Atleta legendário:
Os 30 anos da morte
de Garrincha
No dia 20 de
janeiro de 1983, morria a Alegria do Povo, o Anjo das Pernas Tortas.*

Se
há um Deus que regula o futebol, esse Deus é, sobretudo, irônico e
farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos
de
zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um Deus
cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de
perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal
que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas.
O
pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível.
Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.
(Carlos Drummond de
Andrade).
Não houve mesmo outro Garrincha, mas já bem antes daquele
20 de janeiro de 1983, o dia da sua morte. Atormentado pela doença do
alcoolismo, longe dos gramados com que fazia as pessoas sonhar, vitimado
por tragédias pessoais que o fizeram perder dois filhos em acidentes de
carro, Garrincha já era há algum tempo uma sombra obscura do genial
ponta-direita que assombrara o mundo com seus dribles improváveis.
Muitos companheiros tentaram ajudá-lo, como o compadre
Nílton Santos, mas Garrincha vivia preso à sua doença. Um obstáculo que
não conseguia superar, muito mais complicado do que deixá-lo para trás
como fazia com sua arrancada espetacular com que também deixava os
marcadores impotentes.
Vivia internado na clínica Ênio Serra, em Laranjeiras, na
zona Sul do Rio de Janeiro, de onde saía para voltar logo em seguida.
Naquele 20 de janeiro, ficou para sempre, morto aos 50 anos incompletos,
com a vida destroçada.
Ainda de manhã, bem cedo, ao saber da notícia, um repórter
que vivera o desafio e ao mesmo tempo a paixão de fazer incontáveis
matérias sobre o ídolo maior está sozinho, caminhando em Ipanema, no Rio
de Janeiro, sem ter com quem dividir a dor. Até que se encontra com
Silva, um ex-jogador da Seleção Brasileira, companheiro de Garrincha na
Copa de 1966, e lhe dá a notícia.
Sem se conhecer, ficam os dois ali, parados, como se não
acreditassem naquele desfecho mais do que anunciado.
Garrincha estava morto.
Garrincha, o gênio
das pernas tortas, foi o dono do mundo
Na Copa do Mundo de 1958, em gramados suecos, o mundo já
assistira sem muito entender aquele jogador improvável, de dribles que
pareciam previsíveis, fazer os adversários, um a um, de tolos para
chegar à linha de fundo e consagrar Vavá com cruzamentos tão violentos
quanto precisos.
Era Garrincha, o gênio da ponta-direita, um jogador que
fazia por um lado do campo - e driblando sempre na mesma direção - o que
muitos outros tentavam de várias formas sem conseguir o mesmo brilho.
Como explicar a genialidade de um jogador que não se
cuidava fisicamente, não gostava de assistir a futebol, mas sim de
jogar, principalmente as peladas de pés descalços no campo de terra
batida com os companheiros do distrito de Pau Grande.
O Garrincha que, mesmo já campeão do mundo, continuava a
embarcar numa longa e cansativa viagem de trem desde Pau Grande até
General Severiano, no bairro do mesmo nome para treinar no seu Botafogo.
Simples, parecia não levar o futebol muito a sério, e desse jeito
costumava provocar o amigo e apaixonado rubro-negro, Malvino, lá na
cidadezinha onde moravam em toda véspera de um Botafogo x Flamengo.
- Malvino, amanhã é dia de eu brincar com o meu amigo
Jordan (este era o lateral-esquerdo do Flamengo encarregado de
marcá-lo).
À Copa do Mundo do Chile, chegou no auge da forma. Com ele
e Pelé no ataque, formado ainda por Didi, Vavá e Zagalo, seria difícil
impedir o bicampeonato do Brasil. Nosso time era cheio de craques e
muito superior aos adversários.
Só que Pelé ficou fora de combate logo no segundo jogo.
Parecia ser o que Garrincha esperava para assumir de vez a
responsabilidade, ser definitivamente o senhor da bola e dos caminhos
que levariam a Seleção Brasileira ao título.
Ele exagerou. Marcou gols de cabeça, que não era o seu
forte, marcou gol de falta, fez gol com a perna esquerda. Destruiu todos
os sistemas defensivos montados para anulá-lo e ainda foi expulso na
semifinal contra o Chile, outro fato estranho à sua carreira. Logo ele
que sofria marcação severa, às vezes na forma de pontapés, mas não
revidava nunca.
Por uma muito bem orquestrada manobra de bastidores, não
foi suspenso e entrou na final contra a Tchecoslováquia. Estava febril,
não desequilibrou como até então fizera, e sequer jogou bem.
Não precisava. Garrincha já era o dono da Copa do Mundo de
1962, o seu melhor jogador, aquele que fez o mundo se render ao futebol
de exceção do maior ponta-direita da história.

A
memorável Seleção Brasileira de 1958.
Garrincha e Pelé, os dois maiores gênios do futebol,
tiveram uma trajetória brilhante na Seleção Brasileira - jamais,
escalados juntos, perderam um jogo com a camisa do Brasil, no período de
18 de maio de 1958 a 12 de julho de 1966.
Foram 40 jogos, com 36 vitórias e quatro empates. Juntos,
marcaram 55 gols: Pelé, 44, e Garrincha, 11.
Garrincha e Pelé jogaram juntos pela primeira vez - e se
despediram - na Seleção Brasileira com duas vitórias sobre o mesmo
adversário: a Bulgária.
O primeiro jogo foi no dia 18 de maio de 1958, no Pacaembu,
em amistoso preparatório para a Copa do Mundo da Suécia. O Brasil venceu
por 3 a 1, com dois gols de Pelé e um de Pepe.

Garrincha e Pelé, juntos, jamais perderam pela Seleção.
BRASIL 3 x 1
BULGÁRIA
Data: 18 de maio de 1958.
Competição: Amistoso.
Local: Estádio do Pacaembu, em São Paulo (Brasil).
Público: não divulgado.
Árbitro: Esteban Marino (Uruguai).
Gols: 0:1 Todor Diev, aos 7; 1:1 Pelé, aos 48; 2:1 Pelé,
aos 60; 3:1 Pepe, aos 72.
BRASIL:
Gilmar (Corinthians-SP), De Sordi (São Paulo-SP), Mauro (São Paulo-SP),
Jadir (Flamengo-RJ) depois Orlando Peçanha (Vasco-RJ) e Nílton Santos
(Botafogo-RJ); Roberto Belangero (Corinthians-SP) e Moacir
(Flamengo-RJ); Garrincha (Botafogo-RJ), Mazzola (Palmeiras-SP) depois
Gino (São Paulo-SP), Pelé (Santos-SP) e Canhoteiro (São Paulo-SP) depois
Pepe (Santos-SP). Técnico: Vicente Ítalo Feola.
BULGÁRIA:
Dervenski, Kiril Rakarov, Ivan Milanov Dimitrov, Stefan Boskov e Manol
Manolov; Metodi Nesterov (Arsov) e Tudor Diev; Hristo Iliev (Ivan Petrov
Dimitrov), Panaiyot Panaiotov, Nikola Kovatchev e Kroum Ianev (Spiro
Debarski). Técnico: Stojan Ormandzhiev e Krum Milev
A despedida foi no dia 12 de julho de 1966, em jogo válido
pela Copa do Mundo da Inglaterra. Vitória de 2 a 0, gols de Pelé e
Garrincha.
BRASIL 2 x 0
BULGÁRIA
Data: 12 de julho de 1966.
Competição: Copa do Mundo.
Local: Goodison Park Stadion, em Liverpool (Inglaterra).
Público: 52.487
pagantes.
Árbitro: Kurt Tschencher (Alemanha Ocidental).
Gols: 1:0 Pelé, aos 15; 2:0 Garrincha, aos 63.
BRASIL:
Gilmar (Santos-SP), Djalma Santos (Palmeiras-SP), Bellini (São
Paulo-SP), Altair (Fluminense-RJ) e Paulo Henrique (Flamengo-RJ);
Denílson (Fluminense-RJ) e Lima (Santos-SP); Garrincha (Corinthians-SP),
Alcindo (Grêmio-RS), Pelé (Santos-SP) e Jairzinho (Botafogo-RJ).
Técnico: Vicente Ítalo Feola.
BULGÁRIA:
Gheorghe Naidenov, Alex Shalamanov, Dimitar Penev, Ivan Kutzov e Boris
Gaganelov; Dobromir Jetchev e Stoyan Kitov; Dinko Dermendjev, Gheorghe
Asparukhov, Dimitar Yakimov e Ivan Kolev. Técnico: Rudolf Vytlacil.
Garrincha só conheceu uma derrota jogando pela Seleção
Brasileira, na sua última partida, válida pela Copa do Mundo de 1966. No
dia 15 de julho de 1966, em Liverpool, a Hungria venceu o Brasil por 3 a
1, e Garrincha saiu definitivamente de cena com a camisa verde e
amarela.
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Informações e imagens da Assessoria CBF.
20/01/2013
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