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 Entrevista

Entrevista exclusiva com

Entrevista com César Mori Júnior

Técnico em informática, preservacionista e diretor da CFVV

Por Pepe Chaves*

Para Via Fanzine

13/05/2011

 

 

César Mori Júnior, um entusiasta das ferrovias no Brasil.

 

César Mori Júnior nasceu em 1960, na cidade Lavras, na região Centro-oeste de Minas Gerais. Filho de servidor ferroviário, ele se formou como técnico em informática e web designer, mas desde cedo se apaixonou pelo mundo dos trilhos e das locomotivas. Atualmente dirige o Circuito Ferroviário Vale Verde (CFVV), através do projeto “Expresso Vale Verde”, que visa fomentar o turismo em um trecho de linha férrea na região de Lavras. Nessa entrevista, ele nos conta como foi levado a se transformar num preservacionista das ferrovias nacionais e, entre outros assuntos, ele nos imprime também as suas considerações sobre o colapso a que passa o transporte coletivo pelos trilhos do Brasil.

 

Via Fanzine – Prezado César Mori, sendo natural de Lavras-MG, por onde passa uma ferrovia, quando e como o senhor passou a se interessar por esse universo dos trilhos, das marias-fumaça, locomotivas e trens de todos os estilos e modelos?

César Mori – Bem, eu sou filho de ferroviário, portanto, nasci às voltas com a ferrovia. Desde muito pequeno aprendi a gostar de trens, porque naquela época os trens eram o meio de transporte mais comum e acredito que já naquele tempo era uma paixão de todos os mineiros. Lembro ainda que fizemos uma viagem de trem para o Rio de Janeiro, que foi minha primeira viagem de trem e talvez, a mais longa! Fomos eu, meu pai, meu irmão e minha irmã, mamãe já havia falecido dois anos antes e, certamente, nos fez falta naquela viagem. Meus dois irmãos eram menores e como eu, ficaram maravilhados pelo que se podia ver de uma janela daquele trem... Isso se passou em 1972, eu tinha apenas 12 anos e, como criança do interior, pela primeira vez indo a uma grande cidade, eu fiquei maravilhado com a viagem e tudo que vivi durante aquelas várias horas dentro daquele trem. Dentro daquela cabine que era muito comum nos trens de antigamente. No interior das cabines havia quatro camas dispostas como beliche, lavatório, janela para apreciar a paisagem e que para nós, era como uma enorme tela de televisão. Esta viagem marcou minha vida, pelo barulho do trem, pela viagem que era como uma aventura rumo ao desconhecido, cheia de novidades, sem contar o doce balançar dos vagões deslizando por sobre os trilhos... Depois fomos conhecer o Pão de Açúcar, as praias, foi demais! Era muito comum também brincar caminhando pelos trilhos e, como toda criança gostava de colocar o ouvido junto um dos trilhos para ouvir se o trem estava por vir. Caminhávamos de Lavras até Ribeirão Vermelho pelos trilhos, para ir brincar dentro da maior rotunda da América Latina. Dentro da qual, ainda descansavam algumas locomotivas e vários vagões históricos que foram retirados de lá, o vagão imperial, o vagão dos Correios, o vagão funerário, entre outros interessantes itens ferroviários que marcaram a história da ferrovia.

 

VF – Quando era criança teve Ferrorama?

César Mori –  Não tive Ferrorama, mas meu pai construiu uma locomotiva réplica idêntica de uma locomotiva que existia na RFFSA em que ele teve a oportunidade de fazer manutenção. Ele fez toda a lataria, cortou exatamente igual a uma locomotiva de verdade, depois fez os truques, iguais a um de verdade. Fez os trilhos na proporção ao seu tamanho e ela foi motivo de fotos pelos seus amigos da RFFSA. Eu me orgulho de meu pai e da sua capacidade criativa, já que éramos pobres e ele não podia nos dar um Ferrorama... Então sua Locomotiva para nós foi melhor que vários presentes comprados, pois foi feita com amor e muito carinho.

 

VF – Atualmente, o senhor preside o Circuito Ferroviário Vale Verde (CFVV), através do projeto “Expresso Vale Verde”, em Lavras-MG. Por favor, nos fale um pouco dessas iniciativas e seus objetivos.

César Mori – Ocorreu quando eu voltei para o Brasil... Cheguei aqui e encontrei uma ferrovia completamente sucateada, esquecida, depredada. E isto me causou um impacto muito grande. Como já disse, sou filho de ferroviário e cresci entre os trilhos, entre os trens, uma inesquecível experiência que acredito me tornou o homem que sou. Ao passar do tempo, este impacto visual da destruição, do abandono e a perda de toda aquela magia, incomodava minha alma, pelas lembranças dos tempos de glória, de poder, que significava a ferrovia para quem a conheceu no passado. Não era possível de entender tudo aquilo que eu estava presenciando. Realmente inacreditável que aquela grande empresa estatal, símbolo do poder de uma nação que se ergueu pela ferrovia, estivesse assim, tão decadente e esquecida, como se fosse simplesmente um objeto estragado. A partir daí, depois deste choque visual, uma força se ergueu em meu âmago e me fez como do nada, descobrir em mim uma força interior capaz de sustentar uma luta pela preservação ferroviária e pela sua revitalização. E hoje estamos a um passo de conseguir nosso objetivo, que só foi possível pela cooperação mútua, determinação, busca incansável por conhecimento e sem dúvida alguma, do trabalho em conjunto de todos que lutam pelas ferrovias brasileiras. A eles, só tenho a agradecer, pois sozinho ninguém chega a nenhum lugar...

 

 'Com a chegada da ferrovia tudo se acelerou e a ferrovia

trouxe o progresso em locais antes de difícil acesso'

 

VF – Seus projetos costumam contar com o apoio de autoridades governamentais ou contam somente com o empenho da sociedade civil?

César Mori – Sempre digo que a proposta foi elaborada por mim, mas ela precisa da parceria de toda a sociedade, isto inclui todos de verdade.

 

VF – De modo geral, o que representou e o que representa hoje as ferrovias para o Brasil?

César Mori – As ferrovias vieram em um momento em que tudo neste país era levado no lombo de mulas ou pelos rios, em embarcações lentas... Com a chegada da ferrovia tudo se acelerou e a ferrovia trouxe o progresso em locais antes de difícil acesso. Eu digo que a ferrovia foi uma peça fundamental para ajudar a escrever a história deste nosso Brasil. Hoje ainda, não só aqui, mas no mundo todo, a ferrovia é o principal meio de transporte, como na Europa, Ásia e Estados Unidos. No Brasil isto está acontecendo agora, mas antes tarde que nunca. Acredito que ela renasceu para sempre e tomará seu lugar de mérito no transporte de carga e de passageiros no Brasil de amanhã.

 

VF – Como o senhor vê o processo da privatização das companhias ferroviárias, ocorrido no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?

César Mori – Não houve privatização das ferrovias no Brasil, mas um contrato de comodato, uma concessão de uso por um período. Isto foi ruim porque as empresas ganhadoras, elas abandonaram a ferrovia brasileira, simplesmente porque não interessava a elas o transporte de passageiros, ou cargas de baixo valor.  Então vimos aos poucos que muitos trechos de ferrovia foram abandonados a própria sorte e completamente pilhados pelos ladrões que viram então uma ótima oportunidade para vender os trilhos que eles mesmos cortavam a noite, às vezes, até durante o dia. Assim pudemos todos ver a decadência da ferrovia no Brasil a olhos nus... Para muitos de nós, preservacionistas, um momento de tristeza e reflexão tudo que temos encontrado pelo país afora. Então, tudo que se vê é fachada e a realidade é outra muito diferente do que passam para o povo brasileiro.

 

'O Brasileiro destrói sua história, destrói a sua memória de um passado de glórias,

de trabalho e, sobretudo, de muito amor pela nossa pátria'

 

VF – Salvo raras exceções, atualmente, os trens de passageiros praticamente foram extintos da maioria das localidades brasileiras. Atualmente, seus trilhos foram tomados apenas por veículos de transporte pesado...

César Mori – É o que estava dizendo, carga é bom, precisamos investir nos trens de carga porque o transporte rodoviário foi o responsável pelo aumento do custo Brasil, pelo menos um dos maiores. As empresas ganhadoras, muitas delas, não são empresas ferroviárias, são mineradoras. E como tais, não têm interesse no transporte de passageiros, muito menos têm feito direito a via permanente dos trechos que exploram. A primeira coisa que elas fizeram, foi extinguir os trens regionais de passageiros. Raras são as que mantêm um trem regional em funcionamento e condições adequadas em suas vias, o que possibilitaria um uso mais seguro. Normalmente as vias estão em péssimo estado.

 

VF – Temos visto, em diversas localidades brasileiras, especialmente, no interior do Estado de Minas Gerais, um fenômeno interessante. Com a desativação dos trens de passageiros, as pequenas estações municipais de dezenas de municípios acabaram por ficar desativadas, a ponto de, muitas delas, não mais receber manutenção e se comprometerem fisicamente. O sucateamento imobiliário, bem como de consideráveis trechos de vias desativas têm se tornado cada vez mais evidente em várias regiões do país. Por que existe tanto descaso?

César Mori – Falta de compromisso, falta de interesse em economizar com o dinheiro dos outros, no caso o público. Falta de vontade política e também falta de interesse do próprio povo. Falta educação para transformar o povo brasileiro em cidadãos de verdade, em patriotas, em homens e mulheres que amem seu País, que lutem para que seus filhos tenham algo melhor que eles... É um pouco disso, um pouco de mal caratismo, muita falta de respeito. A meu ver a pseudo “privatização”, trouxe uma perda inestimável à ferrovia nacional, com a perda de um patrimônio histórico de valor incalculável. O Brasileiro destrói sua história, destrói a sua memória de um passado de glórias, de trabalho e, sobretudo, de muito amor pela nossa pátria. Algumas pessoas ainda lutam contra o tempo, contra o descaso, o abandono, os ladrões, contra governos, para preservar o que sobrou das ferrovias. O que sobrou de um passado forte e pleno de realizações que, certamente, as mesmas que nos trouxeram aqui e agora.

 

VF – Por outro lado, também fruto do fenômeno dessa “privatização” e consequente desativação dos trens de passageiros, brotaram projetos regionais de trens turísticos, preservando trechos ferroviários que tiveram grande importância no passado. Em alguns casos, esses trechos passam a ser administrados pela iniciativa privada, com objetivo turístico e de preservação. Por favor, nos fale um pouco desse tipo de iniciativa e de sua aceitação perante o público.

César Mori – Os trens moram na alma do brasileiro. Como em qualquer lugar, o trem é bem visto, porque traz glamour, traz emoção, é romântico e, inexoravelmente prazeroso. E é exatamente por iniciativas de preservacionistas como eu, que isto acontece. Pessoas tomam para si esta luta e criam projetos para reativar ferrovias antes produtivas, mas que hoje, ora são ociosas e improdutivas, ora são subutilizadas. Estes projetos buscam não somente aproveitar as estações, linhas abandonadas ou ociosas, transformando-as em algo produtivo culturalmente ou utilizá-las na indústria do turismo. Porque sabemos muito bem que todo este patrimônio antigo tem valor cultural e pode, dentro de um projeto cultural, trazer benefícios para todas as comunidades que vivem às margens da ferrovia. Ou mesmo, às que já tiveram, mas hoje têm apenas ruínas ou estações abandonadas. Sem dúvida, aproveitá-las para as cidades em que elas se situam, é algo incalculável como um investimento para o futuro.

 

'Os bilhões de reais que utilizaríamos para este TAV poderiam

criar vários trens regionais de média velocidade no Brasil'

 

VF – O senhor acredita que em tempo futuro, as ferrovias voltem a ser usadas como um meio de transporte eficiente no Brasil?

César Mori – Não somente no Brasil, mas em todo o mundo uma vez que já estamos presenciando o ano internacional da ferrovia. É inevitável e ecologicamente correto. As ferrovias vieram para ficar em seu lugar de destaque.

 

VF – Como o senhor vê a criação da frente parlamentar das ferrovias no Congresso Federal e quais são os objetivos da mesma?

César Mori – Era algo reclamado faz tempos e precisamos agora utilizá-la com inteligência e cobrança. Buscar nesta frente o apoio que precisamos para fortalecer a ferrovia no Brasil. E, ainda acredito que os estados serão fortalecidos se em cada Assembleia for criada uma frente parlamentar das ferrovias. Nós, em Minas, estamos através do deputado Duílio de Castro, apresentando esta proposta na Assembleia Legislativa.

 

VF – Várias metrópoles do globo têm optado pelo TAV (Trem de Alta Velocidade) ou trem-bala, onde o mesmo tem sido aprovado como eficiente meio de transporte, a um custo razoavelmente baixo. O senhor acredita que o TVA poderia vir a ser uma solução no Brasil?

César Mori – Eu fico com a opinião que este investimento deveria ser repensado. Os bilhões de reais que utilizaríamos para este TAV poderiam criar vários trens regionais de média velocidade no Brasil. Isto seria muito mais inclusão social que um TAV que serviria apenas para Rio e São Paulo. Com os recursos liberados para este TAV poderíamos ter no Brasil vários trens de velocidades médias, como de 100 a 15 km por hora, beneficiando vários estados, que seriam interligados por estas ferrovias não super velozes, mas certamente mais rápidas que as atuais – as atuais têm velocidade média de 25 a 50 km/h.

 

'É preciso acabar com a mania que todo brasileiro

tem de ter medo da política e dos políticos'

 

VF – Se o senhor pudesse falar agora com a nossa Presidente, Dilma Rousseff, bem como todas as demais autoridades que podem intervir para reverter o sucateamento das rodovias brasileiras, o que o senhor diria a eles?

César Mori – Lutaria para convencê-la de que o Brasil agradeceria muito mais a ela, se ao invés de um Trem de bilhões, implantasse vários trens de média velocidade, desafogando a mobilidade urbana no País. Tirando vários ônibus das estradas, vários caminhões... Enfim! Acredito que seria esta minha maior vontade em passar para a mineira e Presidenta Dilma.

 

VF – Agradecemos pela entrevista pedimos para nos deixar suas considerações finais.

César Mori –

Bem, espero que mais pessoas venham se unir a nossa luta por um Brasil melhor e por muitas ferrovias. Espero que nas próximas eleições as pessoas votem pensando em seu futuro e não nos políticos... Porque o futuro espera por todos nós, nossos filhos e netos. Precisamos primeiro ter na política, pessoas comprometidas com suas comunidades e não com seu bolso ou familiares. É preciso acabar com a mania que todo brasileiro tem de ter medo da política e dos políticos. Afinal, eles são nossos empregados, deveriam trabalhar para nós e não para eles mesmos, ou interesses pessoais. E ainda quero dizer que faço a minha parte, sei que é uma luta árdua, mas ela com certeza me faz feliz, por que a gente sai de um trem, mas o trem jamais sai de nossas vidas.

  

* Pepe Chaves é editor do diário digital Via Fanzine e da Rede VF.

 

- Imagem: CFVV/Arquivo VF.

 

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