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Regina Helena de Paiva Ramos

 

 

Regina Helena de Paiva Ramos é jornalista desde 1953, escritora e autora de várias peças de teatro, artigos e livros. Começou a vida profissional no jornal “O Tempo” em 1953. Passou para “A Gazeta” em 1954. Trabalhou nas revistas “Casa e Jardim”. “Manchete”, “Fatos e Fotos”, “Jóia” e nas revistas técnicas “Construção em São Paulo” e “Construção no Rio de Janeiro”, além de diversos outros veículos de comunicação. É colaboradora de Via Fanzine.

 

Leia também:

Entrevista  com Regina Ramos

 

 

O Rei na novela:

Pelé foi meu colega

Convivência com Pelé foi tranquila, amiga. Lembro que ele estava sempre cansado e costumava tirar um cochilo atrás dos cenários enquanto esperava a sua vez. Me pedia para acordá-lo...

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

30/12/2022

 

Esta matéria é ilustrada com imagens inéditas de Pelé, tomadas por Regina Helena de Paiva Ramos, durante as filmagens da novela "Os Estranhos", exibida pela TV Excelsior, de São Paulo, em 1969.

 

Pelé deixa esta vida e me lembro de quando fazia assessoria de imprensa para a extinta TV Excelsior (o cargo era chamado de Divulgação), época em que fomos colegas, Pelé e eu. Pelé participava como ator da novela “Os Estranhos”, de Ivani Ribeiro, (1969) dirigida por Gonzaga Blota. Não me lembro exatamente da trama, mas era uma história de invasão de gente de outros planetas. Os invasores eram Pelé e Regina Duarte.

 

Pelé contracenando em uma tomada de ação em "Os Estranhos".

 

Elenco de peso: Regina Duarte, Rosamaria Murtinho, João José Pompeo, Átila Iório, Gianfrancesco Guarnieri e o iniciante Sílvio de Abreu, que depois seria escritor de novelas e diretor da Globo. Na trama, o personagem de Silvio de Abreu mata Rosamaria Murtinho. O caso deu-se assim: Rosinha resolveu reclamar para Ivani Ribeira do papel dela, dando como resultado, na semana seguinte, a decretação de sua morte na novela... Morte matada, com “revorver”.

 

Pelé em um cena da novela exibida pela TV Excelsior.

 

Aliás, Silvio devia ter alguma coisa contra o casal, na novela “A Muralha” matou Mauro Mendonça.

 

Rosinha morreu, mas, como disse, morreu linda e maravilhosa, como echarpe de penas.

 

A matéria aqui é sobre o Pelé, mas como meu arquivo é implacável não resisto e publico, também, a cena da morte do personagem da Rosinha, na foto amparada por João José Pompeo, esse querido de quem tenho saudades.

 

João José Pompeo e Rosamaria Murtinho em cena de "Os Estranhos".

 

Bom, continuando. Não me lembro, mas Pelé tem, na novela, um inimigo. Vivido por Átila Iório a quem as produções adoravam dar papel de bandido. A principal cena de briga dos dois foi gravada no Horto Florestal. O departamento de divulgação da Excelsior éramos eu e um fotógrafo. Nenhum de nós podia estar em dois lugares ao mesmo tempo e, nesta cena, a fotógrafa fui eu.

 

Do que não me lembro é a causa destas fotos não terem sido distribuídas para a imprensa. Tanto que eu só tinha os negativos. Lembrei deles ontem e fui a uma loja de fotos para revelá-las. Negativos meio ruinzinhos, afinal já se passaram mais de 50 anos. Mas, dão para o gasto.

 

O rei do futebol usando suas habilidades atléticas em uma cena da novela.

 

Convivência com Pelé foi tranquila, amiga. Lembro que ele estava sempre cansado e costumava tirar um cochilo atrás dos cenários enquanto esperava a sua vez. Me pedia para acordá-lo. Acordava de olhos esbugalhados e ia para a cena alegrinho e feliz. Como ator, era o que se podia chamar de bom profissional. Nada de grandes lances de interpretação. E precisava?

 

- Fotos: Regina Helena de Paiva Ramos.

 

- Edição: Pepe Chaves.

 

*  *  *

 

Brasil:

Orra, meu! Que país!

Não tem Lava-Jato, não tem decreto fazendo parar, não tem compostura, nada consegue deter esse rio de vergonhas.

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

08/05/2019

 

 

É muita desfaçatez! A gente vai pra rua. A gente grita. A gente protesta. Mas tudo continua como antes no quartel de Abrantes.

 

É uma cachoeira. Um rio caudaloso. Uma hemoptise. A coisa não para. Quando se pensa que pode parar, que pode diminuir o fluxo, que vai acabar, os jornais noticiam novas corredeiras, novos vazamentos, novas vergonhas. O que é isso, meu Deus? Não tem Lava-Jato, não tem decreto fazendo parar, não tem compostura, nada consegue deter esse rio de vergonhas: gente recebendo além do permitido pelo INSS, deputados com verbas de gabinete assombrosas, auxílio isto e auxílio aquilo, auxilio moradia, penduricalhos, correio à vontade para os mais iguais que nós outros, automóveis e motoristas,  funcionários, combustível,  passagens em primeira classe,  diárias com hotéis, isto não para!

 

Não cessa? Não há como acabar? Essas excelências dos três poderes não se envergonham, não querem algum limite em suas mordomias, não  pensam no país, não sabem que tem gente passando fome e necessidades,   apesar dos  muitos anos  de  PT em que se dizia que tudo estava bem e correndo sobre trilhos e que o governo tirara da pobreza não sei quantos milhões?

 

Meu Deus! Este país não tem jeito? Esses senhores da elite nunca deixarão de ser elite? Ou só abandonam o posto quando os metem no xadrez? Haverá cadeia para todo mundo? Ou será preciso soltar alguns para caberem outros?

 

É muita desfaçatez! A gente vai pra rua. A gente grita. A gente protesta. Mas tudo continua como antes no quartel de Abrantes.

 

Agora, por exemplo, quando se sabe que ou essa reforma da previdência passa ou estaremos todos no fundo do poço; quando se sabe que há 13 milhões de desempregados; quando os jornais  noticiam que  comércio e indústria estão reagindo muito vagarosamente; quando vozes clamam no deserto por mais  frugalidade, por menos gastos, por mais  sobriedade, por menos desperdício; o que faz essa elite  pertencente aos três poderes? Gasta, gasta, gasta! Sem dó nem piedade!

 

Desse jeito não tem presidente que conserte o país. Não tem partido que se saia bem (são cumplices, os partidos!)  Não tem empresário que aguente. E não tem povo que não passe apuros!

 

Some-se a essa farra, a esse rio caudaloso de vergonhas, a essas hemoptises de estultices, roubalheira, safadezas, o relaxamento do Congresso Nacional com a necessidade da reforma da previdência. Ah! Eles sabem! Todas essas excelências – deputados e senadores – sabem que a coisa está preta e que a reforma é necessária. Ou ela ou será o fim! Mas qual o quê? Se viram, se contorcem, discursam, protelam, atrasam, conspiram, tudo na esperança de que o voto lhes renda algo: um emprego para a prima da comadre da sogra do raio que o parta! Ou um cargo de prestígio para o colega que não foi eleito. Ou uma boa verba para a ponte que liga o nada a lugar algum, no município em que recebeu boa votação, em Caixa Pregos do Precipício.

 

No precipício estamos nós! Bandidaços! Corja! Safados incorrigíveis!

 

Cansaço total é o que sinto cada vez que leio jornais ou vejo na televisão a farra desses senhores.

 

Ignorantes. Atrevidos. Arrogantes – sabe com que está falando? – Salafrários. Pretenciosos. Semialfabetizados (pelo menos alguns!) Corruptos (olha a Lava Jato, cara! E se nem a lei o intimida, olha que Deus castiga!)

 

Tenho certeza que essa malta receberá castigo divino algum dia. Mesmo que a Lava Jato e outras “lavagens” não os atinjam, não poderão fugir à Justiça Divina. Tenho uma fé incrível na Justiça Divina. Resta ela, já que desacredito, hoje, infelizmente, no Supremo Tribunal Federal. Não gosto de alguns de seus ministros (opa, olha a censura!). Não aceito alguns de seus pronunciamentos (Opa, de repente vão querer me prender!) Não concordo com muito do que dizem, fazem, agem, sentenciam. (Atenção, eu não fumo. Não me levem cigarros, aceitarei chocolates e queijos franceses...).

 

Orra, meu! Que país!

 

- Foto: Divulgação.

 

*  *  *

 

Uma BR na história:

Rio-Santos, meio século atrás

O litoral cortado, hoje, pela Rio-Santos está, sim, perto do caos, principalmente nas férias e feriados prolongados. Filas nas padarias e restaurantes, falta de água, preços exorbitantes,  falta de saneamento básico,  peixes rareando...

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

02/04/2019

 

Usamos carro e barco para chegar a alguns lugares. E quando o carro não passava e o local não era atingido por barco íamos a pé. Por dentro da mata e atravessando rios.

 

Vi há tempos um capítulo da série que a Globo News fez sobre a BR 101 e alguma coisa se acendeu na minha mente. “Não fiz alguma coisa parecida há algum tempo?”

 

“Algum tempo”? Um pouco mais que “algum tempo”. Deve ter se passado quase meio século!

 

Eu e Silvio Fiorani trabalhávamos na sucursal do jornal carioca Correio da Manhã e resolvemos fazer matéria sobre as regiões onde passaria a Rio-Santos. Que depois seria parte da BR 101.

 

Procura que procura, acabei achando os originais da matéria. Papel amarelado pelo tempo, letras da Remington já muito apagadinhas, algumas laudas rasgadas, mas lá estava ela, dormindo no fundo de um arquivo.

 

O pior é o desaparecimento da cultura caiçara, intoxicada por hábitos de fora, pelas novelas, pelo turismo desenfreado e pela migração predatória. Predatória, aqui, no sentido de ter acabado com os costumes e usos caiçaras.

 

Comecei a ler e tive um prazer enorme! Os dois jovens que éramos eu e Silvio (bom, eu nem tanto! Já teria trinta e muitos...) fizemos uma reportagem excelente. Leio na abertura da série que a matéria foi feita em dez finais de semana, indo e voltando. Começamos em Santos, terminamos no Rio.

 

Não me lembrava de várias coisas. Por exemplo, uma entrevista com o primeiro professor nomeado para a Ilha do Monte do Trigo, onde estivemos durante um dia todo. Uma história sobre os índios guaranis da aldeia do Silveira, entre Boraceia e Barra do Una, narrando as desventuras do cacique Buiruçá. A beleza de uma pequena povoação chamada Mambucaba, hoje “afogada” pela gigantesca Usina Nuclear de Angra.

 

Usamos carro e barco para chegar a alguns lugares. E quando o carro não passava e o local não era atingido por barco íamos a pé. Por dentro da mata e atravessando rios.

 

Não sei o que vamos fazer com esse material, mas sei que ele é o retrato de uma região hoje atravessada pela BR 101 e que continua com alguns dos problemas apontados na matéria tendo acrescentado outros – até mais graves! - ao seu dia-a-dia.

 

A Rio-Santos há meio século.

 

Uma região lindíssima que mereceria ser mais bem tratada pelos governos durante esse quase meio século decorrido. Entrou governo, saiu governo, entrou outro governo, terminou, entrou outro, passaram-se os anos, passaram por nós dezenas de demagogos – presidentes, deputados, senadores, prefeitos, vereadores – passaram por nós alguns políticos – poucos! – bem intencionados que não conseguiram sacudir a poeira do atraso e da pouca vergonha dos demais e... Eis que a prometida estrada aí está, sim, atravessando uma das regiões mais lindas do Brasil e contribuindo generosamente para a sua degradação. O adjetivo “generosa” entra aqui como adjetivo de número e não representa nenhuma generosidade.

 

Alguns pequenos núcleos caiçaras que não tinham esgoto – só um exemplo! – hoje aumentaram sua população de modo desastroso – graças à estrada, claro – e continuam sem esgoto. Resultado: mar poluído.

 

Os mesmos pequenos núcleos também não tinham médico, era preciso andar de canoa ou a pé para procurar socorro. Hoje têm centros de saúde mal equipados e sem condições de atender a explosão populacional.

 

Atravessando um rio entre Ubatuba e Parati, com guia.

 

Empregos aumentaram, mas como a população hoje é imensa são insuficientes. Mais: ninguém se lembrou de preparar mão de obra especializada. Dado complicador é que a migração do nordeste e de Minas Gerais foi grande, o migrante procura melhores condições de vida e chega ao litoral de São Paulo ou do Rio para se deparar com diferença insatisfatória entre seu lugar pouco desenvolvido e o novo lugar, dotado de progresso desordenado e caótico.

 

O litoral cortado, hoje, pela Rio-Santos está, sim, perto do caos, principalmente nas férias e feriados prolongados. Filas nas padarias e restaurantes, falta de água, preços exorbitantes, falta de saneamento básico (raras as praias que o possuem),  peixes rareando (chegam a ser importados de Santos ou de Santa Catarina), praias lotadésimas,  trânsito insuportável, barulho  de boites infernais durante a noite, falta de empregos, construções irregulares dos muito ricos e favelas dos pobres, escolas   insuficientes e professores desanimados e mal tratados pelos alunos, tudo junto e misturado.

 

Mas o pior é o desaparecimento da cultura caiçara, intoxicada por hábitos de fora, pelas novelas, pelo turismo desenfreado e pela migração predatória. Predatória, aqui, no sentido de ter acabado com os costumes e usos caiçaras.

 

Picinguaba, há 50 anos.

 

Não tem mais caiçara falando “arrelá que hoje matei muito peixe”. Nem explicando que “Som Sebastion fica despois da serra.”  Nem lembrando da roça de mandioca e do forno de farinha e muito menos do café com garapa. Muito poucos ainda vão em busca das redes de espera e cadê pescador sentado em frente da casa remendando sua rede?  Cadê a artesã tecendo taboa para fazer tapetes? Tudo isso está desaparecendo na velocidade de um jato.

 

Mas alguns anos e, se ninguém fizer nada, adeus cultura caiçara.

 

Vai ficar na lembrança.

 

Silvio Fiorani, entrevista num boteco na estrada.

 

Escrevi um romance chamado “Endiabrado Vento” que trata disso. Não. Não é sobre a estrada Rio-Santos. É sobre um arrabalde do litoral que foi se deteriorando à medida que a estrada avançava.

 

Vocês podem encontrá-lo na http://www.amazon.com.br. Depois que abrir a página da Kindle, clique meu nome lá no alto e você o encontrará. Custa R$7,50 para baixar o texto no seu computador ou celular. Leia e depois me diga o que achou. Louca para saber a sua opinião!

 

- Fotos: Divulgação.

 

*  *  *

 

Leitura:

Tenho pena. É isso.

Uma pesquisa de 2018, “Retratos de Leitura no Brasil”, afirma que a alfabetização subiu em 2001 de 61% para 73%, mas que apenas um em cada quatro brasileiros domina a leitura ou a escrita.

  

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

10/03/2019

 

Saio do Google e fico pensando que se as pesquisas não são absolutamente confiáveis, a prática nos diz que sim: o brasileiro lê pouquíssimo!

 

Acho tão triste que não tenho vontade de escrever sobre isso. Mas acho que devo. Então, vamos lá. Enquanto milhares de criaturas, no Brasil, compram (ou compravam?) discos, CDs e congêneres; enquanto praticamente todo brasileiro tem  celular e tuita besteiras (até  o presidente faz isso!) ou leem  no face e no twiter o que não é necessário; enquanto tem gente que passa quatro ou cinco horas por dia em frente à tevê vendo bobagens como esse lamentável “big brother”; enquanto milhares passeiam nos shoppings  vendo vitrinas; enquanto outros milhares aprendem com facilidade  bailar (bailar?) raps, funks et caterva; sabe-se pelas estatísticas que apenas 56% dos brasileiros leem livros.

 

Fico meio desconfiada das estatísticas, vou ao Google e tento tomar notas de alguns dados. Um artigo afirma que o brasileiro lê apenas 2.43 livros por ano. Os norte-americanos leem 11 livros por ano e os franceses 7.  Uma pesquisa de 2018, “Retratos de Leitura no Brasil”, afirma que a alfabetização subiu em 2001 de 61% para 73%, mas que apenas um em cada quatro brasileiros domina a leitura ou a escrita.

 

Continuo, desanimada e triste: estatísticas de 2018 afirmam que apenas 44% da população brasileira lê e que 30% nunca comprou um livro.

 

Desanimo com a discrepância entre números de leitores: 44% numa pesquisa, 56% em outra. Saio do Google e fico pensando que se as pesquisas não são absolutamente confiáveis, a prática nos diz que sim: o brasileiro lê pouquíssimo!

 

Minha tristeza com isso é profunda!

 

Uma pena esse monte de brasileiros despreparados e infelizes – que além de não ler não tem educação, não tem saúde, não tem segurança – não poderem se deleitar com o prazer infinito da leitura.

 

Por que motivo ler é tão bom? Porque a leitura nos faz conhecer personagens novos e reconhecer, nas letrinhas, outros que estão muito perto de nós. Às vezes, até personagem em que nos adivinhamos. A leitura nos faz viajar para outras cidades, aldeias, desertos, florestas, campos, mares e países que nunca visitamos.

 

A leitura nos faz mais inteligentes, mais precisos, mais confiantes, mais dispostos a trocar ideias.

 

A leitura nos fala de belezas que pressentimos e das quais nunca estivemos perto. A leitura nos leva a culturas do presente e do passado, às guerras da Idade Média e aos usos renascentistas. Os livros nos contam o que pensavam gregos e romanos, celtas, egípcios, vikings, godos e visigodos. A leitura nos envolve numa teia de surpresas. A leitura nos conecta com outras realidades. Livros nos fazem pensar, ter vontade de saber mais, de aprender mais sobre o que nos ensinaram e de pesquisar sobre o que nunca soubemos. A leitura nos faz mais inteligentes, mais precisos, mais confiantes, mais dispostos a trocar ideias. E, entre muitas coisas ainda por dizer, os livros nos fazem, por algumas horas, escapar da realidade em que vivemos, nem sempre mansa e cordial. Ler, portanto, é, além de tudo, higiene mental.

 

Então, por que o brasileiro não lê?

 

Aí entraríamos num assunto que daria uma tese. Ou muitas teses. Falta de educação. Uma educação que deveria ter sido dada e nunca o foi. Faltou dinheiro (políticos vêm roubando há muitos e muitos anos!) Faltou competência. Faltou inteligência. E principalmente faltou vontade. As pessoas que nos têm governado nunca se importaram em aumentar a educação da população

 

Sairemos dessa indigência cultural algum dia?

 

É por essas e por outras que comecei esta crônica dizendo que acho esse assunto muito triste.

 

E sinto não apenas como jornalista e escritora, puxando a brasa para a minha sardinha.  Sinto, principalmente, por que essas pessoas que não leem, esses brasileiros que nunca compraram livros não sabem como essa pratica é boa, relaxante, absorvente, absolutamente maravilhosa. Para a mente e para a alma.

 

Tenho pena. É isso.

 

- Fotos: Divulgação.

 

*  *  *

 

Aventura no ar:

Voar em balões? Nem morta!

Eu nunca vira balão nenhum, era o primeiro da minha vida. Quando cheguei Truffi, muito simpático, estava com seus funcionários enchendo o balão de ar quente, com uma espécie de maçarico.

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

13/02/2019 

 

A reportagem enfatizou que a dona da Roselândia foi a primeira brasileira a subir num balão. E eu muito firme ali em baixo, de pés bem plantados no chão.

 

Minha sobrinha Raquel e o marido, Gabriel, foram num domingo destes voar de balão em Boituva, interior de São Paulo. Mandaram fotos lindas pelo WhatsApp.

 

Minha resposta foi curta e seca: “Eu, nem morta!”. E me lembrei de um episódio acontecido na Roselândia, em Cotia. Vivia em São Paulo um industrial chamado Victorio Truffi cujo hobby era fazer e voar em balões. Meus amigos da Roselândia, Arno e sua prima Vera Boettcher me convidaram para ir um dia até lá, fazer reportagem de um voo de balão que aconteceria durante uma festa. O balão sairia do roseiral e logo achei que daria uma boa matéria.

 

O balão era enorme, o maior que eu já vira. Minto! Eu nunca vira balão nenhum, era o primeiro da minha vida. Quando cheguei Truffi, muito simpático, estava com seus funcionários enchendo o balão de ar quente, com uma espécie de maçarico. Acho que era isso. Aconteceu na década de 70 e a distância encobre detalhes.

 

Havia um verdadeiro exército em torno do balão: uns seguravam o maçarico, outros seguravam as cordas que prendiam o balão, outros ajudavam fazendo sei lá mais o quê. Era muita gente.

 

Truffi parou o que fazia para me dar a entrevista. E perguntou:

 

- Quer subir? Sua reportagem vai ficar ótima, você será a primeira mulher brasileira a voar num balão...

 

-Eu?

 

E repeti o que disse no WhatsApp para minha sobrinha:

 

- Nem morta!

 

Como mulher a bordo enriqueceria a matéria, insisti com a Verinha Boettcher para subir, ela mesma. E fiquei em baixo, fazendo a matéria. A reportagem enfatizou que a dona da Roselândia foi a primeira brasileira a subir num balão. E eu muito firme ali em baixo, de pés bem plantados no chão.

 

 

Tenho amigos que voaram de balão na Turquia e voltaram maravilhados.  Sei de muita gente que também tem ido a Boituva para voar e todos dizem que a sensação é maravilhosa.  Acredito que seja. Acho os balões lindos, voando silenciosos pelo céu azul. Gosto muito de vê-los. Subir neles é outra coisa.

 

Falando em Victorio Truffi, ele teria naquela época, talvez, seus cinquenta e poucos anos, era bem falante, simpático e apaixonado por balões. Contou que desde menino tinha mania por eles e um dia construiu um, esquentou o ar para fazê-lo subir e colocou um gato de passageiro. Levou uma surra da mãe por que o pobre do gato saiu chamuscado da aventura, com o pelo todo queimado pelas chamas.

 

A surra não acabou com seu amor pelos balões. Foi aos Estados Unidos para aprender a técnica de construção, tomou aulas de navegação desses artefatos voadores, construiu seu primeiro balão, conseguiu licença para voar e dar aulas de pilotagem, se apresentava em eventos e chegou a ter dezesseis balões, de diversos tamanhos. Abandonou o hobby quando um incêndio acabou com todos os seus balões.

 

Dizem que quem vai à Turquia não deve deixar de ir à Capadócia. E quem vai à Capadócia, lugar belíssimo, não pode deixar de voar em balões. Nunca fui à Turquia, ainda tenho esperanças de ir. Voar em balões? Será?

 

Minha avó costumava dizer que nunca se deve dizer “desta água não beberei”, podemos ser desmentidos. De todo o jeito voar em balões está fora dos meus planos. Sei que os planos da gente, às vezes, mudam. Não creio que possa acontecer comigo.

 

- Fotos: Divulgação.

 

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São Paulo:

Feliz aniversário, cidade!

Das capela e escola surgiu um aldeamento, do aldeamento uma vila, da vila uma cidade que cresceu para os lados e para o alto, avançou em rios, derrubou florestas, expulsou índios e animais selvagens.

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

23/01/2019 

 

São Paulo é difícil, sim. Difícil para quem está no trânsito e se vê cercado por todos os lados por motos zumbidoras. São Paulo é difícil para quem fica horas no transporte público e chega em casa exausto.

 

Quando Anchieta construiu uma capelinha e uma escola no planalto de Piratininga jamais adivinharia – embora santo que fosse – que aquelas construçõezinhas humildes dariam início à maior cidade da América Latina.

 

Das capela e escola surgiu um aldeamento, do aldeamento uma vila, da vila uma cidade que cresceu para os lados e para o alto, avançou em rios, derrubou florestas, expulsou índios e animais selvagens. E um dia se tornou tão grande  que poluiu os céus com o que saia das chaminés das fábricas, depois poluiu mais ainda com o monóxido de carbono expelido por automóveis, mais tarde poluiu riachos e rios caudalosos com esgoto e detritos de toda a sorte, não tardou em quebrar  o silêncio dos campos e matas com  barulho de motores, de sirenes, de buzinas, de pneus em disparadas e brecadas e um dia  estuporou ouvidos mais civilizados com música  que não é música e  com gritos de socorro.

 

São Paulo da garoa que não tem mais garoa, eu te amo e te lamento. A culpa de tudo é de quem te habitou e te habita. Mas principalmente a culpa é dos políticos, governantes que não têm vergonha nem decência e que deixaram que chegasses a isso, não educaram teus filhos, não mandaram para a escola todos – todos! – os paulistanos, não cuidaram de tuas ruas, não deram atenção às tuas praças e parques.  Avançaram no terreno sagrado percorrido há milênios pelos teus rios. Sufocaram tuas nascentes. Derrubaram tuas casas lindas para fazerem avenidas e construírem prédios nem sempre lindos. A culpa é dos teus filhos que – assim como os governantes – não te respeitam.

 

Sim, não te respeitam, cidade de São Paulo!

 

Nem por isso – ou até por isso – te amo muito, cidade onde nasci e onde vivo e para onde volto sempre, embora imprecando contra tuas difíceis formas de ser.

 

 

São Paulo é difícil, sim. Difícil para quem está no trânsito e se vê cercado por todos os lados por motos zumbidoras. São Paulo é difícil para quem fica horas no transporte público e chega em casa exausto. São Paulo é difícil para quem trabalha construindo seus muitos edifícios. São Paulo é difícil para as mães que procuram escolas e creches, para as mulheres que apanham dos maridos e têm poucas delegacias abertas durante a noite ou gente paciente para ouvi-las durante o dia. São Paulo é difícil para as crianças que estudam com inadequados currículos e em escolas mal construídas, calorentas, sujas. São Paulo é difícil para os professores que ganham miséria e não conseguem se reciclar. São Paulo é difícil para quem procura as farmácias e encontra remédios pela hora da morte. São Paulo é difícil nos corredores de hospitais, nos prontos-socorros, nas creches, nos asilos.

 

 

São Paulo é difícil para os que dormem nas ruas, consomem drogas, são atropelados, mortos, seviciados e sofrem violências de todos os tipos.


São Paulo é difícil para quem é assaltado, esfaqueado, lesionado por bandidos. Bandidos que saem das prisões em feriados e que não merecem essa praxe. Bandidos que matam os pais - só um exemplo! – e têm direito à saída nos Dia dos Pais.

 

Não é tua culpa, cidade! Nada disso é tua culpa! Já disse lá em cima: a culpa é de quem te governou e te governa, uma gente que não gosta de ti, cidade! Te despreza, mas te usa: pelo poder e pela grana. Quem te governa não gosta de ti! Alguma dúvida?  Se gostassem te tratavam melhor.

 

Com tudo isso, e talvez por isso, te amo muito, cidade minha, cidade onde nasci e de onde não pretendo sair. Só ameaço.  

 

Cidade linda! Amorosa. Amiga de forasteiros. Atrai e recebe de braços abertos quem vem de fora. Cidade que ainda tem parques e árvores bonitas. Que floresce na primavera e acinzenta-se no inverno.  Que ainda tem beija flores, sanhaços, periquitos, canarinhos, pássaros pretos, sabiás, tico ticos, bem-te-vis, corujas, gaviões. Que deixa capivaras se reproduzirem às margens do rio Pinheiros (quase atropelei uma, dia desses!), que tem saguis bagunçando árvores nos parques e garças brancas no Ibirapuera. E paturis mergulhando em lagoas. Andorinhas chegando de voos distantes.

 

 

Cidade de teatros e de museus. (Alguns também maltratados). Cidade das oportunidades culturais. Das universidades. Das livrarias. E do belo Teatro Municipal, que agora abre as portas – ou os porões? – para que o paulistano conheça também suas entranhas.

 

Cidade bipolar, linda de um lado, feia de outro. Alegre numa banda, amarga na outra. Brilhante numa zona, cinzenta na seguinte. Onde chove na zona leste e faz sol na zona sul.

 

Cidade do Padre Anchieta e de todos nós. Cidade de migrantes nordestinos e de povos do mundo todo. Cidade onde o descendente de árabe adora sushi e o nisei gosta de macarronada. Cidade onde o judeu é vizinho bem-disposto do muçulmano. Onde o chinês vende pastel e caldo de cana para criaturas de olhos azuis. Onde o nordestino saboreia einsbein e o alemão adora carne de sol. Onde tudo é junto e misturado e tomara que continue assim. Assim é bom! Assim eu gosto!

 

Feliz aniversário, cidade! Deus te proteja! E nos proteja junto contigo que o perigo, por aqui, é grande!

 

- Fotos: Arquivo da autora.

 

*  *  *

 

Politizando:

Prezado Deus: volte a ser brasileiro!

Temos algumas reformas a serem feitas – importantes, do contrário o país quebra, como já estão quebrados alguns Estados – e não acredito que a maioria dos deputados e senadores ficará satisfeita em votar com o governo sem contrapartida.

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

09/01/2019 

 

Agir e participar é uma bela forma de viver, digam o que quiserem os mal-humorados e os pessimistas. Vou morrer velhinha e de bengala – se Deus quiser e ajudar - gritando contra as coisas que não estão certas.

 

Acabamos de passar por uma eleição e eu tenho que confessar uma coisa. Adoro eleição!

 

Difícil conter a alegria quando, em vésperas de eleição, vejo bandeiras de partidos e carros enfeitados. No dia, da eleição meu prazer é ver a movimentação de eleitores na porta dos locais de votação. Acho lindo!

 

A democracia é uma coisa linda! E nada melhor para se respirar democracia do que um dia de eleição. Sinto um friozinho no estômago e arrepios na coluna.

 

Bom. Sou um animal político. Fiz política em faculdade, fiz política em sindicato, faço política na vida. Se você levanta pela manhã e diz bom dia à primeira pessoa que encontra já está fazendo política. E sou da opinião que não basta o bom dia, é preciso ir mais fundo, fazer política constantemente, reivindicando, lutando, apontando erros e acertos, batendo palmas, apoiando ou colocando o dedo na ferida. Dizendo o que a gente pensa, defendendo o meio ambiente, o bairro em que a gente vive, a cidade onde a gente mora. Agindo, enfim. Participando.

 

Agir e participar é uma bela forma de viver, digam o que quiserem os mal-humorados e os pessimistas. Vou morrer velhinha e de bengala – se Deus quiser e ajudar - gritando contra as coisas que não estão certas, reivindicando meus direitos como cidadã e fazendo campanhas para candidatos que eu acho que merecem apoio. 

 

Construí minha casa no litoral norte de São Paulo e logo fundamos a associação de bairro. Lutei na linha de frente durante quarenta anos. Houve causas ganhas, outras perdidas, houve brigas homéricas e até ameaças de morte. Ganhei um monte de inimigos, mas o número de amigos foi muito maior. Só abandonei a luta lá em baixo quando percebi que minha saúde e meu bem-estar estavam começando a ficar muito prejudicados. A desenfreada especulação imobiliária, aliada a vereadores de categoria baixíssima – alguns analfabetos de carteirinha! –  e a prefeitos despreparados, amorais e defensores de si mesmos tornou o local insuportável. Sim, houve algumas exceções. Poucas.

 

De qualquer forma continuo a luta. Desabafo no Facebook, escrevo cartas para jornais, protesto, vou a passeatas, bato panelas! E como! Se me perguntarem o porquê de tudo isso acho que responderia:  por que democracia e liberdade de opinião é lindo! Falo com conhecimento de causa, passei por duas ditaduras: a de Getúlio, quando eu era menina (mas já sabia das coisas!) e a “redentora”.

 

Agora estamos começando um governo novo. A contragosto, anulei meu voto. Não iria votar naquele senhor que representaria a volta da corrupção desenfreada, do empreguismo de amigos do partido e da incompetência. E também não tive coragem de votar no que foi eleito, assustada com algumas de suas expressões e a total inexperiência para o exercício de cargo executivo.

 

Nem por isso vou deixar de torcer para dar certo.

 

Quem tem que entrar na dança são vereadores e prefeitos, a cidade é nossa e temos que exigir transparência, honestidade de princípios, trabalho sério, compromisso.

 

Acho que o principal problema que o presidente terá é o “toma-lá-dá-cá” ou, se for verdade o que prometeu, a ausência do “toma-lá-dá-cá”. Alguns ratos de Brasília estão acostumados a ser alimentados com bom queijo. Irão ficar tranquilos sem a ração de luxo? Ou farão alguma greve – de fome garanto que não será! – para que a ração volte a ser distribuída?

 

Temos algumas reformas a serem feitas – importantes, do contrário o país quebra, como já estão quebrados alguns Estados – e não acredito que a maioria dos deputados e senadores ficará satisfeita em votar com o governo sem contrapartida.

 

Triste, isso? Muito!

 

Mas o pior é que as grandes reformas – a da moralidade e da honestidade – só será feita de baixo para cima. É na família que a reforma tem que começar: não mentir, não matar, não quebrar compromissos, não enganar, não roubar, não “colar” nas provas e por aí vai.

 

Depois da reforma familiar, quem tem que entrar na dança são vereadores e prefeitos, a cidade é nossa e temos que exigir transparência, honestidade de princípios, trabalho sério, compromisso.

 

Um cidadão bem formado dentro de casa será um vereador honesto, um homem de negócios sério, um pai de família honrado, um profissional correto.

 

Mas estamos tão longe disso que dá medo! Enfim, veremos. O certo é que tenho mais medo dos ratos do congresso do que de um presidente inexperiente e sem muita informação.

 

Deus nos proteja! Por aqui iremos fazendo força para que as coisas corram de forma desejada. Eu, pelo menos, não desisto. Só peço ao querido Deus que volte a ser brasileiro.

 

- Fotos: Divulgação.

 

*  *  *

 

Festividades:

Mudou o Natal ou mudei eu? 

Depois que a gente passa dos 80 os Natais são difíceis. Principalmente para quem teve natais maravilhosos.

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

17/12/2018 

 

Nunca se esquecia o aniversariante do dia. Ele era levado para a mesa conosco, ficava nos olhando com aquela carinha bonita que o pintor tinha escolhido para ele.

 

Quando criança eu morava numa casa enorme na av. Celso Garcia. Era uma chácara, tinha pomar, parreiras, caramanchões, até uma oliveira. Ao que me lembre, certa vez deu uma única azeitoninha, preta e enrugada... Tínhamos cachorros e um carneiro. Que brincava de “pegador” conosco. Os Natais eram alegres, ruidosos, quatro filhos, tios e tias, agregados como um alemão chamado Retzel – fora contador e era amigo do meu pai – a quem se dava a incumbência de abrir as garrafas de champanha. Ou como o dentista da família, o dr. Barreto.  Brinquedos em torno da árvore, aos montões. Alegria com a chegada de Papai Noel, que nunca era visto. Mas um dia garanti a todos que tinha visto um tantinho da capa vermelha dele.

 

Presépio enorme e minha avó mandando que fossemos buscar musgo verde no muro do quintal para “atapetar” a cena do presépio.

 

Mais tarde, Natais na rua Frederico Steidel  e na av. Pacaembu,  mesa de jantar era unida com outra, todos com lugar garantido, toalha da Ilha da Madeira, louça para dias de festa,  o Menino Jesus  de roupinha azul  no centro da mesa, tios e tias, primos, novas crianças na família – os dois sobrinhos -  árvore de Natal e presentes,  peru assado feito pela minha avó (depois pela minha mãe, em seguida por mim)  e o sufoco para tirá-lo do forno, era um bitelão de cinco quilos, com as farofas acabava pesando sete.

 

Era bom demais! Não o perú – ele também! – mas a atmosfera de alegria na casa.

 

Nunca se esquecia o aniversariante do dia. Ele era levado para a mesa conosco, ficava nos olhando com aquela carinha bonita que o pintor tinha escolhido para ele. Era do tamanho de uma grande mão aberta e tinha os braços estendidos para os comensais. Lindo!

 

Jornalista que era – e repórter! – faltei algumas vezes ao almoço de Natal e isso, para mim, era doído. Mas o serviço falava mais alto.

 

Outra vez faltei por estar na Europa, mais precisamente em Folgosa da Maia, Portugal, na Casa do Conde, acolhedora mansão de dois séculos que me recebeu e acalentou durante meses. Estava muito frio nesse Natal de 1957, tínhamos ido à missa do Galo, os sinos das igrejas tocavam e se ouviam foguetes (em não se conhece esse termo, são apenas fogos) nas aldeias da vizinhança. Contaram-me que a aldeia que prolongasse os fogos por mais tempo seria considerada vencedora na saudação ao Menino que nascia.

 

Aos poucos os Natais foram minguando. Os Natais, não, as festas que o comemoravam. A avó foi embora primeiro. Depois mãe, pai, irmão, tias e tios. Saudade imensa quando chegava, outra vez, o Natal.

 

E a comercialização da data aumentando, papais em profusão aparecendo em roupa de neve no verão ardente brasileiro, shoppings enfeitados, luzes enfeitando as ruas, os jardins, as casas, presentes para todos e... E o Menino? Quem se lembra hoje dele?

 

Impossível deixar de lembrar um poema de Machado de Assis, que termina com a indagação: “Mudou o Natal ou mudei eu?”

 

Um homem – era aquela noite amiga

Noite cristã, berço do Nazareno –

Ao relembrar os dias de pequeno

E a viva dança e a lépida cantiga

 

Quis transportar ao verso doce e ameno

As sensações da sua idade antiga

Naquela mesma velha noite amiga

Noite cristã, berço do Nazareno.

 

Escolheu o soneto... A folha branca

Pede-lhe inspiração, mas, frouxa e manca

A pena não acode ao gesto seu.

 

E em vão lutando contra o metro adverso

Só lhe saiu este pequeno verso:

“Mudaria o Natal ou mudei eu?”

 

As duas coisas. Mudei, sim. Tenho dores de saudade e não me canso de lembrar os que já se foram. Felizmente novos seres ajudam a tornar a dor da ausência suportável. A família tem hoje gente nova e linda.  E mudou o Natal, esse, agora, altamente comercializado, tecnológico, objeto de marketing, o Menino esquecido, deixado pra lá, Papai Noel ganhando a parada, as luzes de enfeite alegrando as gentes e o Menino quietinho no Presépio. Quando há presépio.

 

Na minha casa, tem.

 

Na minha casa o Menino faz anos.

 

- Foto: Divulgação.

 

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Arrumação/desarrumação:

Quero mais!

É uma reforma radical. Mexendo no arquivo, jogando coisas fora, refazendo pastas, montando outras, despejando conteúdo de gavetas no chão para ver o que presta, o que deve ser arquivado, o que pode ir para o lixo.

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

06/12/2018 

 

Exemplar de A Gazeta (S. Paulo) em novembro e 1958 trazia Cecília Meireles afirmando: "Nunca se filiem a nenhuma escola literária: escola é prisão".

 

Estou arrumando o escritório. Não é uma arrumação normal, dessas de passar um pano, tirar a poeira, arrumar os livros de um jeito ou de outro. É uma reforma radical. Mexendo no arquivo, jogando coisas fora, refazendo pastas, montando outras, despejando conteúdo de gavetas no chão para ver o que presta, o que deve ser arquivado, o que pode ir para o lixo. Estou nessa faina há uma semana!

 

Já retirei lotes – talvez melhor dizer quilos – de papelada inútil, de velhos cds que não servem mais, de contas de luz, água e telefone de anos pretéritos, de documentos de bancos, de cartas velhas não significativas.

 

A Gazeta, fevereiro de 1955: Lygia Fagundes Teles foi destaque com o seu romance "Ciranda de Pedra".

 

Mas o bom da história é que têm saltado das minhas gavetas e das minhas pastas Lygia Fagundes Telles falando de seu primeiro romance, Cecília Meirelles (linda!) dizendo que “filiar-se a uma escola literária é prisão”, Fernanda Montenegro pintada de preto fazendo teatro infantil (olha só!), Cacilda Becker reformando o Teatro Leopoldo Froes, Eva Wilma pintando os bancos do Teatro de Arena na época da inauguração, um artigo meu pela morte de José Renato (fundador do Teatro de Arena, descobridor de talentos, diretor, professor, ator -  que falta faz esse homem!), Cristiane Torloni num bercinho, embalada pela mãe Monah Delacy, Maria Della Costa falando que vai inaugurar um teatro na rua Paim,  Jean Lous Barrault me dizendo, em Paris, que quer voltar – agora! – ao Brasil, a filha de Guerra Junqueiro falando comigo no Porto e me mostrando poemas que o pai fez para ela. Olha um deles: Filha, quando sorris, iluminas a casa/dum celeste esplendor. A alegria é na infância o que na ave é asa e perfume na flor. Ó, Dourada alegria! Ó, virgindade santa do sorriso infantil! Quando o teu lábio ri, filha, a minha alma canta todo o poema de abril!”

 

Manchete da inauguração do Teatro de Arena.

 

E nessa desarrumação/arrumação/bagunça/caos, vou descobrindo que não tive/tenho uma vida normal. Conheci e privei com gente talentosa; aprendi muito aqui e ali; tenho amigos loucos e nos auto intitulamos “os canalhas”; tenho amiga de ginásio que encontrei pela internet, a Fernanda Imparato Piocchi; tenho amigo de adolescência, o Zé Maria de Oliveira -  que me encontrou pelo Facebook; tenho  quatro sobrinhas-netas lindas que gostam de mim e um sobrinho bisneto – o Jairo – que é uma graça; tenho família e amigos, muitos;  publiquei livros, escrevi em jornais revistas, trabalhei em rádio e em televisão; ajudei a criar a Sociedade Amigos de Juquehy (lotes de documentos saltaram de gavetas e tenho que encaminhá-los a quem de direito) e lutei pelo bairro durante 40 anos; implantei a Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de São Sebastião, escrevi peças de teatro;  tenho um blog – ufa! – e ainda pretendo, aos 87 anos, fazer mais, conhecer mais gente, aprender mais, ler mais, viajar mais.

 

Recordações significativas pregadas nas paredes do tempo.

 

Recortes de jornais espalhados pelo chão, livros ainda não lidos, revistas que guardei – por que será? Fotos lindas de viagens – acho que antigamente eu fotografava melhor. Ou será que o equipamento, a minha Rolley, é que era melhor? E a saudade apertando ao ver fotos antigas, amigos que já não estão mais aqui, monumentos que vi e chorei – aconteceu na Acrópole – pedaços de vida, lascas de passado, belezas com as quais  meus olhos se encantaram e chaves de portas que se perderam – as portas, sei lá quais! – e nacos de dias felizes, outros nem tanto!

 

Parte da minha arrumação/desarrumação.

 

Dizem os japoneses que nos últimos dias do ano é preciso fazer limpeza na casa, jogar fora o que não presta, guardar o que tem valor.

 

É o que estou fazendo e apesar do cansaço isso tem me feito feliz. Tem me provado que a vida me deu muito!

 

Agradeço. Só agradeço. Agradeço muito! Lógico que agradeço!

 

Mas quero mais!

 

- Fotos: Arquivos de Regina Helena de Paiva Ramos.

 

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Novo governo:

Muita calma nesta hora

Com calma, analisemos o momento: eleições terminadas, Bolsonaro venceu. Era o meu candidato? Não. O outro, muito menos.

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

11/11/2018 

 

O que Bolívar desejava para a América Latina está muito longe do que acontece hoje na Venezuela. Sem democracia, sem rumo, sem comida...

 

Com calma, analisemos o momento: eleições terminadas, Bolsonaro venceu. Era o meu candidato? Não. O outro, muito menos. Não servia, foi o pior prefeito que São Paulo já teve e pertence à seita petista. O PT não é um partido. É uma religião.

 

É preciso respeitar as crenças políticas, religiosas, futebolísticas. Por isso mesmo respeito alguns religiosos petistas. Mas não respeito o PT. Um partido que tinha tudo para dar certo, para levar o país para frente e para o alto mas... Foi se retorcendo, se transfigurando, se atolando na perversidade, se corrompendo e nunca, em tempo algum, teve a humildade de fazer um “mea culpa”.

 

A autocritica esteve nos fundamentos marxistas e era praticada nos partidos comunistas. Pesada, violenta, brutal, “acabava” com o indivíduo, despersonalizava quem, na visão do partido, errara. Tive a honra de conhecer e conversar algumas vezes com o grande jornalista Oswaldo Peralva, importante dentro do Partido Comunista do Brasil – o antigo Partidão - do qual se desligou em 1957, sendo execrado pelos que ficaram. Peralva foi treinado em Moscou, morou em Bucareste dirigindo o jornal oficial do Kominform. Dirigiu, também, o jornal do PCB no Rio e traça no livro “O Retrato” tudo o que viu, soube e sofreu dentro do partido. Recomendo esse livro intensamente a quem quiser conhecer melhor o comunismo. E, principalmente, os velhos comunistas brasileiros, como Prestes.

 

Em conversas com Peralva – que me foi apresentado pelo jornalista Ewaldo Dantas Ferreira – fiquei horrorizada ao saber das autocríticas exigidas pelo partido. Destroçavam o cidadão na era stalinista!

 

Depois disso os principais partidos comunistas do mundo fizeram. Também, suas autocríticas em relação a Stalin e a Mao Tsé Tung. Mas antes disso expulsaram e perseguiram Trotsky por se opor a Stalin. O velho comunista foi assassinado no México a mando de Stalin. Outro livro excelente que aconselho é “O Homem que gostava de cães”, de Leonardo Pagura, que conta a trajetória de Leon Trotski e de seu perseguidor. Melhor que qualquer livro policial!

 

Não espero do PT um “mea-culpa” stalinista, daqueles brutais. Nem seria cristão da minha parte. Mas uma autocritica sensata, verdadeira, criteriosa, isso deveriam fazer se não quiserem acabar no lixo da história.

 

Não fazem por quê? Por soberba. São os melhores. Lula é o seu Deus e está sendo sacrificado no altar do imperialismo e das “zelites”.

 

Por causa da soberba petista e pelo esquerdismo ultrapassado e caquético não poderia votar no candidato deles.

 

Bolsonaro, por sua vez, me assustava. Pouco ilustrado, limitado culturalmente e com um passado cheio de frases perigosas e ultrapassadas, arroubos insensatos e um jeito de general Figueiredo, aquele do “prendo e arrebento”.

 

Mas, agora o homem foi eleito.

 

Torço, com todas as minhas forças, para que ele acerte. Não farei e acho que ninguém deve fazer oposição tipo jogar casca de banana para que o presidente se estatele no chão. Li um excelente artigo de Fernando Gabeira em que dizia mais ou menos isto: “Bolsonaro vai nos dar muito trabalho, mas temos que levar o país adiante”. Não eram bem essas palavras, mas, o sentido era o mesmo. 

 

A expectativa do outro lado do balcão, Haddad vencendo, era muito pior: seria dada novamente a partida rumo ao socialismo bolivariano, essa falácia encontrada por Lula, Fidel, Chavez, Correa e o velhinho simpático lá no Uruguai. Fora Maduro, que saboreia lagostas na Europa enquanto os venezuelanos passam fome.

 

O venezuelano Simón Bolívar.

 

A palavra “bolivarismo” foi “criada” por políticos latinos para fazer fumegar o nacionalismo sul americano. Quer dizer o quê? Quem era Simón Bolívar? Um venezuelano de origem nobre, corajoso, idealista, guerreiro, valente, queria a América Latina livre dos colonizadores espanhóis, unida, com igualdade e fraternidade. Lutou e conseguiu a liberdade da Venezuela, da Colômbia, do Peru, do Equador, do Panamá, da Bolívia. Uma de suas frases: “Somente a democracia é suscetível de uma liberdade absoluta”. Era um liberal.

 

O que Bolívar desejava para a América Latina está muito longe do que acontece hoje na Venezuela. Sem democracia (Lula acha o contrário, diz que lá existe excesso de democracia!), sem rumo, sem comida, sem papel higiênico, sem remédios, escolas e hospitais funcionando precariamente, economia destroçada, violência nas ruas e um salário mínimo que dá apenas para comprar seis pães de forma. Liberdade? Cadê? O socialismo chamado bolivariano é adepto do pensamento único, do partido único, da polícia matando quem protesta, de cadeia para oposição.

 

Isso é bolivarianismo? Parem de insultar Simón Bolívar!

 

Comecei escrevendo sobre eleições e a vitória de Bolsonaro, refleti que temos que ajuda-lo a caminhar, passei pelas autocriticas tenebrosas que ouvi contar a Oswaldo Peralva, conclui que o PT não faz mea culpa por soberba e falta de pés no chão e acabo pedindo a Bolivar, El Libertador, que desculpe essa gente tosca e sem informação: “General, eles só  conhecem vultos históricos por ouvir falar. “D’orecchia”, como dizem os italianos. Ignoram sua história e seus feitos como desconhecem Marx e sua dialética. Muitos nunca leram um livro, quanto mais História! E usam seu nome não para libertar as nações sul-americanas da opressão, do atraso e da fome. Mas para se locupletarem no poder. São todos ricos e comedores de lagosta! Os que ainda não foram presos”.

 

- Fotos: Divulgação.

 

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Folclore:

Santa curiosidade

Ampliei meu saber folclórico e quando viajava pelo Brasil só queria saber de Reisado, Chegança de Marujo, Frevo, Boi Bumbá, Boi de Mamão, Caboclinhos, Maracatu, Cacumbi, Pastoris, Chimarrita, Dança de Tapuios. 

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

20/10/2018 

 

Tradicional Roda de Congado em Itaúna-MG, o grupo centenário comemora os festejos sempre em meados do mês de agosto.

 

Cheguei à redação de A Gazeta em 1954, depois de trabalhar um ano e alguns meses no Jornal O Tempo. Recém formada na Cásper Líbero, 24 fresquíssimos anos e muita vontade de aprender coisas novas. A redação - entre repórteres, redatores, editores (que naquele tempo se chamavam “secretários”) e colaboradores tinha cerca de uma centena de pessoas. Dentre os redatores, um que eu espiava de longe sem muita coragem de me aproximar. Era Rossini Tavares de Lima, professor de História da Música no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, estudioso e pesquisador de folclore, tinha sido amigo de Mário de Andrade. Eu queria me aproximar dele e saber tudo sobre folclore e não sabia por onde começar. Um dia tive coragem, cheguei, gaguejante: “Professor, qual a melhor definição de folclore?”.

 

A frase deu início a uma amizade enorme e Rossini me adotou como pupila. Pupila de folclore. Jornalismo não era a praia dele, eu acho. Estava lá nem sei bem por que razão. Mas entendia tudo de folclore e estava montando o Museu do Folclore, no Ibirapuera – sei lá que fim levou esse museu, era fantástico! Sumiu do mapa da cidade.

 

Rossini gostava de viajar para ver manifestações folclóricas pelo interior do Estado e na periferia da cidade. E me convidava. Eu sempre arranjava algum amigo com carro – às vezes pegava emprestado o carro do meu pai – e lá nos íamos, Rossini, eu, uma porção de amigos que consegui interessar por folclore e Jamile Japur, então casada com ele. Jamile era pesquisadora, publicou um livro excelente sobre Culinária Paulista.

 

Rossini Tavares de Lima.

 

Uma jovenzinha de 24 anos estaria interessada em cinema, bailaricos, namoros e coisas adjacentes. Mas a jornalistazinha que eu era só queria saber de folclore. Geralmente às sextas e/ou sábados partíamos para aventuras em bairros cheios de lama ou poeira ou em cidades distantes. Namorados? Só se também fosse comigo aos eventos folclóricos. Teve um que topava.

 

Íamos a Piracicaba para ver cateretês. A Tietê para pesquisar batuques de umbigada. A Franca cuja Cavalhada era famosa.  À periferia da cidade para participar de rodas de samba ou assistir cerimônias em terreiros de umbanda. A Taubaté para entrevistar figureiras de presépios. A Mogi das Cruzes para assistir congadas. A Piracaia, a Pindamonhangaba, a São José dos Campos, Mogi das Cruzes, São Sebastião e Ilhabela. Andávamos atrás de moçambiques, folias de reis, danças de São Gonçalo, caçávamos manifestações folclóricas a torto e a direito e jamais faltávamos à festa de Santa Cruz na Aldeinha, perto de Carapicuíba, onde se  dançava  e cantava  a noite inteira  o que chamavam de dança de Santa Cruz (nos dias 2, 3 e 4 de maio)  que era finalizada de forma  ritmada e repetida cuja letra era só esta: “Quinze, com quinze, quinze! Quinze com quinze, quinze!”.

 

   

Livros de Rossini Tavares de Lima.

 

Em vez de cinema e de bailinhos era eu toda entusiasmada no “quinze com quinze, quinze!”. Podem nem acreditar, mas essa dancinha foi até parar num São João no Porto, Portugal, ensinada por mim a um renque de primos, primas e amigos. Fez sucesso!

 

A dancinha fez sucesso e Rossini fez a minha cabeça. Xenófoba, eu não suportava ouvir música que não fosse brasileira, de preferência folclórica. “Pulei” os Beatles, acreditam? E levei o folclore tão a sério que me matriculei num curso de extensão cultural que o Rossini deu na Escola de Sociologia e Política: “Folguedos Populares Brasileiros”. Minha monografia de final de curso foi “A mulher fazendo e preservando o folclore no Brasil”.  Falava da participação feminina nas danças, na feitura de artesanato (rendas, cerâmica utilitária e figurativa, palha, redes) conhecendo remédios caseiros, transmitindo histórias e lendas, usos e costumes.

 

Ampliei meu saber folclórico e quando viajava pelo Brasil só queria saber de Reisado, Chegança de Marujo, Frevo, Boi Bumbá, Boi de Mamão, Caboclinhos, Maracatu, Cacumbi, Pastoris, Chimarrita, Dança de Tapuios.  Eu conhecia a indumentária dos grupos que participavam de cada folguedo, eu sabia como tinham surgido as manifestações, eu batia o ritmo certo de diversas danças e de alguns eu até ensaiava os passos. Passei a ler Câmara Cascudo e Silvio Romero fiquei amiga de Renato de Almeida (grande folclorista do nordeste) “Casa Grande e Senzala” era a minha bíblia e Câmara Cascudo o meu guru, conhecia todos os folcloristas  dos Estados e os de São Paulo (lembro muito de Valentim Gentil, se não me engano de Aparecida do Norte ou de Pindamonhangaba) E por aí ia.

 

Rossini me incentivava, me badalava e me mandava fazer conferências em escolas e onde requeriam a presença de alguém da Comissão Paulista de Folclore. Na verdade me mandava quando ele não queria ir, o danado! E eu obedecia, feliz da vida. Achava que ia por merecimento. (O merecimento, acho, era menor do que a preguiça do Rossini de ir a alguns lugares...). Mas, estudava antes, me preparava, escrevia o texto. E passei a ilustrar as “conferências” com música. Naquele tempo eu tocava violão.

 

Pavão de Taubaté-SP, onde as figureiras são célebres.

 

Foi quase uma mania, como classificavam alguns amigos. Mas passou. Desse conhecimento – não classifico como mania - esqueci quase a metade. O essencial ficou. Pelo menos, acho.

 

Uma das coisas que Renato de Almeida falava, Rossini repetia e eu papagaiava era que a importância do folclore no Brasil só seria grande se as professoras o entendessem e procurassem aproveitá-lo em sala de aula. Achavam (tinham razão!) que história, geografia, ciência, português e até matemática poderiam ser ensinados aproveitando-se o folclore. Algumas professoras Brasil a fora até já faziam isso.

 

Hoje não vejo nada parecido. Talvez até haja, mas não conheço. Com a falta de interesse pela cultura no país permito-me adivinhar que tem professora por aí que nem sabe o que é folclore: Folk = povo. Lore= ciência, sabedoria. O que dá “ciência do povo”.

 

Manifestações folclóricas estão meio que acabando. Fico muito feliz em ver as que ainda se mantêm.

 

Lembrei de escrever este artigo depois de receber de Cleide Gaioto, jornalista de Tietê, pequeno vídeo sobre batuque de umbigada, ainda praticado na cidade. Que beleza! Inflei de satisfação.

 

A folclorista fanática que um dia fui ainda se emociona com manifestações populares. Felizmente, não apenas com isso. Conheci, aplaudi, gostei, estudei, mas parti, também, em outras direções. Na verdade gosto de estradas, de caminhos novos, de sendas nunca dantes percorridas. Me contem de uma novidade, de um local desconhecido, de uma descoberta, de assunto do qual não sei nada e lá vou eu atrás.

 

Santa curiosidade que não me deixou ficar apenas no folclore.

 

Mas foi uma época enriquecedora. Mesmo com meus exageros, que sempre foram e continuam sendo muitos.

 

- Fotos: Arquivo Regina H.P. Ramos e Acervo Itaúna em Décadas.

 

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Televisão brasileira:

Pioneiras: uma no Rio, outra em São Paulo

Edna Savaget e Maria Tereza Gregori foram duas pioneiras da tevê brasileira, que souberam inovar o jornalismo e o entretenimento, em uma época em que sequer sonhávamos com computadores.

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

29/09/2018 

 

Concurso Feminino de Poesia: poetisas Lélia Frota e Julita Scarano, Regina Helena e Edna Savaget.

 

A Globo News fez um belo documentário sobre Edna Savaget, uma das pioneiras da televisão brasileira.

 

Edna, de 1928, faleceu em 1998. Nos anos 40 foi repórter policial de A Noite, em 1956 era a responsável por “Aqui entre nós”, programa na Rádio MEC (Ministério de Educação e Cultura). Em 1957 passou para a Rádio Tupi. Entrou na TV Globo em 1965 coordenando toda a programação vespertina e daí surgiu o programa “Sempre Mulher”, com a atriz Célia Biar. Passou para a TV Tupi em 1971, iniciando o “Programa Edna Savaget”, no qual não se limitava a quadros para a mulher dona de casa, mas entrevistava artistas de todas as áreas.

 

Conheci Edna Savaget em 1957. Eu organizava para A Gazeta concursos femininos de poesia e contos. O prêmio era um dos mais importantes da atualidade – júri composto por gente como Guilherme de Almeida, Cecília Meireles, Menotti Del Picchia, Carlos Drumond de Andrade, entre outros.) e Edna recebeu menção honrosa no concurso no qual a vencedora foi Lélia Coelho Frota,  jovem de 20 anos,  também excelente poetisa.

 

Edna era uma jovem bonita, culta, conversa boa, presença agradável. Pouco depois me enviou seu livro “Breviário de Salvador”, belo livro, bela poesia: “Negro importado de pele marcada, coroa de lata, punhos de dor/ Naus de fantasmas, de gritos e pragas procurando um porto de salvação/Passos medidos – ideia isolada – chegam à terra de tantos coqueiros/Tempo sem data, mágoas sem dono, horizontes históricos/em Rio Vermelho de Salvador”.

 

Edna Savaget foi pioneira do rádio e pioneira dos programas femininos de televisão no Rio de Janeiro, sim, e além disso uma intelectual séria, consciente.

 

Mas em São Paulo também tivemos uma pioneira: Maria Tereza Gregori estreou na TV Tupi em 1958! Foi o primeiro programa feminino no país. Ela trabalhava na Escola de Arte Dramática, com Alfredo Mesquita quando Abelardo Figueiredo a chamou para a tevê.  Ficou 13 anos na Tupi. Um dia o programa acabou.

 

Então entramos na história eu e Cláudio Petraglia. Cláudio me chamou para produzir o programa da Xênia, na Bandeirantes, da qual era diretor artístico. Não deu certo. Pedi demissão um mês depois de contratada.

 

Cláudio não aceitou a demissão e chamou Maria Tereza, que estava parada, para reativar o Revista Feminina. Agregamos ao programa Ofélia Anunciato, a culinarista – que também estava na Band – e lá fui eu dirigir o programa, fumando cinco maços de cigarro por dia, estressada com a programação ao vivo, às vezes descabelada com os problemas surgidos, mas a saga durou 10 anos. A Band tinha sofrido um incêndio, havia apenas um estúdio – se desmontava um programa e se montava outro num intervalo curto – e a imagem era gerada do caminhão de externas. Os camarins foram montados nos poços vazios do elevador. Um sufoco!

 

O que fizemos? Além dos concursos de culinária e das amenidades do “lar”, ousamos convidar um médico ginecologista – Dr. Aristóteles Mossa – para falar sobre menstruação, menopausa, gravidez, sexo (estávamos na década de 1970, percebem o arrojo?).

 

Maria Tereza com os filhos, Marcelo e Átila.

 

Convidamos o costureiro famoso Ugo Castelana para desenhar vestidos para as telespectadoras. Miguel Gianinni para conversar sobre óculos e estética. Professor Shimada para aulas de ioga. Mônica Magalhães promovia desfiles de moda.  Fizemos o primeiro curso de jardinagem na tevê, com Arno Boetcher, da Roselândia. (Repetimos e ampliamos “Jardinagem” várias vezes, íamos gravar na Roselândia, em Cotia).  

 

Ofélia Anunciato pilotava o fogão no quadro “A Cozinha Maravilhosa de Ofélia” e foi daí que surgiram seus onze livros de culinária (Eu, a ghost writer) E tínhamos uma sessão denominada “A oportunidade é sua”, na qual as espectadoras que sabiam fazer alguma coisa vinham mostrá-las: roupas de bebê, tricôs e crochês, pintura em porcelana, cerâmica, aquarelas, fotografia e diversos tipos de artesanato. Fora isso entrevistávamos quem estreava peças de teatro ou filmes, chamávamos escritores e escritoras (Zé Mauro de Vasconcelos era nosso habituê) cantoras (Elizeth Cardoso foi muitas vezes ao programa) e cantores (Agnaldo Rayol, Ronnie Von, Luiz Gonzaga, Sérgio Reis), além de artistas plásticos, o povo do balé, jornalistas.

 

Maria Tereza e o costureiro Ugo Castellana.

 

A coisa mais impressionante que fizemos – acho – foram as exposições com as mulheres da sessão “A Oportunidade é Sua”. Fomos indo, crescendo de ano a ano e, na última vez, “fechamos” com plástico a praça Roosevelt e colocamos dentro dela aproximadamente uma centena de boxes com suas expositoras. Até agora não sei bem como é que conseguia fazer isso: a equipe de produção éramos eu e uma secretária. Para rir ou para chorar? Para rir, mas agora vocês sabem por que motivo esta que vos fala fumava cinco maços de cigarros por dia. Parei há mais de 30 anos, graças a Deus!

 

Maria Tereza era um doce de pessoa. Eu, neurastênica, exigente, tentando a perfeição - que raramente acontecia, pois o programa era ao vivo e a Band, depois do incêndio era como descrevi acima. Mas formávamos uma dupla.  Profissional - nunca atrasou nem um minuto nos dez anos em que fui sua produtora – empenhada, bonita, elegante, vaidosa, Maria Tereza merecia ser lembrada com um documentário, como a Globo o fez com Edna Savaget. Tereza foi uma figura importantíssima para a história da televisão brasileira.

 

Não resisto à uma irreverência: muito vaidosa, e ao mesmo tempo com muito medo de cirurgias, Maria Tereza, um dia, iniciou uma novena à Nossa Senhora para que algumas rugas que começavam a surgir desaparecessem sem necessidade de cirurgia. Deixo no ar o resultado, isto é, se Nossa Senhora a atendeu ou não...

 

Maria Tereza e Ofélia Anunciatto.

 

O carisma que Maria Tereza Gregori passava para as telespectadoras era enorme. Um dia recebemos carta de uma senhora que nos deixou boquiabertas (Usei esse episódio para um conto, que está no meu livro “Isto é Definitivo?” e que depois foi traduzido para o alemão e está na coletânea “Erkundungen – 38 brasilianiche Erzahler”). A missivista, de certa idade, queria saber de Maria Tereza o seguinte: “Quando a senhora diz para nós ‘bom dia, minhas amigas’ e eu também respondo ‘bom dia Maria Tereza’ e quando vejo a senhora, a senhora também está me vendo?”. Isso dá bem para ilustrar como ela “penetrava” na casa das pessoas.

 

Tereza nasceu em 1926 e faleceu em 2013. Estava fora de São Paulo quando vi a notícia pelo celular. Foi um choque enorme, uma  tristeza sem tamanho. Costumávamos nos ver no Shopping Higienópolis, para um café. Ou ela vinha à minha casa para almoçar. Ou nos encontrávamos na casa da minha irmã. Sempre a mesma risada contagiante e espalhafatosa, a mesma elegância, o mesmo papo gostoso, a mesma fé em Deus, Maria Tereza foi um tipo inesquecível. Muita gente ainda se lembra dela. E a história da televisão não deve ser escrita sem ela.

 

Pioneiríssima!

 

- Fotos: Arquivo Regina H.P. Ramos.

 

*  *  *

 

Raízes:

Eu nasci há dez mil anos atrás...

Fiquei sabendo de um exame genético de saliva – pelo qual se descobre de onde viemos – em quais regiões do mundo viveram nossos antepassados e estou decidida a me submeter a ele. Exame de ancestralidade.

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

12/09/2018

 

Pesco uma coisa ali, outra aqui, me servia de pessoas mais velhas da família e fui descobrindo o nome de alguns antepassados.

Leia também:

Entrevista  com Regina Ramos

 

Tive, sempre, grande preocupação em saber como cheguei aqui. Avós, bisavós, tataravós que foram meu começo e antes deles outros e mais outros, sempre me intrigaram, sempre pensei neles e muito antes de saber que algumas filosofias e religiões orientais costumam agradecer aos antepassados, sempre fiz isso. Estou aqui por causa deles e então obrigada, senhoras e senhores que me fizeram aparecer no mundo.

 

Tenho um amigo que se dedica a descobrir sua árvore genealógica e já foi longe no mergulho ao passado. Daqui a pouco é capaz de chegar à era dos dinossauros.

 

Não sei nada disso, não sei como fazer as pesquisas, há sites que ensinam, mas, de qualquer forma, é preciso engenho e arte, tempo e paciência. Pesco uma coisa ali, outra aqui, me servia de pessoas mais velhas da família e fui descobrindo o nome de alguns antepassados. Em Portugal e no Brasil. Agora não dá mais: a pessoa mais velha da família sou eu e eu sei muito pouco.

 

Descobri algumas coisas por acaso. Corrijo: acaso não existe, o que houve foi um grande episódio de sincronicidade.

 

Olhem a história: estava no enterro de um amigo que morrera de AIDS.  Um dos primeiros. Cemitério do Araçá, uma barra pesadíssima à beira do túmulo. Decidi sair um pouco do astral de catástrofe e comecei a passear pelo cemitério. De repente vejo placas com nomes vagamente conhecidos. Era o túmulo de bisavós que conhecia de ouvir falar. Parei, estupefata! Além de ter descoberto o túmulo deles fiquei sabendo que a grafia do nome pelos quais os conhecia estava errada. Diziam na família que o sobrenome era Mosmiet e fiquei sabendo que meus antepassados franceses eram Mosnier.  

 

Fiquei tão impressionada que na mesma noite sonhei com minha bisavó Elisa Mosnier Castel de Biel Chaves, cujo túmulo descobri e, no sonho, ela tinha olhos azuis.

 

Se isso não é sincronicidade então não sei o que essa palavra significa. Acho que é!

 

Voltando à gratidão. Como não agradecer aos antepassados pela vida que nos deram? Como não pensar neles? Como não ter curiosidade pelos que vieram antes deles, onde viveram, quem eram, o que faziam, o que pensavam? Como não saber que herdamos deles não apenas fragmentos genéticos, mas ideias, filosofias, pensamentos, usos e costumes, amores e ódios?

 

Minha história deve ser produto não apenas do inconsciente coletivo de que fala Carl Jung como da herança ancestral de gente que veio vindo pelo mundo até que cheguei eu – de cordão umbilical enrolado no pescoço, roxa e mudinha. Meu pai, pediatra, me jogou em bacias de água quente e fria, alternadamente e não sossegou até que eu começasse a chorar!

 

Sim, além dos arquétipos herdados do inconsciente coletivo tenho certeza que herdei memórias genéticas de meus antepassados. Gratíssima, portanto.

 

Fiz, recentemente, uma constelação familiar, prática psicológica que está na moda. Fui “constelada” pelo psicólogo, acupunturista e astrólogo Alexandre Chut e fiquei boquiaberta. Meus companheiros de constelação se transformaram, magicamente, nos meus antepassados e curtimos perto de duas horas de convivência. Uma experiência que eu poderia classificar como comovente e perturbadora. Vivendo e aprendendo.

 

Também recentemente fiquei sabendo de um exame genético de saliva – pelo qual se descobre de onde viemos – em quais regiões do mundo viveram nossos antepassados e estou decidida a me submeter a ele. Exame de ancestralidade. Louca para fazer!

 

Sei que meus avós, portugueses, têm antepassados espanhóis. Mas quero ir mais fundo e longe! Judeus migraram para Portugal (depois tiveram que fugir de lá por causa da Inquisição). Terei algum antepassado judeu? Árabes dominaram a Península Ibérica por séculos! Serei descendente de alguma doce mulher de olhos apenas percebidos atrás de um véu? E antes deles por lá passaram godos e visigodos, fenícios, gregos e romanos, celtas, gálicos – que sei eu? - foram esses os antepassados de meus antepassados?

 

E no Brasil? Já lhes dei conta de minha bisavó francesa. Falta falar de meu bisavô paterno, médico sanitarista, nascido em São João del Rei, por sobrenome Chaves. (Serei parente do Pepe Chaves, sem saber?) Foi esse bisavô mineiro que se casou com a francesa de olhos azuis, neta de Tourain Mosnier, boticário, criador da primeira farmácia do Brasil, em Bananal, Estado do Rio. Terei parentes na França? E em Minas?

 

Pelo lado de minha mãe conta-se que tenho uma tataravó índia. A família Sampaio era de Piracicaba, de velhos fazendeiros e coronéis, meu bisavô se chamava Coronel Joaquim Fernandes de Morais Sampaio. Morreu quase aos cem anos, meses depois de eu ter nascido.

 

Acho tudo isso fascinante. Gostaria de ter ciência e técnica para pesquisar genealogia, como meu amigo Hoover Américo Sampaio, especialista no assunto, ele já descobriu avoengos de dois mil anos atrás.

 

Quero muito conhecer mais de meus antepassados, saber de onde vem esse sangue que carrego. Não apenas por curiosidade, mas também por imensa gratidão.

 

Está certa a música de Raul Seixas: “Eu nasci há dez mil anos atrás...”.

 

Interessa-me muito mais saber de onde eu vim do que para onde eu vou.

 

Para onde eu vou, já sei.

 

E espero que demore muito para ir!

 

[Nota do editor: segundo relatos de meu pai e de meu avô paterno, realmente a nossa família Chaves, tradicionalmente enraizada em Itaúna-MG, teve origens dos Chaves de São João Del Rey-MG. Portanto, pode haver parentesco entre a senhora Elisa Mosnier Castel de Biel Chaves, de São João Del Rey e os Chaves de Itaúna - Pepe Chaves].

 

- Fotos: Arquivo Regina H.P. Ramos.

 

*  *  *

 

Castas, também as temos! Ora, se!

 

Por Regina Helena de Paiva Ramos

Para Via Fanzine

15/08/2018

 

Existem castas, no Brasil, como na Índia. Lá as castas foram abolidas por lei na década de 40, mas parece que a lei não “pegou”.  A divisão de castas continua, sorrateira. O que é o sistema de castas na Índia?

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Entrevista  com Regina Ramos

 

Aqueles senhores meiguinhos, com barbas ou sem, barrigudos ou não, sorridentes ou carrancudos que usam – data vênia – capas, desculpem! que usam togas para trabalhar, agora querem aumento de 16% nos seus salários. 

 

O Brasil vai bem, parece-lhes! Não sabem que existem 13 milhões de desempregados; que a dívida pública é enorme; que o salário mínimo da plebe ignara foi aumentado em R$ 17 reais, chegando à astronômica conta de R$954,00; que o aposentado do INSS foi aumentado em fantásticos 2.07% e que não pode receber de “benefício” mais que R$5.645,80 mensais.

 

As excelências arrebanham as togas para que nelas não tropecem e marcham para seus gabinetes luxuosos ignorando, também, que empresas brasileiras se torcem para não fechar as portas enviando mais brasileiros para a rua da amargura. Ignoram que a expectativa de vida do brasileiro – graças  a médicos e cientistas que nunca usaram togas –  aumentou muito e que o INSS não demora a ficar sem dinheiro para pagar os aposentados, esses heróis que  passaram a vida mourejando, bravamente, sem escritórios nababescos, sem secretárias, sem carros blindados e motoristas, sem  auxílio moradia, sem mordomias, sem planos de saúde , sem todos os penduricalhos que suas excelências  dispõem. E antes que me esqueça: sem toga. Aliás, às vezes, até sem um simples agasalho.

 

Como é que, nessa situação aflitiva, nessa crise medonha em que nos jogaram 13 anos de desgoverno, de roubalheira, de irresponsabilidade e de incompetência, como é que passa pela cabeça dessas excelências pedir 16% de aumento?

 

Fora que isso vai desencadear aumentos a juízes, a deputados e senadores, esculhambando com qualquer tentativa de colocar as coisas nos eixos!

 

Existem castas, no Brasil, como na Índia. Lá as castas foram abolidas por lei na década de 40, mas parece que a lei não “pegou”.  A divisão de castas continua, sorrateira. O que é o sistema de castas na Índia? É um sistema que divide os indianos em categorias: os Brâmanes – que nasceram da cabeça do deus Brahma são os sacerdotes e os intelectuais. Os Xátrias nasceram dos braços do deus, são os guerreiros. Nascidos das pernas, os Vaixas são os comerciantes. Dos pés de Brahma nascem os Sudras: operários, servidores, artesãos. E por último os Párias, nascidos do pó debaixo dos pés do Brahma, são todos os que formam a população pobre e desassistida.

 

Péssimo o sistema de castas? Sim, claro! Mas também temos as nossas castas. Alguns senhores dessas castas conseguem nomeação de filhos e filhas para cargos de prestígio: desembargadores, por exemplo. As esposas trabalham em grandes escritórios de advocacia e até labutam em causas que depois serão julgadas por seus maridos.  Filhas solteiras recebem polpudas pensões até morrer de velhas! Hábito que também é comum entre os militares: morto o chefe da família, filhas e esposas recebem pensões a vida toda. E são tão suculentas que as moças não se casam – criam uma relação estável e nela permanecem até morrer. “Quando o dinheiro fala a verdade se cala”, já dizia minha avó.

 

De tudo isso se constata, ainda, que o sistema de castas no Brasil é hereditário, como na Índia. Os filhos já nascem geneticamente bem de vida e com empregões. “Herdam” dos pais e avós os currais eleitorais. Há famílias inteiras que se distribuem politicamente como governadores, deputados, senadores, vereadores, ministros.

 

O próximo presidente da República, se quiser, mesmo, endireitar o país, vai ter que cortar um doze para enfrentar as castas. Ora se! Nosso sistema é semelhante ao da Índia, mas o deus é diferente.  Aqui, os abençoados nascem da cabeça de Tupã, o deus tupiniquim: deputados, senadores,  ministros, juízes  de diversas categorias, presidentes de autarquias, diretores  e presidentes de bancos,  toda uma casta que mora bem, ganha bem, casa bem mas tem amantes, fazem empresas de construção pagarem pensões a  filhos fora do casamento, têm penduricalhos para tudo quanto é canto, juram que sítios e tríplex nunca foram deles, viajam em jatinhos, levam para a Europa um séquito de aspones e até a sogra,  dão festas milionárias, compram joias sem nota fiscal, recebem  mensalões, petrolões e toda a sorte de “ões”  e não desocupam a toca nem que a vaca tussa!

 

O resto da população é proveniente do pó abaixo dos pés de Tupã. Somos os Párias tupiniquins. 

 

Verdade que alguns da casta privilegiada foram denunciados e presos por uma turminha de juízes de Curitiba que não pertencem à casta. Mas ainda falta muita gente pra ir em cana! Gente sem escrúpulos ou ética que deveria ser expulsa de seus fantásticos empregos na Ilha da Fantasia!  Gente que só pensa em mais grana e o país que se lixe!

 

É aquela história: “Mateus, primeiro os meus!” Os Párias que se sacudam.

 

- Foto: Divulgação.

 

 

 

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