Projeto do Submarino Nuclear Brasileiro:
Ciência, tecnologia, cerceamento e
soberania nacional
A MB dominou o ciclo do combustível
nuclear e pôde dar início a
construção do reator nuclear que será
comportado no submarino.
Por
Fernanda Corrêa*
Em
Defesanet
06/07/2012

Marinha do Brasil está
prestes a iniciar a sua era nuclear.
Hoje, 6 de julho de 2012, realiza-se no Centro Tecnológico
da Marinha em São Paulo (CTMSP), a Aula Magna que marca o início do
Projeto do Submarino de Propulsão Nuclear Brasileiro. Presentes na
cerimônia, o Comandante da Marinha, Almirante-de-Esquadra Júlio Soares
de Moura Neto, o Diretor-Geral do Material da Marinha,
Almirante-de-Esquadra Arthur Pires Ramos, o Diretor do CTMSP,
Vice-Almirante Carlos Passos Bezerril, o Coordenador-Geral do PROSUB,
Almirante-de-Esquadra José Alberto Accioly Fragelli, do Vice-Presidente
Executivo da DCNS, Bernard Planchais, e demais autoridades.
O projeto do submarino nuclear brasileiro remonta a década
de 1970, durante a gestão de Ernesto Geisel (1974-1979). Coube ao
engenheiro nuclear, recém chegado do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, CC Othon Luiz Pinheiro da
Silva, em março de 1979, pôr em prática o projeto do submarino nuclear
brasileiro. Como primeira constatação das dificuldades para viabilizar o
projeto, a Marinha do Brasil (MB) chegou a conclusão de que, sem o
domínio do ciclo do combustível nuclear, não teria como dar o próximo
passo: construir o reator nuclear para propulsão naval.
Em um périplo de, aproximadamente, 20 anos, a MB dominou o
ciclo do combustível nuclear e pôde dar início a construção do reator
nuclear que será comportado no submarino.
Pergunta: por que o Brasil assinou um Acordo Militar com a
França, em 7 de setembro de 2009, para aquisição de submarinos
convencionais e nuclear condicionando a compra à transferência de
tecnologia estratégica?
Com a aquisição dos submarinos da classe Oberon, a MB
aprendeu com os ingleses a operar submarinos. Com a aquisição dos
submarinos alemãs modelo IKL, a MB aprendeu a construir submarinos. A
partir de então, a maior dificuldade da MB em dominar as etapas no
desenvolvimento de submarinos passou a ser a de projetá-los.
Há várias formas de obter tecnologia, seja por
desenvolvimento autônomo, importação de cérebros, cooperação tecnológica
internacional e transferência de tecnologia.
O Brasil optou por buscar parcerias tecnológicas que
estivessem, naquele momento, construindo submarinos convencionais e
nucleares. Seguindo um processo de eliminação, restou como opção a
Rússia e a França. Neste processo seletivo, a MB analisou as seguintes
considerações: capacidade para desenvolver tecnologia própria, emprego
de métodos e processos familiarizados com os empregados no Ocidente e de
mais fácil absorção pelos técnicos e engenheiros brasileiros, ter
fornecedor e ter comprador de material de defesa e, principalmente,
contratualmente, aceitar transferir tecnologia de projeto de submarinos
convencionais e nucleares. O fato de a França exporta submarinos
convencionais da classe scorpène para o Chile, a Malásia e a Índia e,
principalmente, aceitar as condições de transferência de tecnologia
exigidas pelo Brasil a tornou parceira ideal para a realização dos
objetivos políticos e militares brasileiros. E assim, neste contexto, a
França, desde 2010, está ensinando técnicos e engenheiros da MB e de
empresas brasileiras partícipes a projetar submarinos.
Em 16 de setembro de 2010, na cidade francesa de Lorient, a
estatal DCNS inaugurou a Escola de Projeto de Submarinos, construída,
especialmente, para cooperar com a MB na absorção de conhecimento
científico e tecnológico de projeto de submarinos. Nesta Escola, já
estão sendo formados grupos de engenheiros da MB e de empresas
brasileiras envolvidas que, retornando ao Brasil, serão responsáveis
pela disseminação do conhecimento científico e tecnológico absorvido.
Importante ressaltar o valor desta absorção e disseminação do
conhecimento na formação de uma comunidade científica altamente
qualificada e coesa. A título de comparação e exemplificação, graças a
uma comunidade científica semelhante, formada pela MB, no Centro
Experimental Aramar, ao longo da década de 1980, que, na década
seguinte, ao ser transferida a equipe e o conhecimento lá desenvolvidos,
as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) puderam absorver este
conhecimento e desenvolver e produzir combustível nuclear para os
reatores nucleares brasileiros.
O primeiro submarino convencional da classe scorpène já
está sendo construído nas instalações da DCNS, em Cherbourg, na França.
A expectativa é que, este primeiro submarino tenha sua construção
concluída no estaleiro de submarinos, em Itaguaí, município do Rio de
Janeiro, o qual também ainda está sendo construído por meio de um
consórcio entre a DCNS e a empresa privada brasileira Odebrecht.
O PROSUB é constituído por quatro submarinos convencionais
e um nuclear. A principal missão da DCNS é auxilia a MB a projetar o
casco resistente do futuro submarino de propulsão nuclear brasileiro, o
qual será construído no futuro estaleiro de submarinos, em Itaguaí.
Embora a MB esteja, tecnicamente, satisfeita com os seus submarinos
modelo IKL, esta força cedeu preferência no fechamento dos contratos com
os franceses em função do casco hidrodinâmico do projeto francês derivar
do submarino nuclear classe Rubis. Assim, além do modelo do casco do
submarino convencional francês se destacar pela relativa facilidade de
transição para o nuclear, todos os submarinos da classe Rubis em
operação da Marinha francesa empregam tecnologias que são utilizadas nos
submarinos nucleares franceses, como o sistema de combate SUBTICS,
sensores, armamentos, sistema de controle da plataforma etc, os quais
também terão seus conhecimentos absorvidos pelos cientistas, técnicos e
engenheiros brasileiros.
Como mencionado, exceto, o primeiro, os demais submarinos
serão construídos no Brasil. A expectativa é que o índice de
nacionalização seja elevado. O Ministério da Defesa (MD) abriu
concorrência para que empresas nacionais se candidatassem nos itens a
ser nacionalizados. Coube à DCNS avaliar e selecionar as empresas que se
candidataram e à MB coube acompanhar e supervisionar todo este processo
de seleção.
Se por um lado 2009 foi um ano generoso para o setor naval
do Programa Nuclear Brasileiro (PNB), para o setor de saúde que também
se beneficia deste Programa não foi. Por acomodação e falta de visão
estratégica, o Governo brasileiro sentiu o impacto e as consequências
que a dependência e o cerceamento tecnológico nuclear geraram para a
sociedade e para os cofres públicos. Neste ano, a empresa canadense MDS
Nordion que fornecia tecnécio para os institutos de pesquisas da CNEN,
sem aviso prévio e alegando problemas no reator, cortou o suprimento
deste radiofármacos. Semanalmente, o IPEN fornece geradores de tecnécio
para aproximadamente 300 clínicas e hospitais em todo o Brasil. Além dos
poucos países que fornecem este radiofármaco não atender a demanda
internacional, o seu preço aumentou em 200%. Como solução paliativa, o
Ministério da Saúde resolveu importar o tecnécio da Argentina, da África
do Sul e de Israel. Como solução definitiva, o Ministério da Saúde
decidiu envolver o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e, em comum
acordo, com a Argentina, puseram em prática o plano de construir um
reator de pesquisa chamado de multipropósito (RMB), um para cada país.
O arraste tecnológico advindo desta construção, além de
beneficiar a medicina nuclear, beneficiará outros setores, como o de
engenharia de alimentos, o de energia, a indústria e o setor naval. Sua
implantação permitirá agregar pesquisadores de diversas áreas,
possibilitando a criação de um núcleo de conhecimento capacitado,
integrado e coeso. Foi visando estes benefícios que a MB cedeu parte de
seu terreno, ao lado do Centro Experimental Aramar, em Iperó, interior
do estado de São Paulo, para que o MCT construísse o RMB. Este reator,
além de realizar testes de irradiação de materiais e combustíveis
nucleares, tem um caráter estratégico, pois, contribuirá na produção de
tecnécio-99, radiofármaco gerado por aceleradores de partículas feitos
de molibdênio, metal raro, ultra resistente, que suporta temperaturas
elevadas e resiste à corrosão. Como as reservas oficiais de molibdênio
são insignificantes, o Brasil é extremamente dependente da importação de
produtos gerados a partir deste metal para o suprimento de suas
necessidades. Dados de 2007, do Departamento Nacional de Produção
Mineral acusaram que as importações brasileiras de molibdênio
totalizaram cerca de 10.415 toneladas, o que significou um gasto de US$
301,64 milhões. Só a China possui três das seis maiores minas de
molibdênio do mundo e os EUA detêm as outras três das seis maiores minas
em operação. A produção de molibdênio na América Latina se concentra nas
minas chilenas e algumas poucas peruanas.
O RMB garantirá a autossuficiência e a independência
tecnológica na produção do molibdênio. Além destas questões, há
intrinsecamente neste processo uma questão de soberania nacional, a
medida que o casco resistente dos submarinos, em especial, os de origem
ocidental, são constituídos por uma liga metálica composta por níquel,
cobre e molibdênio (HY-80). O casco resistente dos modelos alemãs são
mais resistentes do que os dos franceses, a medida que os primeiros são
constituídos pela liga metálica HY-100. Isso permite que os submarinos
convencionais e nucleares possam mergulhar ainda mais fundo, cumprindo a
finalidade de não serem detectados por forças hostis sem comprometer o
casco resistente.
Há países, como o Japão, que restringem severamente a
exportação de aços que possam ser aplicados com fins militares. Um
boicote conjunto de fornecedores internacionais de aços estratégicos
significaria o estrangulamento de qualquer programa militar que
dependesse da importação destas ligas metálicas. Alguns especialistas
afirmam que o Brasil, nas décadas de 1980 e 1990, só assinou os
contratos para a aquisição de submarinos modelo IKL mediante o
comprometimento alemão em fornecer o molibdênio para a construção dos
cascos resistentes dos 4 submarinos convencionais que foram construídos
em território brasileiro. Se esta afirmação é verdadeira ou não, o fato
é que, a MB se beneficiará demasiadamente com a construção do RMB.
Independente de haver o comprometimento da França, neste novo Acordo
Militar, o fato é que, ao transferir a tecnologia de projeto, os
cientistas, técnicos e engenheiros brasileiros adaptarão os
conhecimentos absorvidos na Escola de Projeto, na França, nos submarinos
que serão construídos em território nacional. Isso permitirá, inclusive,
que os brasileiros possam escolher as ligas metálicas que melhor atendam
aos interesses estratégicos da empreitada, a medida que já existem
submarinos utilizando novos tipos de ligas metálicas, com menores custos
e com soldabilidade muito superior que os da série HY, permitindo assim,
uma redução de até 50% nos custos totais de construção das embarcações
navais. As ligas metálicas oriundas da família HSLA-80 são exemplo
disso. Nos EUA, por exemplo, já se utiliza este tipo de liga metálica na
construção de algumas classes de submarinos.
Percebe-se assim que, não foi a toa que a MB cedeu seu
terreno, ao lado de Aramar para que o MCT construísse o RMB, garantindo
benefícios científicos e tecnológicos na irradiação de material e
combustível nuclear para o reator de propulsão naval e burlando o cerco
tecnológico dos países que mantém a estrutura realista do sistema
internacional.
A conclusão que se pode chegar com este texto é que, graças
a sua participação no RMB, a MB tornará possível o sonho de projetar,
construir e operar o submarino nuclear brasileiro, reduzirá as
vulnerabilidades científicas e tecnológicas, contribuirá com a
consolidação das políticas de cooperação e integração na América do Sul
e fortalecerá a soberania do Estado nas águas jurisdicionais
brasileiras.
*
Fernanda Corrêa é historiadora, estrategista e pesquisadora do Instituto
de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
- Imagem: Divulgação.
* * *
Brasília:
Fórum Nacional de Defesa Marítima*
Hoje, a Plataforma Continental garante a
autossuficiência do Brasil,
fornecendo mais de 80 % da crescente
produção nacional de petróleo.
O Brasil tem 7.491 km de fronteira marítima. Em toda essa
extensão, existe a gigantesca Área Marítima Jurisdicional que é a soma
da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) com a Plataforma Continental. Juntas
representam uma área econômica brasileira de 4.451.766 km², que vem a
ser maior que a metade (52%) do território continental, de 8.511.965 km².
Consideram-se como ameaças desde atentados terroristas às
mais de 120 plataformas de petróleo e outras centenas futuras (na
Plataforma Continental) e chegam à ameaça maior, que é a invasão anfíbia
do país, devido ao crescente interesse pelas duas amazônias e,
futuramente, pelo aproveitamento do Nordeste com a estratégica futura
ligação norte-nordeste - LNN.
A segunda Amazônia acima refere-se à Área Marítima
Jurisdicional brasileira, a amazônia azul, que possui inúmeros tesouros
minerais, como o petróleo em processo de extinção, e representa uma
magnífica área de quase 4,5 milhões de km2. Com tudo isso, nos próximos
anos, os interesses marítimos crescerão, geometricamente, junta com as
ameaças.
Hoje, a Plataforma Continental garante a autossuficiência
do Brasil, fornecendo mais de 80 % da crescente produção nacional de
petróleo.
As defesas nesse Sistema Marítimo estarão baseadas no
comando & controle, e na ligação com enlace em redes e apoio mútuo das 3
forças, com o arsenal de caças, mísseis antiaéreos, antissatélites,
anti-navios e antimísseis, sensores terrestres, aéreos e orbitais.
Pensando nisso, o IQPC Brasil desenvolveu o "Fórum Nacional
de Defesa Marítima" que visa reunir militares das três forças armadas;
governo; acadêmicos e a indústria de defesa para o debate sobre as
principais questões a respeito da segurança de nossas fronteiras
marítimas e perspectivas futuras.
O evento acontecerá nos dias 30 e 31 de Julho em Brasília -
DF, caso tenha interesse em conhecer o conteúdo completo, por favor,
responda esta mensagem e um dos membros de minha equipe lhe enviará a
programação.
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Informações de Fernando Albacete/ Conference Manager /Defesa IQ - IQPC
International Quality & Productivity Center, via Defesanet (Brasil).
17/04/2012
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