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Especial - Caso Komarov
 

 

A trágica morte do cosmonauta Vladimir Komarov:

Nada na Terra se passa em vão

Naquela altura, passados 10 anos de sucesso, desde o lançamento do primeiro satélite artificial terrestre pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), já estávamos habituados a uma alegre sensação de triunfo.

 

Por Natália Dyakonova*

De Moscou/Rússia

Para Via Fanzine

11/06/2013

  

O cosmonauta Vladimir M. Komarov, URSS (1927-1967).

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Os anos 60 do século passado foram uma década brilhante na história da humanidade, marcada por inúmeras vitórias na exploração espacial. Mas a série de vitórias foi também nublada, tanto pelas derrotas, como pelos episódios verdadeiramente trágicos. A primeira e, portanto, particularmente impressionante tragédia chegou a ser para nós, o então povo soviético, a morte do cosmonauta Vladimir Komarov, ocorrida em 24 de abril de 1967.

 

Naquela altura, passados 10 anos de sucesso, desde o lançamento do primeiro satélite artificial terrestre pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), já estávamos habituados a uma alegre sensação de triunfo. Era como se, ao toque de algo desconhecido; o espaço começou a nos parecer tão perto. Todas as crianças sonhavam serem cosmonautas e nas canções, cantava-se de como “as macieiras em Marte iriam florescer”. Todos experimentavam uma emoção feliz ao ouvir a voz profunda e inconfundível de Yuri Levitan, o melhor locutor do país, que dizia solenemente, “Moscou falando. Estão trabalhando todas as estações de rádio da União Soviética...”, informando em seguida sobre a nova conquista da ciência e tecnologia soviéticas no espaço. O primeiro satélite; as primeiras estações espaciais; as primeiras fotos do lado “escuro” da Lua; o primeiro voo do homem e da primeira mulher no espaço; o primeiro voo em grupo; a primeira saída do homem em uma caminhada espacial... Os cosmonautas que regressavam das missões espaciais eram recebidos pela nação inteira, especialmente, com muito festejo. E parecia que sempre seria assim.

 

Recepção de Yuri Gagarin em Moscou, 14 de abril de 1961.

 

Em abril de 1967, todos já estavam com saudades dos ‘presentes cósmicos’, porque a partir de 18 de março de 1965 não tivemos nenhum voo espacial pilotado, enquanto os norte-americanos estavam lançando ativamente as naves do seu Projeto “Gemini”. Mas, entre o povo soviético havia rumores de que, provavelmente, os nossos cientistas estariam preparando uma grande surpresa. E logo - finalmente! - todos estão ouvindo e lendo a mensagem informando que em 23 de abril de 1967 foi lançada ao espaço a “Soyuz-1”, uma nave espacial completamente nova, tendo a bordo o cosmonauta e engenheiro-coronel Vladimir Komarov. Esta seria a surpresa!

 

Notícia no jornal "Pravda" sobre o lançamento da "Soyuz-1".

 

 

Todos nós já conhecíamos bem Vladimir Komarov. Em outubro de 1964, ele foi o comandante do “Voskhod-1”, no qual foi feito o primeiro voo da tripulação com três pessoas, sendo também o primeiro voo sem trajes espaciais.

 

Tripulação do "Voskhod-1": Konstantin Feoktistov, Vladimir Komarov, Boris Yegórov.

 

Vladimir Komarov (o primeiro à direita, na segunda fila) com os seus companheiros cosmonautas.

 

Mas, o dia 24 de abril de 1967 tornou-se um choque para todos.

 

A mensagem da agência de notícias TASS, publicada em todos os jornais colocava sobre o teor do ocorrido:

 

Em 23 de abril de 1967, na União Soviética foi colocada na órbita da Terra, tendo como objetivo um voo de teste, a nova nave espacial ‘Soyuz-1’, pilotada pelo piloto e cosmonauta, Herói da União Soviética [título honorário, grau de distinção mais alto na URSS, outorgado pelos méritos ante o Estado, relativos à realização de uma façanha heróica], engenheiro-coronel Vladimir Mikháilovitch Komarov. Durante o voo de teste, que durou mais de vinte e quatro horas, Komarov implementou plenamente o programa planejado para o acabamento dos sistemas da nova nave, como também realizou os experimentos científicos planejados. Durante o voo, o piloto e cosmonauta Komarov realizava as manobras da nave, desenvolvendo os testes de seus sistemas básicos em modos diferentes, fornecendo uma avaliação qualificada das características técnicas da nova nave espacial. Em 24 de abril, quando o programa de testes acabou, ele foi convidado para finalizar o voo e fazer a aterragem. Após a realização de todas as operações relativas à transição para o modo de aterragem, a nave passou com sucesso o setor mais difícil e importante de inibição nas camadas densas da atmosfera e apagou totalmente a primeira velocidade cósmica. Contudo, de acordo com dados preliminares, ao se abrir a cúpula principal do paraquedas à uma altitude de sete quilômetros, houve um enrolamento dos cabos do paraquedas, quando a nave espacial descia em alta velocidade, causando a morte de Komarov. A morte prematura do destacado cosmonauta, engenheiro e piloto de testes das naves espaciais Vladimir Mikháilovitch Komarov, é uma grande perda para todo o povo soviético”.

 

Sim, foi uma pesada perda pessoal para todos e a sensação era de que tivesse morrido uma pessoa próxima, nosso achegado. Todos estavam chorando - mulheres, homens e crianças. Eu era então uma aluna da escola e naquele dia foram interrompidas as nossas aulas; no meu diário, a entrada do dia 24 de abril de 1967 é contornada com um quadro de luto e as palavras nessas páginas expressam um choque profundo.

  

Por que ocorreu essa tragédia?

 

Em qualquer grande empresa, desempenha um papel enorme o fator subjetivo. Também ocorre por aqui. Em janeiro de 1966, morreu subitamente o Projetista Geral Serguei Korolyov, ainda na mesa de operação. Seu vice, Vasili Míshin, assumiu o cargo.

 

Durante a vida de Serguei Korolyov, tínhamos ultrapassado os Estados Unidos em todos os voos de veículos espaciais. Serguei Pávlovitch Korolyov desenvolveu e testou na prática o algoritmo dos voos espaciais até o ponto da sua aterragem aos planetas do sistema solar. Inclusive, este algoritmo é utilizado quase um a um por todos os países envolvidos na exploração do espaço até agora. Serguei Korolyov era um projetista brilhante, líder resistente e exigente, que sabia a fundo o seu ofício, entrava em todos os detalhes e defendia firmemente a sua posição.

 

Serguei Korolyov.

 

O desempenho de Vasili Míshin nesse cargo é avaliado negativamente pelos veteranos da indústria espacial. Ele foi submetido a duras críticas em diários pessoais de Nikolai Kamánin, assistente para o espaço do comandante da Força Aérea e chefe da equipe dos cosmonautas. De acordo com muitos depoimentos, Míshin era um bom projetista, mas distinguia-se pela covardia, subserviência às autoridades e incapacidade de controlar efetivamente o trabalho dos seus subordinados. Os oito anos de sua gestão (1966-1974) foram marcados pelas maiores falhas no programa espacial soviético do ponto de vista tecnológico. Toda a estrutura criada por Serguei Korolyov, experimentou com Míshin uma profunda crise institucional.

 

Vasili Míshin

 

Sujeitando-se às exigências dos chefes do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), que foram guiados unicamente pelas ambições políticas e propósitos de propaganda, Míshin adotava decisões de lançar dispositivos com inúmeras falhas. Isso levou a duas tragédias, nas quais foram mortos quatro cosmonautas soviéticos, coisa que não acontecera antes, nem depois de Míshin.

 

A primeira vítima foi Vladimir Komarov.

 

Vamos voltar para a nave “Soyuz”, que estava sendo testada por este cosmonauta no momento do seu perecimento.

 

Vladimir Komarov foi comandante da primeira tripulação espacial de três homens a bordo da nave “Voskhod-1”, em outubro de 1964. Depois, no “Voskhod-2”, Aleksei Leónov empreendeu a primeira saída do homem no espaço aberto. Foram desenvolvidos, detalhadamente, mais cinco voos para as naves deste tipo, para as quais foi programada uma tripulação mista (homem e mulher); uma tripulação exclusivamente feminina; a saída de uma mulher ao espaço aberto; uma missão de três a cinco dias com duas ou três saídas no espaço e afastamento de 50 a 100 metros, com a utilização de meio para transporte autônomo do cosmonauta; um voo de cinco a 10 dias, segundo o programa médico, com a cirurgia em um animal (coelho) e outros experimentos. Já estavam aprovadas as tripulações para todos os voos.

 

Míshin foi o principal defensor do encerramento deste programa. Segundo ele, as naves deste tipo estavam moralmente obsoletas e era preciso se concentrar em uma nova nave universal, “Soyuz”. Ele conseguiu da direção do complexo industrial militar do país a permissão para encerrar a fabricação dos “Voskhod” e dar baixa a esse programa de investigações. Para aquele tempo, além do “Voskhod-3”, tinham sido confeccionados também os cascos de outros equipamentos da mesma série, mas com o encerramento do programa foram destruídos.

 

O complexo espacial “Soyuz” (União) começou a se projetar em 1962, no escritório de construção de Serguei Korolyov, como nave do programa soviético para sobrevoo lunar. Paralelamente aos programas lunares, em base ao 7K já começaram a confeccionar o 7K-OK - nave orbital multiuso de três lugares, desenhada para aperfeiçoar as operações de manobras e acoplagem em órbita da Terra, como também para realizar uma variedade de experimentos, incluindo a transposição de cosmonautas de uma nave a outra, no espaço aberto. Após a rejeição do programa “Voskhod”, os projetistas da nave “Soyuz” perderam a oportunidade de fazer os últimos retoques para as novas soluções técnicas, o que causou uma pausa de dois anos em lançamentos pilotados.

 

Diz Vladimir Khodakov, membro da Comissão Estatal para os lançamentos de naves espaciais e estações tripuladas:

 

Poucas pessoas sabem que no decreto secreto do Comitê Central do PCUS, de 3 de dezembro de 1963, sobre o circunvoo da Lua, e nos documentos consecutivos, estabelecia-se um calendário muito apertado: os primeiros voos de teste das naves deveriam ser iniciados em 1964, e a sua operação regular, em 1965-1966. Hoje sabemos que a criação de uma nave espacial moderna leva pelo menos 10 anos. Mas na época, no Comitê Central acreditavam que, uma vez que a ‘Vostok’ foi confeccionada em dois anos, a ‘Soyuz’, consequentemente, poderia ser construída no mesmo tempo. Mas a ‘diretiva do Partido’ não foi executada. Nem em 1964, nem em 65 ou 66 a nova nave nunca voou. Os americanos já estavam se preparando com todas as forças para a expedição à Lua, lançando em órbita com o intervalo de poucos meses, as naves de dois lugares ‘Gemini’ com os astronautas, terminando a construção do ‘Apollo’, enquanto nós paramos de tudo com os voos tripulados”.

 

O trabalho na criação da nova nave estava indo muito nervosamente: o Partido e o governo estavam lembrando constantemente sobre o próximo 50º aniversário da Grande Revolução Socialista de Outubro (1917). Leonid Brezhnev, Secretário Geral do PCUS e líder supremo da URSS estava se expressando pessoalmente de uma forma inequívoca: “Não é hora de agradar aos trabalhadores de todo o mundo com as nossas novas conquistas no espaço?”. Um novo sucesso no espaço era necessário, mas a empresa não estava indo bem. Cada vez com maior frequência estava se declarando o ‘estado de urgência’ em fábricas e escritórios de construção, havia uma terrível pressa e as pessoas estavam caindo de cansaço, mas ninguém podia cancelar a viciosa prática de realizar algo para a próxima festividade ou congresso do Partido. Assim era aquela época...

 

O primeiro lançamento de teste, não tripulado da “Soyuz” foi realizado em 28 de novembro de 1966. Depois de atingir a órbita, recebeu oficialmente o nome de “Cosmos-133”, assim eram então numerados todos os modelos de teste. Após 48 horas, durante a aterragem, a trajetória da sua descida se mostrou muito inclinada por causa de uma falha no sistema de orientação. A cápsula espacial sobrevoou o território soviético e seguia para a aterragem na China. Para evitar isso, a partir do Centro de Controle da Missão (siglas em russo TsUP) foi dado o comando de auto-destruição.

 

Em 14 de dezembro de 1966, durante a decolagem da segunda nave não tripulada, ocorreu a pane do foguete transportador. Primeiramente, a automática, que por algum motivo interrompeu as operações de pré-lançamento alguns segundos antes da ignição. Depois, o silêncio foi cortado por um brusco estampido: pelo comando dos giroscópios do foguete, funcionaram os motores do sistema de resgate de emergência da nave. Com isso, acendeu o sistema de regulação térmica de agente da transferência de calor, explodindo primeiramente os tanques de combustível da nave, depois, o terceiro andar e, finalmente, todo o foguete transportador...

 

Em 6 de fevereiro de 1967, o chefe da equipe dos cosmonautas Nikolai Kamánin escreveu em seu diário: “Hoje é o lançamento da nave não tripulada ‘Soyuz’. Terceira tentativa! As duas primeiras foram infrutíferas. Não temos crença firme na confiabilidade da ‘Soyuz’; também causa preocupações a fraqueza da direção técnica: Míshin não é forte como dirigente...”.

 

O voo da terceira “Soyuz” não tripulada teve êxito durante dois dias, exceto na fase de descida e aterragem. No escudo térmico do painel frontal foi instalado o plugue tecnológico. Neste ponto, durante a descida pela atmosfera, a nave foi perfurada pelo fogo, caindo a “Soyuz” no fundo do Mar de Aral.

 

O coronel-general Vladimir Kovalyónok escreve com pesar que a “terceira ‘Soyuz’, considerada ‘aprovada’, se mostrou tão ‘cru’ quanto os seus antecessores; [...] Nós estávamos procurando por ela em helicópteros durante três dias, revistando a área do tamanho de meio Cazaquistão... É claro que, se então não a tivéssemos encontrado, no fundo do Mar de Aral, Volodya Komarov não teria que voar de modo algum!...”. O piloto tinha em mente que, caso a causa do acidente da terceira “Soyuz” não tivesse sido aclarada, o próximo voo da nave seria feito em modo não tripulado, assim como os anteriores. Resta lamentar que a nave, todavia, foi levada para fora do Mar de Aral.

 

Lembra o coronel Nikolai Varvárov, engenheiro aposentado da Força Aérea: “Aproximadamente nos meados de fevereiro, recebi um sinal de Zvyozdny, dizendo que o cosmonauta Komarov tinha retornado de um serviço. No Centro de Controle da Missão, eu encontrei Komarov, notando que ele se encontrava em um estado extremamente nervoso. Vladimir Mikháloyvitch observou, com ar de irritação em sua voz: ‘Todas as ‘Soyuz’ não tripuladas lançadas anteriormente arruinaram-se por várias razões. Seria ingênuo pensar que a próxima nave - a minha, por assim dizer, - seria fundamentalmente diferente das anteriores! Assim, se durante o tempo que a ‘Soyuz’ foi ‘corrida’ em modo não tripulado, seus criadores não entenderam o que fazer para garantir a sua segurança aqui na Terra - você quer me dizer, o que eu posso adicionar à impotência de toda a poderosa rama industrial quando eu encontrar-me lá, no espaço, a sós com essa ruína? Espero que você me compreenda!’”.

 

Contudo, neste triste cenário, cedendo à pressão de cima, Vasili Míshin e a Comissão Estatal cometem um passo fatal e criminoso. Justamente, quando estava se aproximando o 1º de maio, Dia Internacional dos Trabalhadores e seria necessário comemorá-lo ‘dignamente’. Foi decidido que os anteriores voos de teste da nave “Soyuz” permitiam o seu uso na versão tripulada, e por isso foi planejado, em abril de 1967, o lançamento de duas naves com cosmonautas: a “Soyuz-1” com um homem a bordo, e após 24 horas, a “Soyuz-2”, já com três. Depois, foi agendado o acoplamento e a transferência de dois cosmonautas da “Soyuz-2” para a “Soyuz-1” através do espaço aberto. Depois disso, as naves deveriam desacoplar e pousar. A Comissão Estatal aprovou Komarov como comandante da “Soyuz-1” e Yuri Gagarin como o seu substituto.

 

Yuri Gagarin e Vladimir Komarov eram amigos.

 

Yuri Gagarin e Vladimir Komarov na caçada.

 

Para a “Soyuz-2”, foi designado o grupo principal, composto por Valery Bykov, Aleksei Yeliséyev, Yevgueni Khrunov e o grupo de dupla, que incluiu Andrian Nikoláyev, Valery Kubásov e Víctor Gorbatko. Objetivo final: efetuar o lançamento da nave espacial “Soyuz-1” em 23 de abril, às 3h35 minutos, horário de Moscou, e o da ‘Soyuz-2”, em 24 de abril, às 3h10. Os projetistas confirmaram a disponibilidade dos foguetes transportadores, das naves e dos serviços dentro destes prazos. Na ocasião, apenas algumas pessoas - um projetista, um coronel e um general - se atreveram a pronunciar em voz alta a opinião de que as missões tripuladas na “Soyuz” eram ainda inaceitáveis. Mas a eles, ninguém deu atenção.

 

A candidatura de Vladimir Komarov para pilotar a nave “Soyuz-1” foi proposta por Nikolai Kamánin, chefe da equipe dos cosmonautas, já que Komarov era um engenheiro de alta classe, especialista em tecnologia espacial, com capacidade para encontrar uma maneira de resolver um problema, caso este se apresentasse (o que de fato aconteceu). Se Serguei Korolyov estivesse vivo, é muito provável que Gagarin teria voado no lugar de Komarov, porque o Projetista Geral prometeu ao primeiro cosmonauta este primeiro voo na nova nave. Mas, neste caso, possivelmente, a nave não seria lançada num estado tão mal acabado, e talvez tudo tivesse sido diferente.

 

Vladimir Komarov estava bem ciente de que correria um risco de morte. Em que havia esperança? Provavelmente, na sorte. Poderia ele desistir do voo? Absolutamente, não, segundo a opinião de outros cosmonautas. Recusar a missão significaria uma espécie de traição e por um fim decisivo à sua carreira espacial, à qual ele tinha decidido dedicar sua vida. Em toda a história da exploração espacial, não havia um único caso de recusa a um voo. É seguro dizer que, independentemente de quem seria designado como seu substituto, Komarov nunca teria recusado ao voo, de modo a não passar o risco de morte para outra pessoa.

 

De acordo com as lembranças de pessoas que o conheceram, Komarov era uma pessoa incrivelmente modesta, honesta, sensível e erudita. Amigos pela equipe de cosmonautas assinalam sua grande bondade, um caráter muito equilibrado e comedido e senso de responsabilidade. Como se o destino tentasse avisá-lo, para assim salvá-lo: a partir do momento da inscrição na equipe dos cosmonautas, foi por duas vezes dispensado, por razões de saúde, do treinamento para o voo. Primeiramente, após a cirurgia de hérnia inguinal, depois, pelo aparecimento de uma única extrasístole no eletrocardiograma. Mas em ambas ele realizou quase o impossível: treinava-se, não poupando a si mesmo, foi para luminares médicos e conseguiu que o considerassem apto para voar ao espaço... 

 

Segundo relatam os seus parentes, antes do voo, Komarov colocou em ordem todos os seus assuntos e documentos, respondeu a todas as cartas e, após se despedir, ainda permaneceu por cerca de três minutos perante o elevador, olhando para sua esposa, filho e filha.

 

Chegou o dia 23 de abril de 1967, no cosmódromo de Baikonur, colocado na plataforma de lançamento, o foguete transportador com a nave “Soyuz-1”, estava iluminado por holofotes vindos de todas as direções. Às 23h30, começou a reunião pré-voo da Comissão Estatal. Os projetistas principais confirmaram brevemente que o foguete, a nave espacial “Soyuz-1”, o seu equipamento e todos os serviços estavam preparados para o lançamento. O cosmonauta Vladimir Komarov passou por todos os exames médicos, dormiu por seis horas e começou a se preparar para o voo. Informou em breve aviso ao presidente da Comissão Estatal, Kerímov: “Camarada Presidente da Comissão Estatal, o cosmonauta Komarov está pronto para a decolagem!”.

 

Noite de 23 de abril de 1967, cosmódromo de Baikonur: últimos passos de

Vladímir Komarov na terra. À sua direita, Yuri Gagarin, à esquerda, Vasíli Míshin.

   

Gagarin, juntamente com Komarov, tomou o elevador até a nave e lá permaneceu até fechar o alçapão.

 

Antes da decolagem.

 

Às 3h35 do dia 23 abril de 1967 o foguete decolou, levando consigo a nave “Soyuz-1”. Passaram apenas alguns minutos e a “Soyuz-1” saiu em órbita espacial com o período orbital de 88,6 minutos, atingindo a altitude máxima de 224 quilômetros e mínima de 201 km. O voo começou. E com isso, as boas notícias acabaram.

 

Decolagem.

 

Em 2002, a gravação desclassificada das conversações entre Komarov (sinal de chamada “Rubi”) e o centro de controle (sinal de chamada “Aurora”) foi oferecido pela primeira vez pelo Arquivo Estadual Russo de Documentação Científico-Técnica para a publicação no jornal “Komsomolskaya Pravda”.

 

Na segunda volta - Informa Komarov: “O meu estado geral é bom, os parâmetros da cabine estão dentro da norma, mas não se abriu a bateria solar esquerda, a corrente de carga é de apenas 13-14 amps, não funcionam as comunicações HF. A tentativa de torcer [virar] a nave para o Sol não ocorreu, tentei realizar a torção manualmente...”.

 

Na terceira volta - Komarov: “A pressão na cabine é de 760, a carga é de 14. A bateria solar não se abriu, a torção para o sol não ocorreu”.

 

O mecanismo de mola, que envolve as ‘asas’ solares da nave, é bastante simples. A construção tinha funcionado seguramente em uma câmara hiperbárica, com cargas diferentes, distúrbios artificialmente criados - e agora de repente teve caprichos. Komarov até bateu um pé no lugar onde se encontrava o malfadado mecanismo, mas não foi possível se livrar da parada. A equipe em Terra propôs sugestões para corrigi-lo, mas ao final, o painel não se abriu. Com uma assimetria assim, não é possível uma orientação firme, recarregamento das baterias, aproximação e acoplagem com uma segunda nave.

  

Esquema da nave "Soyuz". O número 5 marca os paineis de baterias solares.

 

Logo ficou claro que não se tinha aberto a antena duplicante do sistema de telemetria (número 4 no esquema), nem tampouco se afastou a viseira que protege o sensor solar-estelar dos escapes dos motores. Isso significava que a orientação, tanto a solar, como a estelar, não seriam possíveis. Nessas condições, a nave pode ficar ‘cega’ e simplesmente não encontrar o caminho de casa. E isso é muito grave. Surgiu um risco real de que não seria possível pousar a nave.

 

Mas a voz de Komarov estava clara, o cosmonauta mantinha plena calma e entendia perfeitamente tudo o que se passava. Todos em terra admiravam o trabalho de Komarov, seus informes precisos e práticos, como também uma avaliação qualificada das características técnicas do “Soyuz”.

 

Quinta volta. Por volta das 10h a Comissão Estatal tomou a decisão: cancelar a decolagem da segunda nave e convocar os engenheiros balísticos para calcularem uma adequada aterragem de Komarov.

 

Lembra o tenente-coronel Valentin Svetlov:

 

“Durante o voo de Vladimir Komarov, eu estava de plantão nas comunicações através de turno, em Yevpatoria, no Centro de Controle da Missão. Aproximadamente a 1h30 da noite de 24 de abril, no TsUP surgiu uma confusão, após receber a instrução de Moscou para a direção da missão: ‘Todos devem estar conectados, em prontidão para o fechamento imediato ao bordo do ‘Soyuz-1’!’”.

   

Centro de Comunicação no Espaço Profundo em Yevpatoria (Criméia),

 este é o lugar de onde Yuri Gagarin e os projetistas conversaram com Vladimir Komarov.

 

Entrou no ar para se comunicar com Komarov, o Presidente do Conselho de Ministros da URSS, Aleksei Kosyghin.

 

Aleksei Kosyghin, Presidente do Conselho de Ministros da URSS.

 

Entre eles, se realizou uma breve conversa.

 

Kosyghin: Camarada Komarov, saudações. Como é que você me ouve?

 

Komarov: Saudações. Eu posso ouvi-lo bem.

 

Kosyghin: Estamos seguindo com atenção o seu voo. Sabemos que você está se deparando com dificuldades, e estamos tomando todas as medidas para eliminá-las.

 

Komarov não respondeu nada. E este silêncio era mais eloquente do que se ele tivesse respondido com injúrias às habituais palavras vazias das pessoas que foram precisamente culpadas por ele se “deparar com dificuldades”.

 

Lembra depois o tenente-coronel Svetlov: “Surgiu uma pausa, incômoda e penosa. Então Kosyghin proferiu uma pergunta, a última nesta conversa: ‘O que podemos fazer para você?’”.

 

Komarov respondeu com voz embargada: “Cuide da minha família”.

 

Komarov na sua última missão.

 

13ª volta. Apenas os pontos do Extremo Oriente do país conseguiram ouvir Komarov. Ele informou que tinha feito tentativas repetidas de torcer rumo ao Sol. A torção não ocorreu. Ligou o sistema de orientação nos sensores iônicos e observou falhas novamente.

 

14ª volta.

 

- “Aurora”, “Aurora”, aqui “Rubi”. 3 horas 48 minutos. Na vigia direita, vejo bateria solar não aberta...

 

- Entendi você, recepção...

 

- Eu posso ver a terra não coberta com nuvens, o horizonte... A bateria solar está direcionada com a sua parte traseira, voltada para o sol.

 

16ª volta. No posto de comando, estão desenvolvendo novas instruções para o cosmonauta. Após longas consultas, decidiram aterrizar o “Soyuz-1” na 17ª volta, com a orientação iônica, na esperança de que esta iria funcionar. Nas voltas 15ª e 16ª, foram comunicados a Komarov todos os dados de desembarque para as voltas 17ª, 18ª e 19ª.

 

- “Aurora-3”, aqui “Rubi”. Levei todos os equipamentos para a nave... A escotilha está fechada. Ordem a bordo, como dizem. Os parâmetros da cabine incluem: pressão 800, temperatura 17,5.

 

- Prepare-se para as operações finais. Tudo está bem, tudo está calmo...

 

- “Aurora”, aqui “Rubi”. Entendi você. Descida automática na 17ª, com a orientação iônica...

 

- “Rubi”, todos os comandos para você a bordo passaram normalmente.

 

- Entendi.

 

Logo, entra na conversa o substituto de Komarov, Yuri Gagarin. Seu sinal de chamada é “Cedro”. Vai permanecer em contato com Komarov até o fim.

 

- Estamos esperando por você na Terra, querido amigo. “Cedro”.

 

- Vejo você lá!

 

- Estamos dando uma verificação do tempo. (Soam os sinais de “pip-pip-pip”).

 

- Correção de tempo de menos um segundo.

 

- Excelente. Você teve sorte com o relógio. Instalaram-te um bom. Não te esqueças de se prender e se afivelar firmemente antes de entrar nas densas...

 

- Do equipamento científico, eu levei apenas o cronógrafo...

 

- Trá-lo-ás à memória... Todos os companheiros aqui te transmitem calorosos cumprimentos, com os melhores votos de um suave e bom pouso.

 

- Muito obrigado. Fica pouco tempo até o nosso reencontro, vou vê-los em breve. Desejo-lhes todo o sucesso.

 

17ª volta. Não foi possível orientar a nave da forma correta e a orientação iônica não funcionou. Restam apenas cerca de três horas antes do esvaziamento total dos recursos de energia. A equipe em terra não teria tempo de preparar uma descida para a 18ª volta.

 

Começaram a desenvolver uma nova forma de pouso, não prevista pelas instruções. Gagarin comunica em detalhes a Komarov o plano de aterragem: pousar na 19ª volta, nos arredores de Orsk; orientar a nave manualmente, “como um avião”, na parte clara da órbita; para preservar a estabilidade da nave no voo, usaria giroscópios na sombra, e no momento da saída das sombras, corrigiria a orientação manualmente, e às 5 horas 57 minutos e 15 segundos ligaria o motor para a frenagem. Tudo isso em conjunto seria uma tarefa desafiadora. A descida seria mais acentuada, e as sobrecargas, mais fortes. Os cosmonautas nem sequer foram treinados para tal opção. Komarov compreendeu perfeitamente a tarefa.

 

18ª volta

 

- Aqui “Aurora-10”. Efetuar a orientação manual pela corrida da Terra às 5 horas no lado claro, virar 180 graus para a orientação de embarque. Antes de entrar na sombra, ligar a estabilização nos giroscópios KI-38. Ao sair da sombra, corrigir a orientação manualmente. Continua assim! Às 5 horas 57 minutos e 15 segundos, ligar o ACS [mecanismo de abordagem para correção]. O tempo estimado do trabalho do motor é de 150 segundos. Depois de 150, se não desligar a partir do integrador, desligar manualmente o motor. Estou fornecendo todos os dados para a descida manual. Volta 19. Balística. Não te apresses. Vá fazendo a orientação devagarinho. Tudo deverá estar normal.

 

- Eu entendi tudo perfeitamente. Sei como fazer. Tudo vai ficar bem. Aqui “Rubi”, não os ouço...

 

Entra na conversa Vasili Míshin. Seu sinal de chamada é “Vigésimo”.

 

- “Rubi”, aqui “Aurora”. Temos aqui danos no canal de comunicação terrestre...

 

- “Vigésimo”, eu entendi você perfeitamente. Não me preocupo, não me alarmo. Vou trabalhar de acordo com o programa...

 

- “Rubi”, como está se sentindo, que tal o ânimo?

 

- Sinto-me perfeitamente bem. O ânimo é bom. O sistema de suporte de vida funcionou bem.

 

- Alegro-me muito. Estamos todos confiantes de que tudo vai ficar bem. Trabalhe com tranquilidade. Durante a descida, tente fazer uma reportagem. Talvez algo será ouvido aqui.

 

- Aqui “Rubi”. Em um minuto vou ligar a orientação.

 

- Entendi. Terminamos a comunicação com você, não vamos estorvar o seu trabalho. Anda, trabalha...

 

- Estou preocupado, se vai haver tempo suficiente para a orientação...

 

Dentro da nave, Komarov, resolvia problemas complexos, mas sem se desanimar.

 

Na manhã de 24 de abril, na 18ª volta, depois de 26 horas e 45 minutos após o lançamento, o cosmonauta orientou a nave. O motor-freio foi acionado em algum ponto sobre a África, o motor funcionou o tempo estimado; um pouco mais tarde, perto da fronteira sudoeste da URSS, a nave entrou na zona de radiovisibilidade para as estações terrestres de monitoramento. Depois disso, a comunicação com a “Soyuz” foi bruscamente interrompida. A crescente tensão foi quebrada pela voz calma de Komarov, informando que tudo estava em ordem.

 

19ª volta. Últimos minutos em órbita.

 

- “Rubi”, aqui “Aurora-10”. Chamando para se comunicar...

 

- O motor trabalhou por 146 segundos. Tudo segue normalmente. Tudo está normal! A nave foi orientada corretamente. (Na voz de Komarov, ouvem-se notas alegres.). Estou no assento do meio. Estou preso pelos cintos.

 

- Como está se sentindo?

 

- Sinto-me perfeitamente bem. Tudo em ordem.

 

- Os companheiros por aqui recomendam respirar profundamente. Estamos esperando-o na aterragem...

 

- Obrigado. Transmita a todos. Houve uma sep...

 

Aqui, a voz de Komarov é cortada. Provavelmente, se referia à “separação de compartimentos da nave”, já que a “Soyuz” estava entrando nas camadas densas da atmosfera.

 

No posto de comando, os operadores, um após o outro, tentam restabelecer o contato com a nave:

 

- “Rubi”, aqui “Aurora”. Não podemos ouvi-lo. Como você nos ouve? Recepção... Recepção... Recepção... Recepção...

 

E assim, o sistema de defesa aérea encontrou a cápsula espacial às 6 horas 22 minutos e confirmou o cálculo dos balísticos: tudo de acordo com o plano, Komarov pousou a 65 km a leste de Orsk. O cosmonauta realizou impecavelmente todas as ações necessárias. Todos deram um suspiro de alívio. Ninguém estava pensando em tragédia.

 

A direção do TsDKS (Centro de Comunicação no Espaço Profundo) parabenizou e agradeceu aos participantes do último quarto de vinte e quatro horas; todos foram convidados para um pequeno almoço solene às oito horas da manhã. As pessoas estavam sentadas, relaxando-se. Todos discutiam asperamente suas emoções e sentindo-se felizes por tudo terminar bem. Neste momento Gagarin foi chamado para se comunicar urgentemente. Alguém disse que foi, provavelmente, sobre a questão da reunião solene em Moscou.

 

Gagarin retornou: “Fui ordenado a voar urgentemente para Orsk. A aterragem não se realizou normalmente. Não sei de mais nada...”. E foi-se embora rápidamente.

 

Neste momento, estava presente no cosmódromo de Baikonur o jornalista Yuri Letunov, acompanhando o voo junto com os seus colegas. Também se encontravam lá os outros cosmonautas e a Comissão Estatal. Todos já estavam cientes de que teriam ocorrido problemas com a aterragem. 

 

Lembra Letunov:

 

“Ninguém tinha idéia de que o infortúnio poderia acontecer na soleira da casa natal.

 

Os últimos minutos da espera se transformaram em horas. Todos ficaram desanimados, falando em voz baixa.

 

Um homem saiu da sala do centro da transmissão. Lágrimas nos olhos. Sufocando um soluço, ele disse:

 

- É tudo. Fim...

 

Os carros com cosmonautas e membros da Comissão Estatal arrancaram para o aeródromo”.

 

A tragédia ocorreu durante a descida da nave. A tampa do recipiente de paraquedas disparou junto com um pequeno paraquedas de distenção, este puxou o paraquedas de frenagem. Depois, o paraquedas de frenagem teria que puxar a cúpula do paraquedas principal, a maior, mas isso não aconteceu. A nave estava caindo, girando em torno do seu eixo; funcionou o equipamento automático, abrindo o paraquedas de reserva. Mas por causa da rotação da nave, os cabos do paraquedas de reserva enrolaram-se, ‘estrangulando’ ambas as cúpulas. Desta maneira, a “Soyuz-1” chocou-se contra chão a uma velocidade aproximada de 80 m/s. A nave explodiu, gerando-se um incêndio no seu interior.

 

A cápsula incendiada.

 

Testemunha o acadêmico Boris Tchertók, projetista, um dos colaboradores mais próximos de Serguei Korolyov e seu vice:

 

Com o impacto no chão, ocorreu a explosão e começou o incêndio. ‘Por mais que vi aviões queimados durante a guerra (disse [Serguei] Anókhin [piloto de provas emérito, comandante do grupo de cosmonautas no programa “Soyuz”]), aquilo que vimos, não serve para qualquer comparação’. O peróxido de hidrogénio se mostrou muito pior do que a gasolina’. Nos tanques da cápsula espacial se encontrava cerca de 30 quilogramas de peróxido de hidrogénio concentrado, o qual serviu como fluido de trabalho para os motores do sistema de descida controlada. Ele não apenas queima, mas contribui ativamente para a combustão de tudo o que não queima, liberando oxigênio livre durante a decomposição. Devido à alta velocidade de descida, ao contrário de cálculo, o escudo frontal foi disparado para fora não na altura de três quilômetros, mas já próximo do chão. Tampouco não cumpriu o comando para ligar a alimentação do altímetro gamma-ray e, por consequencia, nem foi emitido o comando para ligar os motores para pouso suave. O impacto no chão foi tão forte que se formou uma cavidade com mais de meio metro. Os primeiros a chegarem ao local do acidente foram os moradores locais. Eles tentaram apagar o fogo, jogando a terra. Quando pousaram os helicópteros do serviço de busca, foram utilizados os extintores de incêndio. Quando Kamánin chegou voando, ele exigiu, antes de tudo, encontrar o que sobrou de Komarov. Os restos carbonizados foram imediatamente enviados para Orsk.

 

Uma vez recuperados, todos os restos e detalhes de construção e instrumentação, incluindo uma cápsula de césio (fonte de radiação gama). No local do acidente, na presença dos membros da Comissão Estatal, foi levantada uma pequena colina. Anókhin tirou o seu boné de uniforme de aviação, colocando-o em cima deste memorável marco feito de terra [seguindo a tradição dos pilotos militares]”. 

 

Buscas pelos restos mortais de Komarov.

 

Os restos mortais de Vladimir Komarov foram enviados a Moscou, para um hospital militar. Lá, Nikolai Kamánin e os cosmonautas deram uma última olhada no que restava do seu amigo. 

 

Depois, os restos foram cremados e a urna contendo as cinzas foi colocada na cerimônia da despedida na Casa Central do Exército Soviético. Nos dias 25 e 26 de abril, houve um fluxo constante de milhares de pessoas, que vieram para se despedir do falecido cosmonauta. Ninguém estava escondendo lágrimas.

 

Funeral de Vladimir Komarov em 26 de abril de 1967, Moscou.

 

Os familiares de Komarov despedindo-se do perecido.

 

Com honras militares, a urna foi enterrada no muro do Kremlin. Em vez de salvas festivas e uma pretensiosa campanha propagandística publicitária, os líderes do Partido e do Estado receberam uma marcha fúnebre.

 

Uma Comissão Estatal foi criada para apurar as causas do fracasso do sistema de paraquedas e da morte do cosmonauta. Foram realizados dezenas e centenas de experimentos, formulando muitas versões. Em opinião de Boris Tchertok, a causa mais provável teria sido a seguinte: para criar a proteção térmica da cápsula espacial, esta, após ser untada com um revestimento especial, tinha sido colocada, junto com o recipiente de paraquedas, em uma autoclave, onde, nas condições de uma alta temperatura, dava-se a polimerização de resinas sintéticas. A fabricação de tampas para recipientes de paraquedas por alguma razão veio tarde. Nas condições de uma pressa ‘pré-aniversaria’, esses recipientes, em violação da tecnologia, foram fechados com alguma classe de tampas fora de padrão, sem que fosse tomado em conta que na autoclave, podem ser depositadas frações voláteis de untura sobre a superfície interna dos recipientes. Por causa disso, na superfície apareciam saliências, tornava-se rugosa e pegajosa. De tal recipiente, o paraquedas de frenagem realmente não foi capaz de puxar o paraquedas principal, bem tapado e pesado.

 

O cosmonauta Andrian Nikoláyev concorda que o paraquedas de frenagem não teve potência suficiente, mas ele encontra uma razão mais simples do ocorrido: depois da perfuração pelo fogo, ocorrida no corpo da terceira “Soyuz” não tripulada, que afundou no Mar de Aral, o escudo térmico da nave foi reforçado, tornando-se mais pesado. Consequentemente, o paraquedas principal também foi feito maior, mas o recipiente permaneceu o mesmo (pressa, pressa...). O paraquedas foi simplesmente ‘tapado’ lá com muita força, mas o para o paraquedas de frenagem não tinha capacidade suficiente para se abrir.

 

Houve o boato de que “alguém” supostamente teria ouvido gritos e maldições de Komarov durante o voo ou pouso. Concedo aos leitores, com base na presente matéria, tirar a sua própria conclusão sobre como e quando poderia isso poderia ser “ouvido”. Até a entrada nas camadas densas da atmosfera, a gravação das conversas demonstra que o cosmonauta era comedido ao máximo e mantinha esperança de sucesso. Na terra, todos também viram que o voo estava indo para uma conclusão bem sucedida. No momento da entrada nas camadas densas da atmosfera, a conexão com o cosmonauta sempre é interrompida, sendo retomada somente ao se abrir o paraquedas principal, nos cabos do qual estão instaladas as antenas. Este paraquedas não se abriu no caso de Komarov. O gravador que registrou as últimas palavras de Komarov, acabou queimado com a cápsula espacial.

 

Continuando, cito Yaroslav Golovánov, enviado especial do jornal “Komsomolskaya Pravda” no cosmódromo de Baikonur e no TsUP por mais de 10 anos.

 

A conferência de imprensa [antes do voo] foi curta. Komarov acalmou aos jornalistas:

 

- Espero que depois do voo vamo-nos ver novamente, e então, eu poderei lhes contar mais detalhadamente tanto sobre a nave, como do tipo de trabalho que eu realizei durante o voo...

 

Vladimir Komarov não retornou e não nos contou nada. Mas ele conseguiu contar muitas coisas aos engenheiros e projetistas durante o voo. Eu ouvi sua voz muitas vezes - a voz calma de um homem que está fazendo um trabalho difícil e importante. Ouvi sua última mensagem do espaço exterior, logo depois de ter acabado de funcionar o motor-freio e a nave estava entrando nas camadas densas da atmosfera. De acordo com o programa, as antenas de rádio foram queimadas e a comunicação com a nave terminou até a aterragem. Eu ouvi quando ele concluiu o seu último relatório com as seguintes palavras:

 

- Tenho tudo em ordem...”.

 

A morte de Vladimir Komarov pesa na consciência dos membros do Bureau Político do Comité Central, pessoalmente de Leonid Brezhnev, o Projetista Geral Vasili Míshin e de todos aqueles que, sabendo da falta de preparo da nave para o voo pilotado, todavia votaram ‘a favor’, de um modo submisso e covarde. As estúpidas ambições políticas e a pressão do Partido por um lado; a indecisão, a covardia, o servilismo e a incapacidade de defender a sua posição por outro lado; e, finalmente, a pressa, os defeitos e a negligência, levaram à morte o cosmonauta Vladimir Komarov e atrasaram por mais um ano e meio o programa de voos pilotados na União Soviética.

 

Esta trágica perda foi um forte incentivo para o trabalho duro sobre a segurança dos voos, catalisador para um controle regular, reverificação e melhorias de sistemas das naves “Soyuz”. Um grande papel neste processo foi o próprio fato da presença de Vladimir Komarov, um engenheiro altamente qualificado, a bordo da “Soyuz-1”, pois durante as 26 horas de um voo mais difícil, ele tinha passado à terra informações valiosas, múltiplas observações, comentários e avaliações de vários sistemas da nave, que depois foram considerados pelos projetistas.

 

Até o outubro de 1968, novamente foram lançados em órbita apenas as “Soyuz” não tripuladas, criptografadas sob o nome de “Cosmos”. No total, foram cinco. Em outubro de 1967, seis meses após a morte de Komarov, o “Cosmos-186” e o “Cosmos-188” estavam aperfeiçoando o processo de acoplamento automático, com o aparelhamento de rádio de aproximação “Igla” (“Agulha”). Depois, em abril de 1968, voaram o “Cosmos-212” e o “Cosmos-213”; em agosto de 1968 - o “Cosmos-238”. Apenas em 26 de outubro de 1968, o cosmonauta Gueorgui Beregovoi voou na nave “Soyuz-3”, que aperfeiçoava a aproximação com a nave não tripulada “Soyuz-2”. De 1971 aos dias atuais, as naves “Soyuz” são o meio de transporte espacial mais confiável. Na história da exploração espacial, não há outra nave com uma vida tão longa, a qual Komarov deu em troca a sua própria vida.

 

 

Monumento a Vladimir Komarov edificado no lugar do seu falecimento, mas seguintes coordenadas geográficas:

51°21'39.63"N 59°33'46.85"E, situado a três quilômetros da vila Karabutak na direção de Orsk, Óblast de Oremburgo, Rússia.

 

Afirmou o acadêmico Boris Tchertók:

 

Todos aqueles que felizmente voaram, voam e ainda vão voar para o espaço na ‘Soyuz’, devem se lembrar que um retorno seguro e confiável a Terra, não ocorre somente graças aos criadores das naves espaciais, mas também a Vladimir Komarov”.

 

Vladimir Komarov - cadete da escola de aviação.

 

Em uma carta ao amigo, Yevgueni, datada de 26 de fevereiro de 1948, Vladimir Komarov, na época ainda um jovem cadete da escola de aviação, escreveu:

 

“Com frequência eu me pergunto: ‘será que eu poderei fazer algo de bom e útil para as pessoas em minha vida?’”.

 

Nós sabemos a resposta. Sim, ele pôde. Agradecimentos a ele, memória abençoada e eterna glória.

 

* Natália P. Dyakonova é licenciada em Filologia, diplomada em Pintura, autora de uma serie de artigos sobre a Literatura, Arte e História. Pesquisadora e historiadora por inclinação. É consultora e correspondente em Moscou para o diário digital Via Fanzine e da Rede VF (Brasil). É editora do blog Protocivilización.

 

- Tradução: Oleg I. Dyakonov.

 

- Revisão final e adaptação: Pepe Chaves.

 

- Imagens: Arquivos sobre o Caso Komarov.

 

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- Produção: Pepe Chaves
 

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