de delírios ou alucinações. É bem concatenado, com precisas colocações sobre os detalhes observados e contém uma força que o impulsiona para muito além de um simples relato escrito por homens enfraquecidos e temerosos.
No seguimento relatamos e damos destaque a questão das inscrições que foram citadas e copiadas por seu autor ou autores nos diversos lugares onde eles disseram tê-las encontrado:
“…sobre o pórtico principal da rua está uma figura de meio relevo talhada da mesma pedra, e despida da cintura para cima, coroada de louro; representa pessoa de pouca idade, sem barba, com uma banda atravessada, e um fraldelim pela cintura; debaixo do escudo de tal figura tem alguns caracteres já gastos com o tempo; divisam-se, porém, os seguintes:”
“Achamos também algumas pedras soltas; e na superfície da terra, cravadas de prata, como tiradas das minas, deixadas ao tempo.”
“Entre estas furnas vimos uma coberta com uma grande laje, e com as seguintes figuras lavradas na mesma pedra, que insinuam grande mistério ao que parece.”
“Sobre o pórtico do templo vimos outras de forma seguinte designadas.”
A descrição do local onde foram encontradas as inscrições ilustradas abaixo, estão danificadas no documento, podendo-se apenas ler o seguinte texto:
“…quadrada por artifício, suspensas com os seguintes caracteres.”
“Depois desta admiração, entramos pelas margens do rio a fazer experiência de descobrir ouro, e sem trabalho achamos boa pinta na superfície da terra, prometendo-nos muita grandeza, assim de ouro, como de prata…”
Vimos que a região e as ruínas vêm sendo descritas com detalhes pelos bandeirantes, levando-nos a acreditar que estes se encontravam, decididamente, diante de alguma coisa excepcional. Após todas estas dissertações e mais outras interessantes relatadas pelo documento, esclarecem os seus autores qual seria a região que julgavam estarem localizadas aquelas ruínas:
“Estas notícias mando a V.M. deste sertão da Bahia, e dos rios Paraoaçu, Uná, assentando não damos parte a pessoa alguma, porque julgamos se despovoarão vilas e arraiais; mas eu a V.M. a dou das minas que temos descoberto, lembrando do muito que lhe devo.”
Após alguns outros dizeres o documento é encerrado e logo abaixo estão representados alguns símbolos, numa ordem de sequência que vai até nove (ver abaixo). Segundo se afirmou tratavam-se das assinaturas dos que presenciaram o fato narrado no manuscrito, que por não saberem escrever, costumavam fazer sinais do tipo ali grafado para identificar o seu testemunho e dar validade ao documento.
Sabe-se que o Coronel Fawcett havia tomado conhecimento deste manuscrito e que este estava certo de que se tratava de uma cidade atlante e ainda, que as inscrições copiadas pelos bandeirantes faziam parte do antigo idioma daquela metrópole, hoje em ruínas. O certo é que as minas de Muribeca jamais foram encontradas e não se sabe se a cidade abandonada relatada no Documento 512 poderia estar-se referindo a alguma das minas de prata da Bahia. É estranho que algo tão bem documentado por seus descobridores não tenha sido até o momento presente encontrado, a despeito da tecnologia disponível e das tentativas diversas que foram feitas para encontrar estas excepcionais ruínas e suas famosas minas de prata.
OUTRAS CITAÇÕES
Estas minas ficaram tão famosas que acabaram também sendo alvo de um romance escrito pelo romancista brasileiro José de Alencar, publicado em 1862 com o título de “As Minas de Prata”. Relata uma história fictícia que caracteriza-se por um tipo de romance histórico ambientado na Bahia no século XVII no período colonial do Brasil e gira em torno das lendárias minas de prata muito comentadas na época.
Envolve o personagem Estácio Correa e sua busca para restaurar a honra de sua família, tentando encontrar o roteiro para as minas de prata relatadas por Muribeca, seu avô e que teria se perdido com seu pai Robério Dias, antes de sua morte. Apesar de tratar-se de um romance, não deixa de ser interessante a sua publicação naquele época, mostrando que o assunto deveria estar sendo comentado por muitas pessoas.
Também o livro “As Minas do Sincorá” de Estrellita Júnior, publicado em 1933, trata com detalhes as discussões sobre existência das minas de prata da Bahia e analisa também o Documento nº 512 da Biblioteca Nacional. Diz o autor do livro que este documento parece estar se referindo a um mesmo local quando ele é confrontado com outras referências a respeito das minas de prata daqueles rincões baianos. Estrellita Júnior diz que quando ele fez a confrontação do que se acha relatado no documento com um artigo escrito por Gomes Neto, que descrevia a serra do Castelo, teve a impressão de que se tratava do mesmo local onde se oculta a cidade que foi chamada do Sincorá.
Afirma também este autor que o cônego Benigno José de Carvalho e Cunha, encarregado de fazer pesquisas no local, teria feito várias diligências na região e disse que estas ruínas estariam localizadas mesmo na serra do Sincorá. Estrellita Júnior descreve em seu livro diversos lugares no Brasil onde se podem encontrar muitas inscrições rupestres e formações pétreas que se assemelham a ruínas muito antigas, as quais ele próprio chama de construções pré-colombianas.
Ele admite que navegadores de diversas regiões do mundo como fenícios, hebreus, cartagineses e egípcios, palmilharam estas terras sul-americanas em tempos muito remotos. Afirma também que as lagoas guaíbas em Mato Grosso e a de Upá-Assú no nordeste do Brasil também foram alvo de explorações de ouro e prata por povos muito antigos.
O autor relata em seu livro que existiam antigas construções em pedra na serra do Sincorá no baixo rio São Francisco e também de outros tipos de formações líticas e de inscrições desconhecidas em diversos lugares, como se fossem escritas desses povos que aqui estiveram e afirma que o local das históricas minas de prata de Robério Dias, descendente de Belchior Dias ficava entre os estados de Sergipe, Alagoas e Bahia.
Citando o Documento 512, ele fala de uma descoberta que foi feita no sul da serra do Sincorá e segundo ele, estaria localizada às margens do braço esquerdo do rio Sincorá. Diz que este local não teria sido encontrado pelas expedições que foram feitas pelo cônego Benigno José de Carvalho e Cunha no ano de 1839.
Estrellita Júnior cita também antigas correspondências que descrevem indícios de antigas povoações abandonadas no interior da Bahia. Em uma carta enviada ao desembargador e deputado João José de Moura Magalhães em 02/07/1848, o major Manoel Rodrigues de Oliveira relata que próximo a vila de Camamú, numa fazenda denominada Provisão, foram encontradas ruínas de casas demolidas muito antigas e também “fragmentos de louça como aquela da Índia, bastante grossa, porém, curiosamente bordada, de vidros finos, escumalho de gesso, carvão, utensílios de agricultura carcomidos de ferrugem, quais sejam mui grandes e desusadas foices, machados, cunha de ferro de rachar madeira, navalha de barba, bem como (para admirar por conter mistério) moeda de cobre de grande circunferência tipadas à romana”, além de outros objetos como, curiosamente, um pedaço de uma espada de ferro carcomido com cerca de sete palmos de comprimento.
Em seu livro ele faz algumas reflexões a respeito do Documento 512 e citando o padre Benigno faz referência à serra do Assuruã, que fica a noroeste, como sendo a provável serra que estava sendo visada por aquele sertanista. Escreveu ele: “Entretanto, ao sul, ficam as serras referidas na carta do major Rodrigues de Oliveira, as quais tanto podem ser as do Sincorá quanto as do Guarapari, os montes Beneventes e a serra do Castelo, que se agrupam e se destacam pela sua altura.” Comenta também que a bandeira não diz ter encontrado indígenas ou quilombolas próximo da cidade abandonada, confirmando que em 1839 existiam por estas regiões tanto uns como outros e que estes seriam remanescentes de núcleos que viviam próximos da serra de Castelo, onde se julgavam existir muitas minas de prata que desde 1551 teriam sido exploradas pelos padres jesuítas até a expulsão destes do Brasil em 1759.
O ESTUDO DO PROFESSOR JÚLIO CÉSAR ASSIS
O artigo do professor Júlio César que trata do Manuscrito 512, fala do erudito português Martinho de Proença e do bandeirante João da Silva Guimarães, fazendo um questionamento a respeito da veracidade das minas de prata relatadas neste documento histórico encontrado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Comenta o professor que o erudito português Martinho de Mendonça de Pina e de Proença era membro da Academia Real da História Portuguesa e menciona uma descoberta que teria sido feita em 1730, na cidade de São Tomé das Letras, em Minas Gerais, que mostrava a existência de caracteres, tipo letras, em uma lapa daquele lugar, as quais teriam sido copiadas no distrito pelo capitão-mor Manoel Garcia de Oliveira.
Martinho de Proença teria citado a existência destas inscrições em conferências e diálogos com outras pessoas naquela região e em 1738, o novo governador capitão-general Gomes Freire de Andrade mandou ao local o frei franciscano Miguel de Santa Bárbara e o coronel Bento Fernandes Furtado para verificar a veracidade desta informação. Eles fizeram cópias das inscrições, descrevendo-as como sendo “hieróglifos históricos e alegóricos iluminados de vermelho (no que ainda dão a conhecer), que se descobriu ou se fez mais notória neste ano de 1738 em uma erigida pedra e impressos nela, da serra de Itaguatiara, na América portuguesa.”
As inscrições de São Tomé das Letras em fotografia deste autor e um esboço de seus caracteres ao lado.
O autor Júlio César Assis disse que na cópia feita em 1738 os caracteres contidos nas inscrições teriam sido apresentados em quatro linhas e que este fato teria levado os eruditos daquela época a pensar que estas “letras” seriam componentes de uma escrita. Por causa disto estas inscrições da cidade de São Tomé das Letras ficaram muito famosas e passaram a circular por toda a região. Cita que o médico acadêmico português Mateus Saraiva, residente no Rio de Janeiro, tomou conhecimento da reprodução das inscrições de São Tomé e disse que estas poderiam ter sido feitas pelo apostolo São Tomé, discípulo da Judeia, no ano 54 depois de Cristo.
O professor Júlio César relata que posteriormente estas ‘letras’ de São Tomé das Letras teriam sido associadas às inscrições que se achavam gravadas do famoso Manuscrito 512. Este fora descoberto e publicado no ano de 1839 na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro pelo historiador J. Langer, o qual teria afirmado que havia muitas semelhanças em diversos destes caracteres de São Tomé com aqueles que foram ‘vistos’ na cidade abandonada relatada naquele Manuscrito.
A realidade física da cidade, diz o prof. Júlio César, poderia ter sido inspirada na descrição que foi feita pelo bandeirante Belchior Dias Moreia, o Muribeca, que falava de “uma formação geológica ruiniforme da Chapada Diamantina como a existente no município de Gentio do Ouro.”
Em seu estudo o professor informa que em 1841 o padre Benigno José de Carvalho e Cunha teria enviado uma “breve notícia” ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro falando sobre as descobertas no Assuruá, na Bahia, onde ele relata histórias do Muribeca e de sua riqueza. Um outro documento “Relação histórica de uma oculta e grande povoação” descreve uma pedra que continha uns caracteres nela gravados que não eram conhecidos e que se assemelhavam aos do Manuscrito 512. Ver abaixo:
O padre Benigno também afirmou que as pinturas existentes na serra de Assuruá não estariam ligadas aos grupos indígenas e ao Muribeca, mas se originariam de povos mais antigos. Com o surgimento do Manuscrito o padre teria impulsionado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro para conseguir recursos financeiros para que se pudesse efetuar uma expedição naquela região da Bahia.
O padre Benigno teria concluído que a provável cidade em ruínas deveria localizar-se na serra do Sincorá. A expedição foi constituída e durante cerca de 5 anos, de 1841 a 1846, foram feitas diversas tentativas sem sucesso. Como as expedições não apresentavam resultados satisfatórios o apoio oficial foi interrompido, mas o padre Benigno continuou suas buscas até a sua morte em 1852.
O professor Júlio César afirma que o Manuscrito 512 não mostrava em sua descrição um roteiro preciso para se chegar às minas de prata e à cidade em ruínas que ele descrevia. Algumas expedições foram feitas em meados de 1840 e dizia-se que a cidade abandonada deveria estar localizada na serra do Sincorá.
O professor diz também que o Manuscrito 512 apresenta estilos diferentes no começo e no final do texto, indicando que este poderia ter sido escrito em momentos diferentes e que a primeira metade dele não mostra ser um tipo de relatório usual feito por sertanistas da época, mas que mostrava um estilo mais literário. Já a segunda metade teria sido escrita em um formato de prosa mais despojada e relataria um “outro conjunto de minas a três dias de caminhada do primeiro.”
O historiador J. Langer associou as inscrições que foram pesquisadas por Martinho Proença em São Tomé das Letras com os que constavam do Manuscrito 512.
Diz o professor que a Vila de Santo Inácio possui muitas inscrições rupestres, mas pensa que o autor do Manuscrito 512 teria se utilizado das inscrições de São Tomé das Letras que teriam, sido investigadas e divulgadas em 1738 por Martinho de Proença e que este documento teria sido produzido por uma bandeira que estava à procura das minas de prata de Muribeca, na Bahia. Disse que o historiador Pedro Calmon teria sugerido que o líder desta bandeira seria João da Silva Guimarães, sertanista mineiro que viveu no século XVIII.
Ao final o professor Júlio César concorda que a autoria do Manuscrito 512 poderia ser atribuída ao bandeirante João da Silva Guimarães, conforme pensa o escritor Antonio Calado e que este teria levantado esta hipótese, tendo como referência o livro de Pedro Calmon “As Minas de Prata”. O próprio historiador Pedro Calmon sugere que a parte final do manuscrito teria sido escrita por Lourenço Antonio Bragança, ajudante de ordem de João da Silva Guimarães.
Afirma o professor que este bandeirante teve contato com Martinho de Proença durante o tempo que ficou em Minas nos anos de 1734 a 1737 e que depois disto eles teriam se comunicado por meio de cartas. E conclui que a descrição da cidade em ruínas que consta do Manuscrito 512 “aponta para a união do conhecimento teórico de um erudito europeu como Martinho de Proença e a experiência de campo de um bandeirante como Guimarães”, mas sem a participação direta de Martinho de Proença.
Encerra o professor dizendo que o bandeirante possa ter concebido o documento partindo “das lembranças do contato com Martinho de Proença e que seu ajudante de ordem Lourenço Antonio de Bragança houvesse escrito o texto definitivo por volta de 1756.”
GABRIELE BARALDI
O pesquisador Gabriele Baraldi, italiano radicado no Brasil também fez contestações sobre a autenticidade do Manuscrito 512 e sobre a veracidade de seu conteúdo. Após estudos aprofundados sobre o documento este concluiu que o mesmo deveria ter, no mínimo, dois autores e que sua origem remontaria ao ano de 1553. Por fim, afirma que o mesmo teria sido “montado” por um copista da Companhia de Jesus e sofrido inúmeras modificações para, finalmente, ganhar a redação da forma como ele foi encontrado. Segundo Baraldi este documento teria sido utilizado em circunstâncias variadas e para finalidades que não seria fácil saber quais teriam sido.
Este pesquisador contesta a autenticidade do conteúdo deste manuscrito com elementos muito fortes e não podemos ignorá-los. Comenta que um dos maiores contrastes deste documento está na erudição do narrador e que este não poderia jamais estar relacionado a um bandeirante qualquer daquele tempo.
Disse ainda que o nome do rio mencionado não poderia ser o Paraoaçu e Una, mas o Pará-o-Açu Verá e que a cidade em ruínas não era outra senão a “cidade errante dos Césares”, relatada minuciosamente por Francisco César de Rojas, em 1553. Rojas dizia ter encontrado uma cidade muito rica em ouro e prata e muitos rebanhos de ovelhas, apesar de não terem sido vistos em suas cercanias nenhuma alma vivente.
Para o pesquisador Baraldi a narrativa de Rojas não seria outra senão o próprio conteúdo do Documento 512, ou seja, ela teria sido utilizada para construir este documento. Em seu livro “A Descoberta – Doc. 512”, ele faz citações do documento nº. 39 do padre Juan de Azpilcueta Navarro, escrito em 24/06/1555, em espanhol, e do documento nº. 65 de Antonio Rodrigues, de 31/05/1553, também em espanhol, dos quais, afirma, que fora copiado todo o conteúdo do manuscrito catalogado na Biblioteca Nacional sob o nº. 512.
Para este autor, a montanha de prata do mestiço Muribeca era, em verdade, Potosi, na Bolívia, onde havia exploração de prata até o ano de 1626, quando um acidente com os diques próximos à cidade inundou todo o vale e fez com que os espanhóis abandonassem a região. Finalmente, defende o pesquisador, com o terrível terremoto ocorrido em 1692, cujo epicentro fora nas proximidades de Potosi, em Asticku, ficaram definitivamente sepultados todos os vestígios que ainda existiam da cidade perdida mencionada no Documento 512.
Estamos vendo que este Manuscrito é mesmo cheio de controvérsias. Fizemos a exposição daquilo que se pôde encontrar a respeito das famosas minas de prata da Bahia e da cidade abandonada descritas no famoso Manuscrito 512. Nosso posicionamento está do lado onde se pode comparar e questionar qualquer narrativa com a ajuda de provas e documentos históricos que possam ser alocados, demonstrados como comprováveis e também consultados.
Assim, nunca poderemos negar aquilo se aproxima mais da verdade e que nos oferece maior margem de confiança, considerando-se também que com o passar do tempo e as inúmeras possibilidades de pesquisa e constatações que conquistamos, não se conseguiu provar que a cidade em ruínas e suas famosas minas de prata existissem. Adotando então a condição do ‘bom senso’ teríamos que aceitar que a excepcional narrativa do Manuscrito 512 estaria então mais próxima de uma fraude ou crença que teria sido fortemente acalentada naquele tempo a respeito das minas de prata da Bahia, como também de muitas outras que circulavam livremente e eram acreditadas por muitos.
* J. A. Fonseca é economista, aposentado, espiritualista, conferencista, pesquisador e escritor, e tem-se aprofundado no estudo da arqueologia brasileira e realizado incursões em diversas regiões do Brasil. É articulista do jornal eletrônico Via Fanzine (www.viafanzine.jor.br) e membro do Conselho Editorial do portal UFOVIA. E-mail jafonseca1@hotmail.com.
- Fotografias e ilustrações: J. A. Fonseca.
- Itaúna (MG), Junho/Julho/Setembro/2025.
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