O
perigo é invisível:
A
noite mais escura dos últimos séculos
Durante a tempestade Sandy que assolou o
leste dos Estados Unidos, uma catástrofe nuclear
devastadora quase ocorreu em meio ao
silêncio dos responsáveis e dos inocentes.
E o que devemos esperar da indústria
nuclear no futuro do Brasil?
Por Fábio Bettinassi*
De Araxá-MG
Para
Via
Fanzine
20/11/2012

Usina nuclear de Oyster
Creek, que ficou exposta ao furacão Sandy.
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Japão
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desastres
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Fukushima
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Catástrofes e
usinas nucleares
A chegada do furacão Sandy na costa leste dos EUA nesse mês
de novembro de 2012 matou dezenas de pessoas e causou prejuízos de
bilhões de dólares, levantando uma questão preocupante: quanto as usinas
nucleares podem suportar a fúria da natureza?
Logo após as diversas cidades americanas começarem a ser
castigadas pela tempestade, a usina nuclear de Oyster Creek localizada
na cidade de Ocean County, New Jersey, entrou em estado de alerta
máximo. Isso, porque as águas do rio adjacente invadiram o sistema de
refrigeração principal dos reatores nucleares, colocando em risco a
integridade da usina.
Sem a água circulante que refrigera o núcleo dos reatores,
eles superaquecem, causando uma explosão catastrófica, semelhante à que
rompeu o núcleo dos reatores de Fukushima no Japão, quando foram
afetados pela água do tsunami de 2011.
Perigo na Usina
Nuclear de Oyster Creek
Durante as rajadas de vento que atingiram 150km/hora,
torrentes de água invadiram as instalações da usina, colocando em risco
diversos equipamentos responsáveis pelo funcionamento e segurança do
complexo sistema atômico.
As bombas de refrigeração do núcleo dos reatores foram
afetadas, mas graças à competência da equipe de físicos e engenheiros da
usina, uma terrível desgraça foi evitada.
Os reatores e os sistemas de resfriamento usados em Oyster
Creek são os mesmos usados na usina japonesa de Fukushima, mas o que
evitou um potencial desastre foram as medidas de prevenção adotadas e as
constantes checagens e procedimentos aplicados em momentos de incidentes
naturais, coisa que os japoneses negligenciaram durante anos, pois
acreditavam que a usina de Fukushima, apesar de ter sido construída à
beira-mar, era invulnerável e praticamente indestrutível.
Embora diante de muitas advertências da comunidade
científica mundial, os cientistas japoneses e os administradores da
usina (da Companhia TEPCO) se deixaram levar pelo mesmo pensamento
ingênuo dos construtores do Titanic, ao acreditar “que nada poderia
corromper, nem mesmo por intervenção divina”.
O que os americanos não ficaram sabendo é que durante a
madrugada da inundação em New Jersey, a usina de Oyster Creek chegou
muito próxima de uma catástrofe nuclear. Quando as águas invadiram as
máquinas, alguns sistemas de proteção começaram a parar de funcionar,
aumentando a tensão entre os funcionários e gerando um tenso clima de
incerteza, muito parecido com o que pairou sobre as salas de comando
japonesas durante alguns minutos antes da tragédia de 2011.
A obsessão que os americanos possuem com a segurança de
suas instalações foi o que salvou a costa leste de um acidente nuclear
de proporções escandalosamente inéditas. Nos EUA, procedimentos de
segurança e contramedidas de correção de falhas são minuciosamente
planejados. São realizados exaustivos testes para detectar e contornar
as mínimas deficiências. Foi justamente essa extrema cautela que salvou
de um acidente, visto que as variáveis em jogo durante a inundação, não
eram nadas animadoras.
No coração de um
reator nuclear
Vale ressaltar que um reator nuclear não é como um forno de
microondas que possui uma tecla “liga-desliga”. Nos reatores, cujo
interior é repleto de varetas contendo milhares de pastilhas de urânio
ou plutônio, mesmo que você desligue os sistemas de geração de energia e
de resfriamento, o material radioativo continua a aquecer e emitir
energia ininterruptamente.
Assim, quando os técnicos puxam as imensas varetas
carregadas com combustível nuclear para fora do núcleo, através do topo
do reator, estas ficam submersas em uma piscina de contenção. Ali, um
líquido moderador de nêutrons e controlador da reação em cadeia, mantém
a energia nuclear aprisionada ao redor das varetas, evitando que ela
seja propagada na atmosfera. Entretanto, mesmo usando o líquido
moderador como isolante, o risco de propagação continua presente.
Tudo isso mostra que, em uma usina nuclear a equipe de
cientistas e seguranças em geral deve estar 24 horas em total estado de
alerta e pronta para agir a qualquer momento, para uma possível luta
contra um inimigo invisível e letal: a radioatividade.
As manobras estratégicas aplicadas pela equipe de Oyster
Creek em manter o reator ativo e contornar o problema da refrigeração,
foram fundamentais para manter a integridade dos habitantes em grande
parte da Costa Leste dos EUA, deixando intocadas metrópoles como Nova
York e Nova Jersey. Caso um acidente nuclear ocorresse naquela região
amplamente habitada, sua reação poderia transformar toda aquela vasta
região em um deserto inabitável por milhares de anos.
São em situações vividas no limiar, como esta, onde alguns
heróis que jamais se tornarão conhecidos, arriscam a própria vida. Isso
mostra a necessidade de possuir mão-de-obra especializada e
comprometida, com muito conhecimento da causa ou caso contrário,
desastres de grandes magnitudes seriam corriqueiros em ambientes onde se
manipula imensas máquinas e energias descomunais, então mantidas sob
controle humano.
Usina nuclear de Three Mile Island, palco do maior acidente nuclear
ocorrido nos Estados Unidos.
Three Mile Island:
uma aula à segurança
Um fator crucial para a obsessiva atenção dos americanos
para a segurança de suas usinas nucleares foi o acidente ocorrido na
usina norteamericana de Three Mile Island, em 28 de Março de 1979.
Então, um rompimento no sistema secundário promoveu o vazamento de
grande quantidade de material radioativo, do qual graves consequências
repercutem até os dias hoje.
Segundo os fatos divulgados pela mídia mundial, “o
acidente ocorrido em 28 de março de 1979, na usina nuclear de Three Mile
Island, no Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, foi causado por
falha do equipamento devido a falhas no sistema secundário não-nuclear e
erro operacional. Houve corte de custos que afetaram economicamente a
manutenção e uso de materiais inferiores. Mas, principalmente
apontaram-se erros humanos, com decisões e ações erradas tomadas por
pessoas despreparadas”.
E segue relatando o ocorrido, “O
acidente desencadeou-se pelos problemas mecânicos e elétricos que
ocasionaram a parada de uma bomba de água que alimentava o gerador de
vapor, que acionou certas bombas de emergência que tinham sido deixadas
fechadas. O núcleo do reator começou a se aquecer e a pressão aumentou.
Uma válvula abriu-se para reduzir a pressão que voltou ao normal. Mas a
válvula permaneceu aberta, ao contrário do que o indicador do painel de
controle assinalava. Então, a pressão continuou a cair e seguiu-se uma
perda de líquido refrigerante ou água radioativa: 1,5 milhão de litros
de água foram lançados no rio Susquehanna. Gases radioativos escaparam e
atingiram a atmosfera. Outros elementos radioativos atravessaram as
paredes e foram direto para as cidades e áreas agricultáveis”.
A triste surpresa viria quando foi aferida a intensidade
radioativa na área, “Um dia depois foi medida a
radioatividade em volta da usina e esta alcançava até 16 quilômetros com
intensidade de até 8 vezes maior que a letal. Apesar disso, o governador
do Estado da Pensilvânia iniciou a evacuação só dois dias depois do
acidente. O governador Dick Thornburgh aconselhou o chefe da NRC, Joseph
Hendrie, a iniciar a evacuação ‘pelas mulheres grávidas e crianças em
idade pré-escolar em um raio de 10 quilômetros ao redor das
instalações’. Em poucos dias, 140 mil pessoas haviam deixado a área
voluntariamente”.
Tanto em Fukushima quanto na usina nuclear soviética de
Chernobyl, que também explodiu em 26 de abril de 1986, os acidentes
foram causados pela parada repentina do sistema de refrigeração do
reator, que causou não só a destruição de cidades inteiras. Mas levou
para a sepultura, milhares de pessoas ligadas direta e indiretamente aos
processos de contenção do vazamento dos resíduos radioativos.
Brasil nuclear:
isso daria certo?
Estes são tristes exemplos que servem de alerta ao nosso
fracassado programa nuclear brasileiro, no qual a figura central são as
usinas de Angra dos Reis, cujos sistemas, além de serem complexos e
ultrapassados, foram comprados de segunda mão da Alemanha no final da
década de 1960 e estão anos a fio submetidos à corrosão, calor e pressão
extrema.
E o que piora a nossa situação, é saber que,
lamentavelmente, tal aparato “apocalíptico nacional” está sob a
responsabilidade de políticos despreparados e toda sorte de
‘especialistas’ nomeados para altos cargos, através de interesses
partidários, menosprezando, como sempre, profissionais técnicos e
engenheiros que deveriam assumir o comando dessa importante área.
No caso de vir a ocorrer um acidente em Angra, será
inevitável a contaminação de todo o litoral brasileiro, através das
águas. Um acidente de tal proporção ocasionaria a perda de muitas
cidades vizinhas, afetando vários outros Estados e, possivelmente,
ceifando incontáveis vidas humanas. Além disso, uma forte “sequela
nuclear” deverá perdurar em toda a região afetada, durante algumas
centenas de milhares de anos.
Com isso tudo acontecendo, fica um momento de reflexão: o
Brasil precisa da energia nuclear?
Recentemente vimos na grande mídia, alguns políticos
bravateando o desejo do governo em implantar 50 usinas nucleares em solo
brasileiro. É no mínimo muita pretensão, realizar tamanha obra em um
país que sequer consegue reformar seus aeroportos para a realização da
tão sonhada Copa do Mundo.

Esquema do reator BWR (Boiled
Water Reactor)
Arquitetura
nuclear de Oysteer Creek e Fukushima
A usina nuclear de Oyster Creek que completa 43 anos de
funcionamento foi a primeira a gerar energia elétrica nos Estados Unidos
e possui licença para operar até o ano de 2029. Lá, os reatores usados
são do tipo General Electric BWR (Boiled Water Reactor), o Reator de
Água Fervida.
Neste tipo de reator a água circulante dentro do sistema
nuclear, entra em contato diretamente com as barras de urânio altamente
aquecido, que a fervem ali mesmo, gerando imensa quantidade de vapor
pressurizado, que é direcionado para uma turbina que está diretamente
conectada ao gerador de energia elétrica. Nesta arquitetura, o vapor que
faz a turbina girar é altamente radioativo.
Reatores BWR são tradicionalmente alimentados com urânio ou
plutônio, mas por questões de economia, alguns deles (como é o caso do
reator japonês) foram convertidos para ser alimentados com um tipo ainda
mais perigoso e poluente de combustível: o
MOX, uma mistura de urânio e plutônio reciclado proveniente de
outros reatores nucleares.
No sistema de reatores do tipo PWR (Pressurized Water
Reactor) ou Reator de Água Pressurizada, a água em contato com as barras
de urânio no interior do reator não é fervida, ela é apenas levemente
aquecida e seu calor é transferido para uma espécie de caldeira selada
que fica fora do núcleo radioativo, o Steam Generator, ou Gerador de
Vapor. Neste, a água ferve, gerando o vapor que é descarregado na
turbina. Em poucas palavras, o sistema PWR é parecido com uma panela
que aquece a água em banho-maria, enquanto o BWR é como uma panela de
pressão, onde a água fica diretamente sobre o fogo. No PWR, o vapor que
entra em contato com a turbina possui baixos níveis de radioatividade,
não configurando um risco em potencial.

Esquema do gerador PWR (Pressurized Water Reactor).
Em termos práticos, a ultrapassada tecnologia BWR de água
fervida representa maior risco em comparação com o PWR, porque além de
possuir maior quantidade de peças mecânicas, eletrônicas e partes
móveis, coloca os elementos radioativos diretamente em contato com água
circulante, passível de vazamentos e infiltrações.
Outra vantagem do reator PWR é que a água em contato com as
barras de urânio serve também como moderadora de nêutrons e
refrigeradora do núcleo do reator. Este sistema além de ser mais
confiável possui menor risco de acidente. O seu núcleo contendo a água é
blindado logo após a finalização da construção do reator e, por isso,
esse sistema é usado em submarinos nucleares e navios de grande porte,
porque o risco de rompimento e vazamento é muito pequeno, mesmo que o
reator seja submetido a extremo estresse.
Neste tipo de reator, após o combustível nuclear atingir o
final de sua vida útil e parar de gerar energia, o reator é retirado por
inteiro e substituído por um novo, como se fosse uma máquina
descartável.
Reatores nucleares possuem um calcanhar de Aquiles: o
sistema de refrigeração do núcleo, geralmente feito por uma bomba
circulante que bombeia água refrigerada. Em geral, quando a bomba de
circulação para de funcionar, um sistema de back-up entra em operação.
Mas quando ambos os sistemas entram em colapso, o calor gerado no núcleo
do reator aumenta rapidamente, aumentando a pressão causada pelo excesso
de vapor. Se uma situação como essa não for contornada rapidamente, a
força dinâmica do vapor causa o colapso do núcleo e, por consequência,
uma explosão, lançando na atmosfera uma imensa quantidade de material
altamente tóxico e radioativo, gerando contaminações ambientais que
podem se propagar por muitos quilômetros e perdurar por milênios.
MOX: a
amplificação dos riscos
O risco aumenta muito quando a indústria nuclear, envolta
aos custos exorbitantes, começa a fazer planos para reduzir despesas e
reaproveitar mecanismos já desgastados pela ação do tempo. Alguns
fabricantes de componentes para reatores, como a empresa francesa
Cogema-Areva estão reciclando combustível nuclear, através do
reprocessamento do urânio e do plutônio retirado de antigos reatores,
criando o chamado MOX, cujo custo é bem inferior ao do material usado
originalmente.
O uso do MOX é considerado por diversos cientistas, como
uma tecnologia perigosa capaz de colocar em risco a vida no planeta,
pois ele chega a ter um teor de toxidade superior cerca de cinco milhões
de vezes ao do próprio urânio e plutônio. Além disso, o seu uso faz com
que os delicados mecanismos que operam dentro dos reatores, se desgastem
muito mais rápido do que com o uso dos combustíveis nucleares
tradicionais.
Dessa maneira, com a utilização do MOX, os reatores são
submetidos a um desgaste muitas vezes superior, aumentando
proporcionalmente as chances de graves acidentes e aumentando o
perímetro da área contaminada, em casos de vazamento.
Os problemas não ficam por aí, pois, tanto o MOX quanto
todos os outros produtos envolvidos nesta tecnologia, serão dos mais
graves problemas radioativos a serem enfrentados por nossos filhos e
netos, que ficarão aturdidos quando descobrirem bilhões de toneladas de
lixo tóxico legadas pelas nossas últimas gerações.
Crescimento da
indústria nuclear
Observando os números que envolvem o obscuro mercado da
energia nuclear em nosso planeta é certo que essas “tecnologias do
apocalipse” estão em franco crescimento. O aumento na demanda de consumo
do mundo moderno, aliado à escassez de recursos naturais esboça um
quadro negro para o futuro de nossa humanidade.
Assistimos ao homem cada vez mais se autodestruindo, apenas
para manter uma vida de consumo e opulência por uma determinada fração
de tempo da sua própria vida, demonstrando total inconsequência para a
segurança dos que virão depois.
Ainda que de maneira bastante perigosa, artificial e
desnecessária, tais riscos servem para se perpetuar no poder, sob uma
inescrupulosa classe de políticos, completamente subjugada aos
milionários interesses da mortífera indústria nuclear.
* Fabio Bettinassi é publicitário e escritor. É
especialista em marketing e planejamento estratégico. É co-editor do
portal UFOVIA.
-
Fotos: United States
Department of Energy e
Divulgação.
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Extras:
Fotos atuais de como ficou a cidade de Pypriat/Ucrânia
- destruída pela explosão do reator da usina de Chernobyl.
Vídeo sobre a explosão do núcleo do reator de Fukushima
– que condenou as cidades vizinhas por milhares de anos.
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