Jota
Dangelo
Médico, professor, ator,
diretor e produtor teatral
Por
Pepe Chaves
De
Belo Horizonte-MG
Para
Via Fanzine
Jota
Dangelo
José Geraldo Dangelo
(Jota Dangelo) nasceu em São João del Rey-MG em 1932. Diretor, ator,
dramaturgo e gestor cultural. É reconhecido como renovador do teatro de
Belo Horizonte, sobretudo a partir do fim da década de 1950, quando
participou da fundação do Teatro Experimental. Durante a ditadura
militar, escreveu e dirigiu textos que fazem oposição a esse regime. Ao
mudar para a capital, ingressou no curso de medicina da Universidade de
Minas Gerais - UMG (atual Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG),
onde se formou. A partir de 1982, passou a ocupar cargos públicos em
órgãos ligados à cultura, em Belo Horizonte e no Estado de Minas Gerais.
Foi responsável pela revelação de vários atores e diretores do teatro e
tevê brasileira. Foi responsável por louváveis inovações nas produções
teatrais em Minas Gerais. Também se preocupou com a formação de
profissionais das artes cênicas e contribuiu para com a
profissionalização do teatro em Minas Gerais e no Brasil. Lançou em
março de 2010, o livro “Os anos heróicos do Teatro em Minas”. Com
prefácio do jornalista Marcelo Castilho Avelar, o livro aborda o período
de 1950 a 1990, contando a trajetória dos grupos de teatro que se
formaram e mantiveram acesa a chama das artes cênicas em Minas. Além de
contar a epopéia que foi a fundação do Teatro Universitário na década de
50, Jota Dangelo descreve, com detalhes, a trajetória dos grupos que
fundou e dirigiu, ou seja, o Teatro Experimental (1959-1973), O Grupo
(1974 – 1989) e a Casa de Cultura Oswaldo França Junior (1990-2000). A
obra se completa com 14 entrevistas feitas com os diretores dos grupos
de teatro existentes nos 40 anos abordados pelo livro, entre os quais,
João Ceschiatti, Paulo Cesar Bicalho, Eid Ribeiro, Haydée Bittencourt,
Carlos Xavier, Pedro Paulo Cava, João Etienne Filho, Ronaldo Brandão,
Ronaldo Bosch e Ítalo Mudado. Dangelo é também autor dos seguintes
livros: “Oh!Oh!Oh! Minas Gerais”; Livraria Itatiaia (com Jonas Bloch);
“O Humor do Show Medicina” (com Ângelo Machado); “São João Del-Rei”;
“Subsídios para a História do Carnaval de São João Del-Rei de 1950 a
2000”; “Belém do Pará”; “O Sol Nascente na Amazônia”; “O Vale do Rio
Doce” e “Doce Geologia”. Atualmente, Jota Dangelo é professor
universitário e presidente do BDMG Cultural – do Banco de
Desenvolvimento de Minas Gerais, instituição de capital misto, com
participação do governo mineiro.
Via Fanzine - A
partir de 1950, vindo de sua cidade, São João Del Rey, o senhor passou a
residir e trabalhar em Belo Horizonte. Como foi, naquela época, aos 18
anos chegar na capital mineira vindo de uma cidade interiorana?
Jota Dangelo
– Não foi muito fácil. Eu vinha de uma família de cinco irmãos, de
classe média remediada, sem muitas condições financeiras,
particularmente para a minha manutenção na capital de Minas. Foi um
período em que tive que estudar e trabalhar para completar a mesada que
meu pai e minhas irmãs me enviavam. Felizmente não tinha que pagar meus
estudos na Faculdade de Medicina da UFMG. Estas dificuldades não me
impediram de aproximar-me, de imediato, do universo intelectual da
cidade, junto com outros jovens que também estavam começando seus
estudos superiores. Naquele tempo éramos muito unidos, ainda que nossas
atividades e preferências não fossem as mesmas. Assim, havia quem estava
interessado em cinema, outros em dança, outros em literatura, outros em
teatro, como eu.
VF - E como se deu a
sua entrega às artes cênicas? O senhor já havia tido alguma experiência
teatral em São João Del Rey ou tudo se iniciou em Belo Horizonte?
JD – Eu vinha de São João Del-Rei, uma cidade do ciclo do
ouro, barroca, com a tradição ritualística do século XVIII,
particularmente em suas manifestações litúrgicas. A cidade é puro
teatro. Estudei no Colégio Santo Antônio, um educandário modelo,
dirigido pelos freis franciscanos holandeses, com orientação
humanista/europeia. No colégio tínhamos Grêmio Literário, Canto
Orfeônico, projeção de filmes toda terça-feira, e Grupo de Teatro, ao
qual eu pertencia. Quando cheguei em Belo Horizonte eu já estava
infetado pelo germe das artes cênicas...
VF – Já em Belo
Horizonte, como foram as primeiras produções e quem participou delas ao
seu lado?
JD – A década de 50 foi o período de criação do Teatro
Universitário da UFMG. Foi uma verdadeira epopeia. Depois de uma rápida
participação do Teatro Mineiro de Arte, por volta de 1951/52, sem grande
importância, Carlos Kroeber, João Marschener e eu decidimos criar o
Teatro Experimental, já que o Teatro Universitário estava ainda em
gestação. Isto ocorreu em 56, com o espetáculo “A voz humana”, do Jean
Cocteau, um monólogo interpretado por Amélia Carmem, com o nome
artístico de Magda Lenard. Logo depois, em 56 mesmo, Kroeber assumiu a
direção do Teatro Universitário e encenamos “Nossa cidade”, de Thorton
Wilder. O elenco era numeroso: Neusa Rocha, Terezinha Alves Pereira,
Ezequiel Neves, Theotônio Júnior, Letícia Mallard, Argemiro Ferreira,
Sílvio Castanheira, Domingos Muchon, Isabel Câmara, entre outros.
VF - Entre 1961 e
1964, o senhor fez especialização na área médica nos Estados Unidos e
frequentou o curso de drama da Universidade de Washington, quando teve
contato com a nova dramaturgia norte-americana. Quais foram as
influências incorporadas dessas experiências no seu trabalho?
JD – Aproveitei minha permanência nos Estados Unidos,
entre setembro de 62 a dezembro de 63, para conhecer melhor a
dramaturgia norte-americana e, certamente, sofri as influências deste
mergulho na literatura dramática daquele país. Foi importante conhecer
em profundidade autores como O’Neill, Arthur Miller e Tenessee Williams,
mas também Edward Albee que, naquele começo dos anos sessenta estava na
crista da onda com a peça “Who´s afraid of Virginia Wolff”. Também foi
fundamental conhecer de perto o trabalho desenvolvido pelo “Actor’s
Studio” na formação de atores e atrizes.
VF – Nomes hoje
consagrados na dramaturgia nacional, como, Jonas Bloch, José Mayer e
Carlos Kroeber se iniciaram sob sua direção. Como é para o senhor ver
hoje que diversos de seus pupilos se destacaram da melhor maneira
possível no cenário das artes cênicas brasileiras?
JD – Corrijo: não dirigi Jonas Bloch nem Carlos Kroeber.
Com estes trabalhei junto, fomos parceiros. Dirigi Mayer em “Futebol
alegria do povo”, uma peça que escrevi com Carlos Alberto Ratton. Mas é
com alegria que vejo como Jonas e Mayer consagraram suas carreiras no
cinema, tevê e teatro brasileiros, assim como Kroeber, já falecido,
também se destacou como ator e diretor no Rio e em São Paulo,
particularmente, na Cia. Tonia-Celi-Autran, de saudosa memória.
VF – Como ator, o
senhor atuou em algumas memoráveis peças de vanguarda, como “Fim de
Jogo”, de Beckett; “Halloween” de Ghederolde; “Numância” (Cervantes),
com direção de Amir Haddad; “O Interrogatório”, de Peter Weis; “Geração
em Revolta” (Look back in anger) de John Osborne, entre outras.
Como o senhor define o seu trabalho de ator e as quantas andam essa
função nesses últimos tempos?
JD – Sempre me achei um ator instintivo, mas não faltou,
no meu trabalho de intérprete um certo racionalismo, uma dissecação
intrínseca das características do personagem a ser interpretado. Sempre
acreditei, como acredito, em Stanislavski e no seu método para criar um
personagem. Não acertei sempre. A carreira de um ator não é fácil e às
vezes a gente não consegue atingir o alto nível que desejamos numa
interpretação. Mas tive muitas avaliações, de vários críticos do país,
elogiosas. Também não tive, como ator, tantas oportunidades. Por questão
de circunstância, no Teatro Experimental, no Grupo ou na Casa de Cultura
Oswaldo França Júnior, muitas vezes tive que abdicar da função de ator
para dirigir o espetáculo. Não tenho do que me queixar. Atualmente não
estou mais na ativa no teatro. Agora é tempo de ficar na platéia.
VF – Sua esposa,
Maria Amélia Dorneles (Mamélia Dorneles), também é atriz e já foi
dirigida pelo senhor. Como foi a experiência de dirigi-la?
JD – É engraçado que lá pelos idos de 59, quando ela
estreou “A cantora Careca”, do Ionesco, sob a direção de Carlos Kroeber,
eu tinha minhas dúvidas sobre o acerto do convite feito a ela por
Kroeber. Mas Mamélia revelou-se uma atriz de talento, e também diretora
brilhante e figurinista criativa. Nas vezes que a dirigi, ela já era uma
atriz experiente e competente. Foi uma parceira em toda a minha vida.
VF – Ainda na década
de 1960, o senhor dirigiu “Bolota Contra o Bruxo”, peça infantil, do
ator, dramaturgo e diretor Jonas Bloch, que passa a ser o seu principal
parceiro no TE até 1969. Com ele também se produziu “O Homem e Seu
Grito” e “Oh! Oh! Oh! Minas Gerais”. Como foi para o senhor a
experiência se trabalhar com Jonas Bloch?
JD
– Jonas e eu tínhamos muitas afinidades, inclusive
ideológicas, politicamente falando. Mas também sabíamos muito bem que
teatro queríamos fazer, no início de nossa parceria, e que teatro era
preciso fazer depois que a ditadura militar se estabeleceu no comando do
país. Foram cinco anos de um trabalho conjunto que rendeu bons frutos. E
um grande sucesso, como foi “Oh!OH!Oh! Minas Gerais”.
Em seu livro, Dangelo
resgata 40anos do teatro em Minas Gerais.
VF - Em 2003, quando
Aécio Neves chegou ao governo de Minas Gerais, o senhor assumiu
presidência do Instituto Cultural Banco de Desenvolvimento de Minas
Gerais - BDMG Cultural. Como o senhor analisa o fomento à cultura em
Minas Gerais durante as gestões de Aécio Neves?
JD – Das mais profícuas. Basta ver as iniciativas da
Secretaria de Estado da Cultura para além da Lei de Incentivo, que é da
gestão Eduardo Azeredo. Programas de incentivo como o Música Minas,
Filme Minas, Cena Minas e modificações importantes na Lei Estadual de
Incentivo à Cultura, a criação do Conselho Estadual do Patrimônio, do
Fundo Estadual de Cultura, da Superintendência de Artesanato, do Centro
Cultural Praça da Liberdade, do centro de Referência da Arte Popular,
foram todas iniciativas tomadas no governo Aécio Neves.
JD - Convidado em
várias oportunidades para trabalhar com teatro em grandes centros como
Rio de Janeiro e São Paulo, o senhor sempre optou pela carreira de
professor universitário. Por que nunca deixou Minas?
JD – O teatro sempre foi uma atividade paralela à minha
vocação profissional, a de ser professor de Morfologia na Faculdade de
Medicina da UFMG em tempo integral e dedicação exclusiva. Nunca tive
razões para mudar de rumo e abraçar a carreira de ator ou diretor em
outros centros do país. Estive bem em Minas. Minas está em mim.
VF – Como o senhor
vê a produção teatral brasileira atualmente?
JD – Há de tudo. E não só nos centros como Rio e São
Paulo. Aqui mesmo, em Belo Horizonte, temos atores, atrizes, diretores e
técnicos de qualidade. Talvez ainda nos falte um pouco mais de
dramaturgos, pois são poucos os que escrevem para teatro. Aqui, sinto,
de certa maneira, ausência em cena de grandes textos da dramaturgia
universal e uma predominância, talvez exagerada, de um teatro comercial,
mais preocupado em divertir a qualquer preço e sem muita significação
estética. Isto também ocorre em outros centros, mas no Rio e em São
Paulo, como a produção é muito maior, sempre há o que assistir, fora das
comédias digestivas. Já em Minas, não nos faltam, aqui, talentos e
competência para produzir um teatro de qualidade.
VF – No dia 08 de
março de 2010, o senhor lançou Palácio das Artes o seu livro “Os anos
heróicos do Teatro em Minas”, que aborda a trajetória de grupos do
teatro mineiro no período de 1950 a 1990. O senhor pode sintetizar um
pouco deste trabalho?
JD –
Minha intenção foi
resgatar a trajetória dos grupos de teatro que mantiveram acesa a chama
do teatro num período de 40 anos, de 1950 a 1990, quando não havia Leis
de incentivo à cultura, nem Secretaria de Cultura e muito menos
Ministério da Cultura, entidades que foram criadas na segunda metade da
década de 80. Há pouco registro gráfico deste período, pelo menos em
forma de livro.
VF – Nestas últimas
décadas, muitos alegam que o teatro perdeu bastante espaço para a tevê
e, com isso, o nível das produções decaiu. O senhor compartilha com este
pensamento?
JD – Pelo contrário: a telenovela, os especiais de
teleteatro aprimoraram o gosto do público, obrigando o teatro ao vivo a
ser mais competente. O que pode ter influído um pouco, forçando muitas
produções a serem mais modestas, particularmente no que diz respeito à
cenografia, foi o custo da produção que, a cada dia, encarece mais.
VF – Por outros
lados, temos visto surgir novas propostas e até modalidades teatrais.
Entre elas, o teatro de rua, a improvisação e até a mescla das artes
cênicas com recursos digitais high tech. Para o senhor, estas
novidades são benéficas ou maléficas para o teatro em si?
JD – Experimentações são sempre bem-vindas. Como toda
arte, o teatro precisa de inovações e novos avanços estéticos.
Entretanto, sempre é preciso lembrar que devaneios formais, e voos
criativos nem sempre resultam em produtos de qualidade. A novidade, em
si, não é sinônimo de qualidade.
VF – Em sua opinião,
o que deve ser feito para se formar novos espectadores de teatro, num
país cada vez mais descaracterizado culturalmente, ocasionando a cultura
de massa, quando “pensar” se tornou privilégio para poucos?
JD – Uma atividade só é popular quando muitos segmentos da
população a ela se dedicam. Veja o futebol, por exemplo: há times de
primeira de divisão, de segunda, terceira, quarta e quinta, torneios de
amadores, times de várzea, Dente-de-leite, Juvenil, pelada de veteranos,
de fim de semana, etc, etc. Sem contar as duas ou três páginas de todos
os jornais do país que só falam de futebol, os programas de tevê,
revistas especializadas e coisa e tal. O futebol tinha que ser mesmo
popular. Não acho que o teatro seja uma manifestação popular neste
sentido. E dificilmente ele será praticado por largos segmentos da
sociedade. Não é o teatro que vai aumentar o seu próprio público: é a
educação, entendida como um processo onde a par do conhecimento também
se amplie a sensibilidade dos cidadãos para a arte e a cultura. No
Brasil, isto deve levar uns 100 anos. Ou mais.
VF – Agradecemos
pela entrevista e pedimos para nos deixar suas considerações finais.
JD – Agradeço a oportunidade de falar alguma coisa sobre o
teatro, uma das minhas paixões, e espero que o que eu disse tenha pelo
menos despertado a curiosidade de alguém pelo teatro.
*
Pepe Chaves é editor do diário digital
Via Fanzine.
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Colaboraram: Samir Antunes (Ouro Preto-MG) e Pedro Paulo Cava (BH/MG).
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Fotos: Pedro Vilela/divulgação.
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- Produção: Pepe Chaves.
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