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Pancrácio Fidélis

A vingança do piloto

 

Por Péricles Gomide Júnior

Crônicas e narrativas de Pancrácio Fidelis

Publicada na Folha do Oeste, de 1º/04/1951

 

Não sei porque, sempre que se aproxima a Semana Santa, acontece alguma coisa divertida nesta nossa divertidíssima terra.

 

No ano passado, houve o caso da onça que cismou de acompanhar a Procissão do Encontro e deu aquele galho de que todo mundo se lembra. Agora, veio aquele avião de Lagoa Santa, assustar a gente quieta daqui.

 

Para falar com absoluta franqueza, eu me assustei também, pois ninguém me avisara de que o rapaz do time que lavou o River prometera vir arrancar as telhas da Prefeitura!

 

Sei apenas que estava batendo um papo com a Dª Estela lá na porta de casa, quando ela me chamou a atenção: “Olha um teco-teco perdido! Vou chamar o Jacó pra espiar!”. E me deixou falando sozinho.

 

Nisto, surgiu uma porção de gente correndo do largo, todo mundo olhando pra cima. Um rapaz, que até agora não consegui saber quem é, fincou um tropeção numa pedra lá perto da casa do Padre José e veio, de gatinhas, com as mãos no chão, até cá perto de minha porta, onde se espichou gostosamente. Levantou, também, com a mesma velocidade e despencou pela rua abaixo, sem olhar para trás.

 

Logo após, desceu Dª Maria da Inhá, desabaladamente: “Edméia!”, berrava ela, “Corra pra dentro, que tem um avião solto aí em cima!”. De todo lado começou a surgir gente, para assistir as evoluções. O avião ganhou altura e se despencou lá de cima, em vôo “piquet”, descendo vertiginosamente sobre a praça; O grupo que se formara no meio do largo se desfez num abrir e fechar de olhos e esparramou mulher para todo lado, pelo jardim, em baixo e em cima dos ciprestes.

 

E, defronte minha porta, desceu mulher de todo jeito: umas correndo e gritando, outras gritando e correndo: “Isto é comunismo!”. “É avião mesmo, quer apostar?”. “É o fim do mundo!”.

 

As mais corajosas pararam: “Aquele avião errou a rota!”. “Errou os capetas! Aquilo vem é em cima da gente e eu tou é caçando o rumo de casa!”.

 

Enquanto isso, o avião lá em cima continuava a fazer misérias. O grupo das corajosas aumentara consideravelmente. Lá estavam Dª Alba Campos, Dª Estela, Dª Eponina, Dª Biscoita, Dª Lucíola e também, Dª Maria do Inhá, que voltara desconfiadamente e Dª Hélida, gerente da Rádio Clube e mais uma porção de gente.

 

“Acho que o desgraçado foi embora”. “Eles falaram que vinham arrancar uma telha da Prefeitura”. “Não precisava de arrancar”, explicou Dª Lucíola, solenemente, “Se eles tivessem pedido ao Vítor [prefeito], o Vítor daria uma telha para eles, tenho certeza!”. “Mas, a Graça é arrancar!”. “GRAÇA?!! Pois eu acho que...”. LÁ VEM O DIABO DE NOVO!”. “Deita, gente!”. “Não deito!”. “Virgem Maria, coitado do moço que tá lá dentro!”. “Há uma lei que proíbe fazer acrobacias sobre cidade, não há?”, perguntou Dª Hélida. “Acho que há sim”, respondeu Dª Biscoita, “Mas eu vou chegando, pois já está na hora da janta”.

 

O aeroplano ligava e desligava os motores, numa barulhada infernal. Dª Dorvina, sogra do Piu, surgiu lá do outro lado da rua, branca como cera, trêmula e cansadíssima: “Oh, meu Deus!”. “A senhora quer um copo d’água?”. “Não, eu quero é desmaiar. Onde é que eu deito?”. “Vamos desmaiar lá em casa”, convidou Dª Eponina, gentilmente. “Não vai dar tempo”. E Dª Dorvina desmaiou mesmo!

 

A turma, lá perto da farmácia do Alfredo, delirava, apreciando as evoluções acrobáticas: “Esse aviador tá é doido”. "O danado não tem medo de morrer não". “Ele podia ir morrer bem longe daqui”. “Esse avião perdeu a rota”. “Perdeu o que?”. "O sargento falou que ele perdeu uma rota". “Então ele tá fulminado”, falou um entendido, “Se ele perdeu esse troço que o sargento falou, vai entornar a gasolina e o óleo todo...”. “Pode mandar celebrar missa para o aviador”. “A Clodomira já mandou celebrar”. Gente, vamos lá para perto da Prefeitura, para assistir ele arrancar a telha?”. “Minha tipografia é lá perto”, falou o Carmelo, “Se ele cair em cima dela, eu amasso a cara dele!”.

 

O avião foi até a igrejinha do Bonfim, tomou altura e veio fechado pela rua Silva Jardim. O professor Geraldo passou a mão no revólver e foi lá para o meio da rua xingar o piloto: “Se você é homem, desça aqui, palhaço!”. E o aviador se intimidou e não desceu.

 

O grupo de senhoras procurava, ainda, reanimar Dª Dorvina. O avião, nesse momento exato, resolveu exibir a famosa “folha seca”. Desapareceu entre as nuvens, apagou os motores e veio desgovernado lá de cima. Dª Estela avisou: “Vou lá em casa apanhar um binóculo, amanhã eu volto”. Dª Hélida convidou também à Dª Maria Beghini: “Vamos buscar binóculo também, mãe?”.

 

“Tá na hora de dar remédio ao Lique, gente. Té logo”. Dª Eponina avisou e voou para casa. Dª Dorvina se refez do ataque: “Onde é que estou? Onde é que estou?”. “A senhora desmaiou muito”, avisou Dª Alba, “Agora sou eu, chega pra lá”.

 

O avião não arrancou as telhas, como o piloto prometera. Quer dizer que, qualquer dia destes, ele voltará para cumprir a promessa. Para falar com sinceridade, prefiro estar em Belo Horizonte, quando o piloto voltar. O cara é fogo!

 

 *  *  *

 

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'Eu afirmo, sempre, que Itaúna é o lugar mais divertido do mundo.

Asseguro, com a mais absoluta sinceridade que me envaideço quando

declaro onde nasci e me orgulho, infinitamente, desta terra'.

Péricles Gomide Júnior

 

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