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Pancrácio Fidélis

A Empresa Funerária

 

Por Péricles Gomide Júnior

Crônicas e narrativas de Pancrácio Fidelis

Publicada na Folha do Oeste, de 09/09/1951

 

Os historiadores deveriam procurar e registrar para a posteridade, a origem do primeiro automóvel que transitou pelas ruas de Itaúna.

 

O fordeco do Geia ainda é do meu tempo. Um carro, cuja buzina era absolutamente desnecessária. O barulho da lataria dele superava até o alto falante da jardineira do Tião. Depois houve o carro do Benevides, o caminhão do Dalmo da Dª Biscoita, o que ia nas fazendas circunvizinhas apanhar leite e trazia manteiga para a cidade. A “batedeira” dele vinha sacolejando pela estrada afora, assustando galinhas e aleijando cachorros, até transformar o leite em manteiga.

 

Houve, também, a furreca do Dui, que conhecia, intimamente, todos os postes de Itaúna, fazendo a mais desleal concorrência aos vira-latas esta terra. E tudo foi evoluindo, até os atuais rabos de peixe, dos maiorais e os “rabos de piaba”, do Dindico do Osório. Mas, a evolução atingiu o seu “clímax”, com a caminhonete de carregar defuntos, do Azurém Porto.

 

Na série de coisas divertidas que o pofo de minha terra arranja, esse veículo coupa o lugar de maior destaque, como a obra-prima, do gênero.

 

Porque, a empresa que explora os defuntos, sabia unir o útil ao necessário: carregava móveis e transportava “de cujus” nas horas vagas – biscate defuntal.

 

O Azurém, cônscio de sua responsabilidade de gerente da “Empresa Funerária Haja Defunto Ltda.”, recebia delicadamente os proprietários de defuntos frescos. O parente de um “de Cujus” se aproximava do Azurém Porto: - “Seu Azurenha, eu queria que o senhor mandasse buscar um defunto lá em casa, hoje”.

- “Para levar pra onde?”.

- “Para o cemitério, uai”.

- “E o defunto já morreu?”.

- “Já, sim senhor, morreu ontem”.

- “É o tal caso” – explode o Azurém – “já estou cansado de pedir para tratarem o carro com antecedência, pois a empresa só possui um único! Não, ninguém colabora. O carro fica aí parado, às vezes, uma semana inteira, não aparece um defunto! Depois surge uma porção de uma vez, bolas! O diabo é que queira manter uma empresa funerária nesta terra!”.

 

- “Sei” – concorda o freguês – “mas o senhor vai poder buscar o meu defunto hoje?”.

- “Não. Hoje não vai ser possível não, porque a caminhonete foi buscar umas cadeiras nos Garcias e só volta de noite...”.

- “Mas” – voltava freguês, com voz chorosa – “o que eu faço com o cadáver? Ele já foi encomendando...”.

- “É o tal caso outra vez” – esbravejava o Azurém – “Lembrar de encomendar o defunto para o Céu, todo mundo lembra, mas de encomendar a condução para o cemitério, ninguém se recorda! Bolas, outra vez!”.

 

Dois camaradas vieram do Morro dos Pintos, ou não sei de onde, tratar o enterro do genitor: - “O senhor é que é o dono do caminhão de carregar falecidos?”.

 

- “Às suas ordens”, - responde satisfeitíssimo o Azurém, esfregando as mãos, pois há muito não havia um transporte para lugar distante.

 

- “Nós queria fazer o enterro do velho, quanto é?”.

- “De que ele morreu?”.

- “Febre amarela”.

- “Bonita cor... Ele é gordo?”.

- “Mei lá, mei cá...”.

- “Mei lá, mei cá não resolve. Ele vai para o cemitério é inteiro, não é?”.

- “É, sim senhor. EM quanto fica?”.

- “Mandem o defunto, que nós combinamos”.

 

Nisto, chega o carro funerário, que havia ido fazer a entrega de uns engradados.

 

- “Vocês acham que o carro suporta seu pai?”.

- “É NISTO?!”.

- “É sim” – confirma o Azurém – “Mas nós vamos colocar uns balangandãs nele, amarrar umas fitas, uns penduricalhos, dependurar umas rosas...”.

 

Os rapazes se entreolharam e foram para um canto, confabular: - “Se nós botar o pai dentro disto, a mãe não vai gostar não... Pergunta o moço, se ele tem outro caminhão”.

 

- “Sô Azurenha, o Remundo acha que o pai não vai gostar disto não...”.

- “E onde seu pai iria arranjar condução melhor que esta, por quinhentos mil réis?”.

- “Quinhentos mil réis?! Virge! O pai vai é a pé mesmo!”.

- “Não senhores!” – assustou-se o Azurém, ante a idéia de perder o defunto – “A prefeitura não permite que cadáver nenhum vá a pé para o cemitério. Se vocês prometerem ficar fregueses, eu deixo por quatrocentos e noventa e cinco”.

 

Os rapazes confabularam novamente e decidiram: “Seu Azurenha, que hora o senhor pode ir buscar o pai?”.

- “Vocês o deixem bem embrulhadinho, que, logo que dispor de tempo, eu passo por lá e o apanho. Façam o favor de pagar no caixa”.

 

Infelizmente, a empresa desapareceu. Foi uma lástima. Agora, que os defuntos já se iam habituando e a gente já se desacostumara de carregá-los na cacunda...

 

 *  *  *

 

Ler crônicas

 

'Eu afirmo, sempre, que Itaúna é o lugar mais divertido do mundo.

Asseguro, com a mais absoluta sinceridade que me envaideço quando

declaro onde nasci e me orgulho, infinitamente, desta terra'.

Péricles Gomide Júnior

 

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