Chapada Diamantina:
Queda da Raposa, o destino final
Viagem de moto à Chapada Diamantina revela a beleza natural
numa
região cheia de pinturas rupestres, com direito a sombra e água fresca,
mas também, alguns tombos, sustos e derrapadas pelos caminhos.
Reportagem de Al Cruz*
Do
Povoado de
Raposa-BA
Para
Via
Fanzine
09/03/2017

Região da Queda da Raposa: pouca água mas vários poços excelentes para
banho.
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trilha dos diamantes (vídeo TV FANZINE)
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O vento forte açoitava o capacete causando a impressão de que a qualquer
momento ele sairia voando da cabeça. Assim teve início mais uma jornada
sobre duas rodas, partindo de Vitória da Conquista-BA rumo à região Sul
da belíssima Chapada Diamantina, no interior do Estado da Bahia.
O destino principal da viagem é a cachoeira Queda da Raposa, localizada
na fazenda Eco da Chapada, entre os municípios baianos de Ibicoara e
Iramaia, no sul da Chapada.
Para minha frustração, a cachoeira estava com pouquíssimo volume de água
em virtude da falta de chuva dos últimos meses. O melhor período para
visitá-la em sua total imponência é no mês de novembro, segundo me
informou o dono e guia da fazenda, Flávio Marçal. Apesar disso o local
oferece outros atrativos para quem gosta de praticar trilhas. No meu
caso, um prato cheio.
Até chegar ao Povoado da Raposa, partindo da cidade de Ibicoara, são
dezoito quilômetros de estrada de terra, subindo e descendo morros. Para
as motocicletas inapropriadas às estradas de terra (o que era o meu
caso) torna-se um desafio a mais, pois qualquer movimento errado o chão
virá na certa. Além de muita areia fina em certas partes, há também
pequenos e grandes pedregulhos pelo caminho que transformam o percurso
em uma verdadeira armadilha.

Um dos belos poços da região, numa estação com a água escassa.
Tombos e levantadas
Por mais cauteloso que tenha sido infelizmente não escapei de levar dois
tombos, um na subida de uma ladeira bastante íngreme quando estava
voltando para casa. O dia amanheceu garoando. As pedras estavam lisas
como quiabo. Ao tentar desviar de um buraco, o pneu dianteiro derrapou
em uma pedra.
O outro tombo foi na passagem de um trecho com muita areia que mais
parecia o deserto do Saara. Mesmo em segunda marcha a moto derrapou.
Felizmente, sem danos físicos ou nada que interferisse no prosseguimento
da viagem. Apenas uma pequena avaria no retrovisor direito. Chegando à
cidade consegui recuperar a posição original.
Na verdade foram três tombos, pois o primeiro ocorreu quando saí com
Flávio Marçal, montado na garupa de uma Tornado 250. A moto é venenosa
para vencer os terrenos acidentados. Subindo o morro para chegar à
Cachoeira da Raposa, numa acelerada mais forte a moto deu um salto fui
empurrado para trás e virei de costas no chão. Mas nada grave também.
Seguimos em frente.

Mais um poço, claramente esculpido pela força das águas através dos
tempos.
Povoado da Raposa – paredões e trilhas
Para quem preza pelo sossego, o Povoado da Raposa é um lugar onde se
pode dizer que a vida passa lentamente, sem mais preocupações. Apesar de
ainda não possuir uma infraestrutura ideal, com fácil acesso a
alimentos, medicamentos e educação. O povoado conta com poucas famílias
estabelecidas no local. Pessoas simples e humildes.
Logo ao chegar, na tarde de sábado, Flávio indicou um lugarzinho ali
perto, um pouco abaixo da fazenda, onde era possível se refrescar nas
águas que desciam pelas pedras. Um lugar interessante para passar o dia,
meditar, ouvindo o barulho suave da água escorrendo entre as pedras.
Do terreiro da casa os paredões da Chapada oferecem um visual
deslumbrante. Não fosse o fato de a Cachoeira da Raposa estar
praticamente vaporizando sua água no ar, vislumbrar aqueles paredões ao
longe é uma sensação compensadora, após o sacrifício para se chegar até
ali.
Na época das chuvas os paredões da Raposa formam uma extensa cortina de
cachoeiras. São duzentos e quarenta metros de queda livre, segundo
informou o Flávio. Em outras estações, dá para imaginar o espetáculo
proporcionado pelas águas. O Flávio me conduziu até a Queda da Raposa,
conforme havíamos combinado, no domingo pela manhã. Apesar da pouca
água, foi possível um banho na pequena cortina esfumaçada que caía lá do
alto.
Nos meses chuvosos o acesso ao local fica restrito, não dando para
chegar próximo à queda d’água, uma vez que para chegar até lá, somente é
possível passando por sobre as pedras ao longo do leito do rio.
Um fenômeno pouco comum na Chapada Diamantina é presenciar o
deslocamento de um enorme bloco de pedra com centenas de toneladas
caindo do topo até espatifar-se lá embaixo, na base da cachoeira. O
impacto mais parece o fenômeno explosivo de uma bomba atômica,
levantando um cogumelo de água.
Nos 12 anos em que mora na Raposa, o Flávio contou que teve a
oportunidade de perceber esse atípico acontecimento por duas vezes. De
fato deve ser fascinante e assustador presenciar tal movimento natural.

Grupo de turistas
(integrado pelo
autor deste artigo) que visitou a Queda da Raposa.
Animais silvestres e trilha ecológica
O local ainda preserva alguns resquícios de mata nativa, onde há relatos
de avistamentos de macacos da espécie Bugio. Há ainda rumores sobre a
aparição de uma onça que andava atacando o gado da região, inclusive um
caso em que ela decepou a cabeça de um jegue. De acordo com as
informações do guia Flávio, provavelmente os habitantes do lugar já
teriam dado cabo da onça, o que seria uma pena, visto que é um animal
ameaçado de extinção. Essa informação permanece na incerteza.
Com a esperança de ver a temida onça, partimos na segunda-feira rumo às
pinturas rupestres e o Poço da Vendinha. Formamos uma turma com outras
quatro pessoas que chegaram à fazenda no dia anterior. Uma trilha
puxada, sem grandes cachoeiras pelo caminho, mas com belas paisagens.
Nos quilômetros iniciais a trilha começa suave. Após cruzar um riacho, o
nível de dificuldade vai aumentando, transformando-se em uma trilha bem
estreita, onde só é possível passar uma pessoa de cada vez, em fila
indiana. Durante a caminhada, sempre dando umas paradas para descansar,
tirar fotos e repor a água perdida pelo suor e cansaço.
Até chegarmos à Vendinha, a caminhada é feita sobre as pedras no leito
do rio ao longo do cânion. O primeiro atrativo da região são algumas
pinturas rupestres estampadas na rocha calcária. Infelizmente, marcas de
depredação aparecem junto às pinturas, fazendo com que se estas tornem
quase imperceptíveis.

As extravagantes paragens da Raposa têm como uma das atrações um
belíssimo cânion.
Poço da Vendinha
Não tardou até chegarmos ao Poço da Vendinha, uma pequena queda de água
num poço com profundidade aproximada de 25 metros, de acordo com o guia
Flávio. Paramos para refrescar a garganta, comer alguma coisa e tomar um
delicioso banho, com direito a um salto de cima da pedra, com altitude
de 10 metros.
Flávio nos contou que certas pessoas apareciam naquele lugar em busca de
diamantes que estavam escondidos nos buracos formados pela água. Segundo
nos informou, nos tempos do Brasil Império, a princesa de Portugal se
banhou nas águas da Vendinha, durante visita à região.
Nossa diversão na Vendinha durou cerca de uma hora. Dali, nós retornamos
um pouco pelo mesmo caminho por onde havíamos chegado. Pegamos a trilha
mais difícil do percurso. Uma subida pelo meio do mato sob um sol
escaldante.
Com ajuda dos galhos do cerrado, fomos galgando aos poucos a subida
impiedosa, tomando as devidas precauções para não colocar a mão em algum
animal peçonhento.
Cobras cruzavam pelo nosso caminho. Mas, elas eram rápidas demais. Até
preparar a câmera para um registro, elas já haviam desaparecido no meio
do mato ou entre as pedras.

Detalhe de um rico painel de pinturas rupestres na Raposa, montado aqui
num mosaico de duas fotos.
Pinturas rupestres
Enfim chegamos ao alto. O esforço foi compensado por um paredão de
setenta metros de comprimento, repleto de interessantes pinturas
rupestres. Algumas são tão nítidas que aparentam terem sido pintadas
recentemente.
Difícil acreditar que tais pinturas tenham ficado intactas naquele local
durante milhares de anos, datadas por volta dos cinco mil a trinta e
cinco mil anos antes de Cristo. A cobertura natural formada pelas rochas
talvez tenha contribuído para a preservação daquele museu a céu aberto.
Fotografei o máximo que pude das pinturas. Algumas das imagens são
impressionantes. Muitas têm relação com a caça e os animais que outrora
habitaram a região. Outras, talvez, parecem representar o sol,
asteroides ou cometas. E para alguns, outras pinturas rupestres podem
sugerir até mesmo discos voadores ou objetos luminosos que no passado
podem ter assombrado os céus da região.

Pintura rupestre mostra um provável animal da região em um passado
distante.

Esta sugestiva pintura rupestre, estrategicamente posicionada, pode
sugerir um disco voador ou um astro celeste.

Pintura mostra algo que pode ser um cometa ou meteoro; abaixo o que pode
ser uma espécie de "calendário".

Prováveis répteis e um
sapo retratados são retratados em pintura dos antigos homens da Raposa.
Daquele ponto até retornarmos ao povoado não havia mais atrativos pelo
caminho. Só uma extensa caminhada pelo meio do morro. Em certos pontos
do caminho foi possível verificar as pegadas de uma raposa impressas na
areia. Ela deveria ter passado por ali na noite anterior, período que
aproveita para caçar suas presas.

O autor deste artigo em meio à paisagem de paredões do Povoado da
Raposa.
Vinho gelado para saciar a sede e “go home”
Sentir o sabor de um delicioso vinho gelado, após percorrer quilômetros
de trilhas, era como sentir o néctar dos deuses descendo pela garganta.
Era o hidratante necessário para encerrar o período de aventuras naquele
dia caloroso que já caminhava para o final. O restante foi apenas para
descanso.
A terça-feira amanheceu com uma camada de nuvens cobrindo a Serra do
Sincorá, acompanhada por uma fina garoa. O desafio para subir os morros
aumentava consideravelmente, uma vez que as pedras se tornam bastante
escorregadias. Mas era preciso encarar a jornada de volta. Por outro
lado era bom porque aplainava um pouco as partes com muita areia.
À medida que a manhã avançava, a temperatura subia gradualmente. Apesar
de não ter conseguido segurar a moto nos trechos difíceis, a volta para
casa foi tranquila, levando na bagagem novos momentos de aventuras sobre
duas rodas.
E na memória ficaram as paisagens paradisíacas que pude ver em tantos
lugares daquela região, as quais só os bons apreciadores da natureza
conseguem enxergar e desfrutar de seu inteiro valor.
* Al Cruz é articulista e colaborador do diário digital
Via
Fanzine e da
ZINESFERA.
- Imagens: Al Cruz.
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