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Pancrácio Fidélis

Aeronauta intrépido

 

Por Péricles Gomide Júnior

Crônicas e narrativas de Pancrácio Fidelis

Publicada na Folha do Oeste, de 10/04/1954

 

A minha assiduidade, como colaborador desse jornal, há oito anos, foi quebrada uma única vez, em 1948, quando fora fazer minha estreia em viagens de “teco-teco”.

 

Numa manhã, daquele ano, o diretor do estabelecimento onde eu defendia meu pão cotidiano chamou-me a seu gabinete:

- O senhor terá que ir hoje a Catalão.

- Aonde?

- Catalão.

- Onde fica isso?

- No Estado de Goiás, procure no mapa.

- Sim, senhor. Vou embarcado?

Não, senhor, vai de avião.

- Não tenho muita simpatia por avião, não.

- O senhor irá num avião especial; num teco-teco!

- Te-teco-teco?, gaguejei –, prefiro ir embarcado.

- O senhor seguirá amanhã. O avião já foi fretado e está pronto para seguir. É só. Passe bem.

 

Sai o gabinete do diretor e fui correr os olhos no mapa, pendurado na parede. Custei a achar, mas achei. A cidade era tão distante, que sobrara do mapa e ficara na parede.

 

Às sete horas da manhã fui ao aeroporto do Progresso, no carro do Batista, irmão do Lara.

 

Ao meu encontro, veio um rapaz de blusão de couro:

- Você é que é o passageiro para Catalão?

- Sou, sim senhor.

- Já viajou de paulistinha?

- Não, senhor. Só de bicicleta.

- Não tem importância. O avião é este.

 

Não sei porque cargas d’água, o avião dele me fez lembrar o carro funerário do Azurém Porto.

 

É nisto que vamos?

- É, pode entrar.

- Venha cá – arrisquei eu – você tem certeza de que este troço sobe?

- Ora, bolas, retrucou ele, “sobe sim. Ademais já arranjei uma porção de gente, para ajudar empurrar!

- E não cai, não?

- Só caiu três vezes. Ficou um tanto avariado, mas eu mesmo o consertei. Ficou supimpa!

- Você estava dentro, quando ele caiu?

- Claro que não. Para o que tava dentro, houve missa hoje na Igreja São José. Pode subir – ordenou ele.

 

Olhei para o Batista, irmão do Lara, à procura de socorro e divisei nos olhos dele apenas uma infinita saudade antecipada, de mim.

 

- Vamos – ordenou o piloto – suba.

- Olhe, disse eu, absolutamente calmo – Não precisa afobar, não. Para que tanta pressa? Bobagem...

 

Espalhei o “Pelo Sinal” e o “Sinal da Cruz” disfarçadamente pela cara e subi. Subi tremendo, mas subi. E subi sozinho. Depois que me instalei, o piloto também subiu lá para cima, na frente. Virou-se para trás e sorriu para mim, para encorajar-me. Tentei retribuir o sorriso, mas, cadê jeito?

 

- Amarra essa corda aí na barriga – mandou o aviador – fecha os olhos e reza. Rezando, eu já estava, desde que descobrira que ia entrar naquilo.

 

Veio um garoto, girou a hélice e foi um barulho dos diabos. Tive a impressão de que o teco-teco ia se desmunhecar, tal a trepidação. Vieram mais umas cinco pessoas e começaram a empurrar o trambolho. E ele se pôs a andar.

 

- Okey? – perguntou o piloto.

- Okey – respondeu uma voz, lá de fora.

- Larga!

 

O avião começou a subir e eu danei a rezar.

 

- Detesto viajar com gente nervosa – berrou o piloto, bem alto, para eu poder ouvir – você parece calmo.

- E... E... Eu sou... Sou mesmo!

- Esta um barulho esquisito – berrou ele de novo – que diabo é isso?

- São meus dentes...

 

E era mesmo. Meu rôte se encolhera de susto e eu danei a bater queixo.

 

- Não está com medo, não?

- Não Estou apavorado!

 

Depois, tudo se acalmou e a viagem transcorria tranquilamente. Quando passávamos sobre uma cidade, porém, o aviãozinho pôs-se a dançar.

 

- Temos que voltar a Belo Horizonte – anunciou o aviador -, enguiçou um negócio aqui!

- Para! Quero descer. PARA! Quero voltar a pé!

- Para de berrar e não me afobe. Se for preciso, faço uma aterrissagem forçada!

 

Aí, começou a misturar todas as orações que havia aprendido desde a infância. “Padre Nosso que estais no céu, santificado seja o pão nosso década dia, assim na terra, na terra, na terra, na terra, cheia de graça, amém... Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, não cobiçais a mulher do próximo, confesso a Deus Padre, Todo Poderoso, estou no mato sem cachorro, Virgem Mãe dos anjos, ora pro nobis, com Deus me deito, não sei se levanto... Oh, Virgem Mãe, para que fui entrar nisso! São Pedro, São Mardoqueu, São Crispim, Santo Onofre, todos os santos da folhinha de Mariana, rogai por nós, agora, na hora de nossa morte, credo! Salve Rainha, outra vez, esqueci o resto, vida doçura, vida doçura, vida doçura, esqueci o resto outra vez, Deus me perdoe. Prometo uma vela, duas velas, meia dúzia de velas e uma lamparina. Bendito, louvado seja... Queremos Deus que é o nosso Rei...”.

 

Rezei tudo isto, de olhos fechados. O avião começou a subir e a descer, que nem iô-iô e eu quase engoli meu rôte por duas vezes. De repente, ele aterrissou. Havíamos chegado a Belo Horizonte!

 

Quando dei por mim, o piloto já estava do lado de fora, examinando o avião. Fiz um esforcei tremendo para sair e não consegui. Danei a berrar: - Estou com as pernas quebradas! Quero sair e não posso, Deus do Céu!

 

O piloto enfiou a cabeça lá na janelinha:

 

- Pare de gritar, caramba! Se quer sair daí, DESAMARRE O CINTO!

 

Sai de lá tranquilamente e, do alto de minha elevada estatura, olhei para todo o mundo em volta, com ares de imensa superioridade.

 

 *  *  *

 

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'Eu afirmo, sempre, que Itaúna é o lugar mais divertido do mundo.

Asseguro, com a mais absoluta sinceridade que me envaideço quando

declaro onde nasci e me orgulho, infinitamente, desta terra'.

Péricles Gomide Júnior

 

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