São Tomé das Letras:
Lugar onde o tempo poderia parar
Um dos atrativos dessa pequena cidade mineira de oito mil habitantes
é que se abriga ao seu redor mais de duas dezenas de belas cachoeiras,
além de paisagens únicas com suas grutas e cavernas profundas.
Muitos causos mineiros e casos ufológicos também são contados por lá.
Reportagem de Pepe Chaves*
De São Tomé das Letras-MG
Para
Via
Fanzine
11/06/2015

Detalhe
do interior
da Casa Pirâmide, onde a alvenaria foi assentada
sobre
a posição original das rochas que se encontravam no local.
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Um mundo zen e eclético
São Tomé das Letras é um pequeno município localizado no Sul de Minas
Gerais, próximo à divisa com o Estado de São Paulo. Minha terceira
visita ao lugar ocorreu em meados de abril de 2015, aproximadamente 15
anos após a segunda e pouco mais de 20 anos após a primeira visita. Após
esta última estadia, eu pude constatar que pouca coisa mudou por lá
nestas duas últimas décadas.
Desta vez, eu parti numa viagem solitária de motocicleta com início em
Belo Horizonte, percorrendo cerca de 1.100 quilômetros entre ida, vinda
e deslocamentos feitos naquela região. Em São Tomé das Letras, eu estive
hospedado na Pousada e Camping dos Xamãs, sob a administração do gentil
casal Nil e Gisele, onde há também lanchonete que comercializa produtos
típicos mineiros, entre eles, uma deliciosa cachaça com mel da região.
São Tomé das Letras se localiza a 1440 metros acima do nível do mar. A
comunidade foi edificada no alto de uma serra, sobre um largo depósito
mineral de quartzito do período neoproterozoico. Já por vários anos, a
exploração deste mineral poroso e de cor clara é a principal atividade
econômica do município. A rocha se tornou popularmente conhecida como
"Pedra de São Tomé" e por todo o país, tem larga utilização nas fachadas
de casas (cortadas em retângulos ou em formatos irregulares), além da
tradicional pavimentação de bordos de piscinas, entre outros acabamentos
de alvenaria.
Um dos atrativos dessa pequena cidade mineira de oito mil habitantes é
que se abriga ao seu redor mais de duas dezenas de belas cachoeiras,
além de algumas grutas e cavernas profundas. O ar místico que perfaz a
atmosfera do lugar atrai pessoas de todos os credos, formações, classes
sociais e localidades. A maioria de seus habitantes originais (chamados
por lá de “nativos”) parece estar acostumada com pessoas tão distintas -
que geralmente passam por ali em busca de paz e sossego -, criando uma
boa interatividade e fazendo com que os turistas sempre retornem.

Coreto na pacata Praça da Matriz em São Tomé das Letras.
E por mais que se visite São Tomé, sempre haverá ainda lugares a
conhecer naquela região, pois são infindáveis paragens, cursos d’agua,
cavernas e grutas ainda pouco exploradas, algumas em locais de
dificílimo acesso.
São Tomé das Letras deve ser um dos poucos lugares do mundo a reunir tão
distintas tribos urbanas e suburbanas. Ali se junta pessoas de todas as
ideologias e credos antagônicos, como, esotéricos, hippies, metaleiros,
beatniks, motoqueiros, jipeiros, iogues, wiccanos, punks, ufólogos,
religiosos, ateus, astrônomos, astrólogos, roqueiros, artistas,
escritores, artesãos, mochileiros, maluco belezas, aventureiros de todas
as estirpes e, dizem, até ETs...
A cidade que, de fato, possui um rico histórico de avistamentos
ufológicos, está localizada mais próxima à capital paulista que da
capital mineira. Por isso, a maioria de turistas é oriunda de cidades do
Estado de São Paulo. Na comunidade local, muitos paulistas já dominam os
principais comércios e investem no potencial do lugar, sempre
incrementando suas lojas e produtos.
Sob uma atmosfera rústica, mas também neobarroca, muitas lojas oferecem
souvenires numa variada gama de produtos. Com destaque para o artesanato
local, sobretudo, utilizando a pedra de São Tomé para a criação de uma
infinidade de objetos artísticos e decorativos. Criados com a pedra São
Tomé, nós vimos objetos distintos no comércio local, como cinzeiros,
pirâmides com luz, discos voadores, miniaturas de casas, porta incenso
etc.

Bares com música ao vivo agitam e prolongam a noite urbana do lugar.
Turismo e infraestrutura
Tanto no meio urbano quanto na periferia há várias pousadas e áreas de
camping oferecendo estadias com estruturas básicas para os turistas,
como banheiros, lavanderia, estacionamento e cozinha coletiva. Aliás,
este é o ponto positivo que vi na pouca mudança que notei na localidade:
o turista hoje é mais bem acolhido do que há 20 anos. Não somente
aumentou a quantidade de pousadas e áreas de campings, mas também a
qualidade dos seus serviços.
Nos feriados, milhares de turistas vindos de várias cidades brasileiras
aportam em São Tomé, invadindo suas ruas de pedras com calçamento
irregular, a bordo de veículos em tão variados modelos. Nestes feriados,
a grande concentração de pessoas (o que eleva consideravelmente a
população local por alguns dias) faz gerar um grande volume de lixo
pelas ruas e locais públicos de maior visitação na cidade.
Mas pude observar, reiteradamente, o serviço de limpeza da Prefeitura
retirando o lixo jogado por turistas em alguns locais públicos. Embora a
demanda por limpeza pública deixe a desejar, considerando que toda a
própria cidade é um cartão postal de si mesma, ela tem sido feita,
evitando o acúmulo de lixo urbano.
O céu da
cidade
é negro, pois recebe pouca luminosidade urbana e poluição suspensa no
ar, isso aliado à localização elevada do município proporcionam límpidas
visualizações noturnas, sobretudo, com o uso de instrumentos ópticos
para observação.
Quando a noite cai em São Tomé das Letras, magia e fascinação se fazem
presentes, sempre acompanhadas por músicas, comida e bebida de qualidade
em pontos espalhados. Bares e restaurantes oferecem ambientes
diferenciados para todos os gostos: alguns bastante reservados e
intimistas, enquanto outros são abertos e extrovertidos.
À noite, diversos restaurantes e pizzarias estão prontos para servir uma
comida que, em alguns aspectos, mistura a cozinha mineira com a
paulista, montando pratos de primeira linha, sempre acompanhados de bons
vinhos nacionais, chilenos e europeus. A maioria das pizzarias adota a
moda tradicional local, a “pizza na pedra”, onde a peça é assada em um
forno de barro, sobre uma grande e lisa pedra de São Tomé, superaquecida
por uma fornalha na sua parte inferior – técnica esta que dá à pizza uma
textura e um sabor único.
Muitos restaurantes também oferecem a comida tipicamente mineira,
inclusive, café da manhã, além de doces e bebidas regionais – estas
iguarias podem ser encontradas também em algumas pousadas e hotéis.
Geralmente, os preços de estadia e alimentação na cidade estão
compatíveis com os valores de mercado, mas por conta de fatores
diversos, estes variam bastante entre si, o que se torna mais uma opção
para o turista.
Especialmente nos feriados, todos os bares e restaurantes do centro estão
lotados. Muitos recintos oferecem música ao vivo, geralmente
apresentando covers de grandes nomes da música brasileira ou mundial, ou
músicos locais levando suas composições próprias. Em uma rústica
pizzaria também é possível comer uma pizza em mesa de pedra e ouvir
discos em vinis, ao gosto do cliente.

A cidade ainda guarda estabelecimentos comerciais com formatos das
antigas vendas mineiras.
Principais locais para visitação
Com belas linhas arquitetônicas, a Igreja Matriz [imagem abaixo] que foi
erguida em 1785 e apresenta estilo barroco, traz como destaque uma
belíssima pintura no teto em estilo rococó. A obra de arte é atribuída a
Joaquim José da Natividade, discípulo de Ataíde.
Na praça principal, a matriz católica se situa ao lado da gruta São
Tomé, onde há mais de 200 anos, um escravo teria encontrado a imagem
desse santo, dando nome ao lugar. Esta curiosa formação rochosa
semelhante a uma casa com alguns cômodos parece ter sido um luxuoso
abrigo para vidas humanas num passado distante. Ali se encontram, já bem
apagadas, as polêmicas "inscrições" avermelhadas (também chamadas de
“letras”). Alguns defendem que as “letras” se tratem de uma antiga
escrita desconhecida; enquanto geólogos acreditam ter sido uma espécie
de fungo que causou tal formação semelhante à inscrição.

Igreja Matriz traz pinturas de discípulo de Aleijadinho em seu interior.
O distrito de Sobradinho (distante 15 km da sede) é um dos locais de
maior visitação, onde existe uma cachoeira cortada por um túnel de
vários metros na pedra. Mais seis quilômetros adiante pode se encontrar
a esplendorosa Gruta da Bruxa, situada em um local ermo e de difícil
acesso. Para acessar a Gruta da Bruxa (situada a 26 km da sede) é
preciso deixar o veículo e caminhar por mais de quatro quilômetros serra
acima. Ao dobrar o alto da serra pode-se ver as duas entradas
(semelhantes a narinas) que levam a um imenso salão na rocha, por onde
passa no chão um fino veio de água límpida. Deste amplo ambiente pode se
partir para níveis inferiores no solo. Quando visitei este local (que
coloco entre um dos lugares mais incríveis que já estive)
na primeira vez que estive na cidade, eu estava desprovido de
equipamentos e sem lanterna reserva. Por isso, não pude adentrar os
outros níveis inferiores da caverna, e me detive somente no grande salão
em sua entrada. Gostaria de alertar que, a visita a este local é
recomendada somente com a presença de um guia turístico local e o uso de
equipamentos apropriados.

A Cachoeira de Paraíso é das mais aconchegantes: local raso com uma
praia natural de areia.
Mas o principal atrativo são mesmo as cachoeiras situadas a poucos
quilômetros da área urbana (distâncias que variam de quatro a 18
quilômetros). As cachoeiras recebem nomes sugestivos: Eubiose, Cachoeira
da Lua, Cachoeira do Flávio, Paraíso [imagem acima], Véu da Noiva,
Antares, Cachoeira das Borboletas, Xangrilá, Corredeira das Ninfas,
entre outras.
A gruta de Carimbado, uma das mais emblemáticas, atualmente encontra-se
fechada à visitação pública, mas na qual, em visita anterior, eu pude
adentrar vários metros por seus túneis claustrofóbicos e irregulares –
em alguns locais o caminho se torna bastante apertado. Dizem que esta
gruta é tão profunda que possuiria uma ligação subterrânea direta com a
cidade de Machu Pichu, no Peru. Graças a isso, a cidade foi tema de uma
minissérie chamada “Os filhos do sol”, produzida em 1991 pela extinta
Rede Manchete de Televisão. A gruta tem este nome por conta das
inscrições antigas que estão “carimbadas” na sua entrada - as mesmas
que, dizem, também estariam em uma caverna na região de Machu Pichu. As
informações locais são de que a gruta foi interditada pela Justiça, por
conta do grande número de visitantes, do perigo de adentrar e se
aprofundar na gruta e por causa da degradação causada por visitantes no
local.
Situada no ponto central mais alto, a chamada Casa da Pirâmide [imagem
abaixo] é um dos locais de maior visitação na região urbana. Trata-se do
principal mirante da cidade, próximo às torres de telecomunicações e do
atual Cruzeiro. De lá, pode se contemplar a chuva chegando ainda há
quilômetros de distância, ou a cidade desaparecendo rapidamente sob uma
intensa camada de neblina. Com seu telhado piramidal, este imóvel
tombado pela Prefeitura local e anexado a um parque municipal foi
construído em 1978. A construção sem argamassa foi feita sobre as bases
do antigo Cruzeiro aproveitando o formato natural das pedras de sua
base, o que lhe dá contornos inusitados. Seu interior sempre vazio
conduz a três pavimentos distintos e ali, geralmente se reúnem
violeiros, viajantes e pessoas que se interessam pelos causos e lendas
da região ou apenas quem deseja contemplar o vasto horizonte.

A Casa Pirâmide está situada em um dos mais altos pontos da região
central da cidade.
Amor a São Tomé das Letras
Durante quase uma semana de estadia, eu pude conversar com diversas
pessoas diretamente ligadas ao lugar e
em todas elas, constatei um carinho especial pela comunidade em que
vivem. Mátria de filhos de tantas plagas, São Tomé das Letras tem o
acolhimento por natureza. Conhecido apenas por Zá, este paulista de 48 anos, músico e compositor,
deixou o bairro classe média que vivia em São Paulo para viver em São
Tomé das Letras. O Zá é uma figura fácil de ver pelas ruas do lugar,
sempre acompanhado por um copo de cerveja nas mãos é bastante receptivo
a todos que se achegam para uma conversa.
Com um visual que mistura vestimentas de metaleiro com moto clube, Zá é
músico e gravou o seu primeiro cd em 2014, apresentando composições
próprias. O trabalho intitulado “Só de sentir o clima” traz 22 músicas
por sua autoria e interpretação. Ele me contou que está vivendo ali por
quase 20 anos. Por onde anda, ele sempre leva os cds e acaba vendendo
alguns para turistas ou nativos. Sua música é popular, com letras de
apelos existencialistas transmite bem o espírito do lugar: paz,
tranquilidade e um estilo próprio de vida. E, claro, como não poderia
deixar de ser, uma delas presta homenagem a São Tomé das Letras.
Ouvi também histórias diversas de gente atraída de alguma maneira ao
lugar e que acabou por traçar o seu destino por ali. Como o caso do
jovem paulista que foi passar férias, mas se apaixonou por uma nativa e
acabou mudando para São Tomé, constituindo família na cidade. É de se
presumir que este mesmo caso tenha se repetido com outras versões, em
diversas ocasiões e com distintos personagens.

Zá: o
músico que deixou a capital paulista para viver em São Tomé das Letras.
A lenda: origem do nome
Segundo uma lenda do final do século XVIII difundida na comunidade, “o
escravo João Antão, era muito maltratado por seus patrões e se apaixonou
pela filha do patrão, para não sofrer ou se engraçar com a moça e ser
morto pelos patrões, fugiu da fazenda Campo Alegre, da família
Junqueira, se refugiou em uma gruta. Lá passou algum tempo, se
alimentando de frutas, da caça e da pesca, fartos naquela segunda metade
do século XVIII”.
Mas sua rotina de refugiado seria quebrada por uma situação inusitada,
“Até que uma experiência incrível acometeu o escravo que ao acordar,
notou uma luz muito forte na gruta e um velho muito apessoado e de
vestes brancas apareceu diante dele, João Antão que, após ouvir sua
história, recebeu uma carta”.
“O senhor, que ao escravo parecia até um jesuíta, pediu ao escravo que
levasse o papel até o patrão e assim seria perdoado e ganharia a
liberdade. A ordem do velho foi acatada. Ao ler a carta, Junqueira ficou
impressionado com a boa caligrafia, redação e qualidade do papel,
fatores inusitados naquele tempo. Além de perdoar João Antão, o
fazendeiro organizou uma visita à gruta, na esperança de encontrar tal
velho. Chegando lá a única coisa que encontrou foi uma imagem em madeira
que acreditaram ser do apóstolo São Tomé”.
“O Capitão Junqueira imediatamente levou a imagem para sua casa, vendo
se tratar de um milagre. Porém a imagem sumiu e reapareceu na gruta e
assim, inúmeras vezes até que a esposa do mesmo, lhe pedisse que
construísse uma capela ao lado da gruta e lá depositasse esta para que
pudessem frequentar as orações devotas ao santo”.
“Durante a obra de construção da igreja, foram encontradas algumas
pinturas que segundo a crença da época, foi a prova cabal da visita do
santo ao local. Mais tarde vieram outras versões que envolvem os índios
Cataguases, primeiros habitantes da região e também passagens
ufológicas. Outros ainda, os geógrafos, insistem na tese de que são
infiltrações nas pedras que produziram as marcas”.

Visual do mirante próximo à Casa Pirâmide: horizonte a perder de vista.
Economia movida à pedra: nem tudo é paraíso
Embora conhecida por seus dotes turísticos, São Tomé das Letras é uma
cidade onde a exploração da pedra se tornou a sua base econômica,
gerando sua principal fonte de empregos e a venda desse produto a
diversas localidades brasileiras. Evidentemente, sua economia tem sido
também alavancada pelo turismo, mas a indústria da pedra ainda é - de
longe - a maior geradora de empregos na região.
No município, várias empresas exploram a extração das típicas pedras de
São Tomé, usadas para a decoração de pisos e fachadas na construção
civil e exportadas para quase todas as cidades brasileiras.
Uma queixa constante dos turistas e de parte da população local tem sido
contra a exploração desordenada e sem critérios das jazidas minerais ao
redor da cidade. Primeiramente por se tratar de mineração em céu aberto,
fato que pode comprometer a saúde pública, pois através de explosões
quase diárias das rochas são lançadas toneladas de poeira no ar. Além
disso, muitos dos locais para a extração de pedras tornaram-se
amontoados de cacos de rochas, abandonados por seus exploradores,
descaracterizando e poluindo as paisagens naturais.
Como chegar lá
O acesso a São Tomé das Letras se dá pela BR-381 (Fernão Dias), devendo
entrar na cidade de Três Corações, no sul do Estado de Minas Gerais. A
partir daí toma-se a via LMG-862, estrada asfaltada com 44
quilômetros até São Tomé das Letras. Há também uma boa opção para quem
segue do sentido Belo Horizonte/SP, deixando a BR-381 e seguindo pela
entrada para São Bento do Abade, cidade que pode ser acessada por trevo
na
Fernão Dias. Segundo o meu informante, este acesso pouparia mais de duas
dezenas de quilômetros que a passagem por Três Corações. No
entanto, eu ainda pretendo testar este caminho dentro de um futuro breve
e por ora não posso assegurar esta informação.
* Pepe Chaves é editor do diário digital
Via
Fanzine e da
ZINESFERA.
- Imagens: Pepe Chaves.
-
Agradecimentos especiais: Nil e Gi, Beto Belle, Zá, O Alquimista,
Camping dos Xamãs, Tatá, Eduardo (Santos-SP), Márcio (o andarilho) e
todos que nos prestaram apoio na cidade.
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