
Subserviência itaunense ante a arrogância do Pará
Por
Péricles Gomide Júnior
Crônicas e narrativas de Pancrácio
Fidelis
Publicada na Folha do Oeste, de 10/07/1955
Cá estou eu, de novo, para encher.
Andei um tanto refratário, porque o Piu andou metendo o pau
nos maiorais aqui da terra e caso houvesse reação a coisa podia sobrar
para a gente e, até eu provar que não era elefante... né?
Mas, como o nosso ilustre diretor voltou a ficar mansinho,
cá estamos nós. E, ademais, não seria razoável conservar-me na moita,
quando todos os itaunenses se irmanam para homenagear a Miss nossa. Não
seria justo que nós outros nos thalessantássemos.
Queiram, pois, as graciosas senhoritas Terezinha Coutinho,
Maria Lídia e Sônia Chaves receber a mais eloquente e elevada expressão
da minha admiração e de minha solidariedade.
Pois é. Mas voltemos ao enchimento, que é a minha
especialidade. Estava correndo os olhos por um jornal de Belo Horizonte,
quando deparei com esta notícia: “Em Pará de Minas um dos maiores
estádios do Estado, quiçá (quiçá mesmo) do país!” E nós, nada.
Ora, a velha e fraternal Pará de Minas já nos havia tomado
uma estrada que, vindo de Belo Horizonte, passaria pela porta da cozinha
lá de casa e ia até Divinópolis. Mas o Bené [N.E.: ex-governador
mineiro Benedito Valadares, natural de Pará de Minas] não deixou.
Puxou a estrada para o Pará e nos deixou no ora, veja.
E não é só isto. Quando o Ovídio de Abreu foi nomeado
presidente do Banco do Brasil, auxiliou todas as instituições
filantrópicas, humanitárias, esportivas, de lá, conforme publicação
recente, e nós de Itaúna ficam a sugar dedão da mão esquerda – porquanto
a direita se ocupava em “puxar”.
E ainda não é só. Um camarada me informou hoje, que o
prosseguimento da estrada Itaúna-Divinópolis está condicionado ao
calçamento da via Belo Horizonte-Pará de Minas!
E não é só, ainda. Quando Itaúna quis se emancipar, o velho
amigo Pará de Minas não topou a parada. Não quis permitir. Dr. Augusto e
major Senócrit tiveram até que brigar com os maiorais de lá, pelos
jornais.
E por ai afora existe infinidade de fatos que mostra como o
velho Pará sempre levou acentuada vantagem sobre nós, relegando-nos
sempre a plano secundário. E nós, elegendo Ovídio de Abreu e votando em
Benedito, bolas.
Isto, entretanto, não tem importância. São águas passadas e
o tempo, que tudo encobre, menos ruga de velha, passou sua inexorável
esponja sobre os fatos, transferindo-os para o Ovídio, digo, Olvido.
Numa sequência de meia dúzia de prefeitos que tivemos,
todos nos prometeram cadeia e água.
O Dr. Coutinho, de uma forma ou de outra, nos encaminhou a
água e parece que o Dr. Milton, desta vez, resolve, em definitivo, o
problema. O Sr. Victor, digam o que disserem, foi o único que
concretizou a promessa e nos deu cadeia nova.
Mas precisava ser um criminoso notável. No mínimo, um
assassino, um homicida. Ladrão de galinhas nós os temos às dúzias e
seria tremendamente desairoso inaugurar cadeia nova com o Zezinho do
Olegário que, aliás, já vinha fazendo boca doce, para estrear o
colchaõzinho de molas há muito tempo.
Pois muito bem. Estavam as coisas nesse pé, quando o Sr.
Divino José Santos dá um tirinho na cabeça do seu irmão, Sr. Serafim
Pereira, no povoado dos Paulas. O Sr. Serafim, recebendo a bala no
crânio, viu-se na contingência de morrer instantaneamente e foi o que
fez.
Num assomo de filantrópica iniciativa e louvável
empreendimento, o Sr. Divino vem se entregar à policia de Itaúna.
Todo mundo exultou. O Tião queria até soltar foguetes e o
Dr. Hélio preparou três discursos em exaltação aos foros patrióticos e
admiráveis do simpático fratricida. O nosso ilustre e digno prefeito
mandou o Bibiu correr e amarrar fitinha de inauguração na porta da
cadeia. Itaúna se engalanou para receber o seu dileto filho. Nossa terra
esteve, pois, em festa. E não era para menos. Precisávamos de um
homicida e a Providência nos mandava um fratricida! E não é qualquer
cidade que inaugura cadeia com fratricida, não!
Pois o moço chegou e se entregou à prisão. O Tião orelhou o
bichinho e coou atrás do Dr. Hélio:
- “Dr., prendi um cara que matou o irmãozinho!”.
- “Irmãozinho de quem?” – perguntou o Hélio com aquela sua
calma proverbial.
O Tião bateu na testa:
- “Esqueci de perguntar!” E voou para a Delegacia, desta
vez, com o Dr. Hélio atrás dele.
O Dr. Helio deu instruções imediatas para que fossem até
Paulas e trouxessem o “De cujus”.
- “Qual é decujus?”
– “De cujus é o defunto”
– “O nome do morto é Serafim”
– “Então vamos buscar o Serafim”.
E as autoridades constituídas seguiram para o povoado dos
Paulas. Decepcionante, desagradabilíssima surpresa os aguardava. As
autoridades paraminenses haviam chegado primeiro e levaram o “De cujus”.
Os itaunenses regressaram cabisbaixos, tristes e também
furiosos. Afinal de contas o defunto era nosso! Chegaram a Itaúna. Foram
à cadeia. Cadê o criminoso?
Pois haviam vindo novamente as autoridades paraminenses e,
num flagrante desrespeito às nossas instituições, às nossas autoridades
constituídas, à nossa índole pacifica, às nossas mais caras tradições –
desamarraram a fitinha do Bibiu e levaram o nosso criminoso também para
o Pará!
E agora nós botamos a boca no mundo. Folha do Oeste
reclama, nossas autoridades protestam.
É preciso mesmo que se ponha um paradeiro nas
arbitrariedades do Pará, uma vez que a estrada é nossa, o defunto é
nosso, o criminoso é nosso, o petróleo é nosso, pronto.
* * *

Ler crônicas
'Eu afirmo, sempre, que Itaúna é o
lugar mais divertido do mundo.
Asseguro, com a mais absoluta
sinceridade que me envaideço quando
declaro onde nasci e me orgulho,
infinitamente, desta terra'.
Péricles Gomide Júnior
|