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Psicologia
Anomia: As (des) razões da Guerra A guerra na Ucrânia é uma ameaça à humanidade. Pois sinaliza a travessia, consentida, do diálogo para a violência, das leis estabelecidas (a fim de guiar e proteger) para o estado de primitivismo bélico.
Por Débora dos Santos Silva* De Juazeiro do Norte-CE Para Via Fanzine 06/03/2022
A primeira onda de anomia ocorreu quando se estabeleceu a pandemia de Covid-19 com os assustadores índices de contaminação e óbitos e as dificuldades em torno da produção de vacinas e medicamentos eficazes para sanar ou reduzir os efeitos do vírus no organismo “hospedeiro”. Leia também: Outros destaques em Via Fanzine
Há cerca de dois anos o mundo vem enfrentando ondas de anomia. Neste sentido, vale salientar que anomia foi um conceito cunhado em Sociologia, por Durkheim, para descrever, grosso modo, o caos que se estabelece quando alguém está diante de grandes mudanças sociais e pouca sensação de controle e regulação. Ou seja, quando normas sociais que conduziam a vida da pessoa passam a não mais existir ou funcionar.
Em termos individuais, orgânicos, fisiológicos, esta sensação de não controle e, por conseguinte, de baixa autoeficácia é experienciada de maneira desoladora.
Com efeito, a primeira onda de anomia ocorreu quando se estabeleceu a pandemia de Covid-19 com os assustadores índices de contaminação e óbitos e as dificuldades em torno da produção de vacinas e medicamentos eficazes para sanar ou reduzir os efeitos do vírus no organismo “hospedeiro”.
A segunda foi a infodemia: a pandemia de informação acerca do vírus, das formas de contaminação, das estratégias de isolamento, acerca também do aumento exponencial do número de casos e, quase na mesma proporção, do número de óbitos.
A terceira está relacionada aos transtornos ansiosos que triplicaram, causando, assim, o aumento e mesmo congestionamento nas clínicas psiquiátricas e psicológicas em todo o mundo, de pessoas com intensos sofrimentos, convertidos em sintomas e sinais de disfunção física, emocional e comportamental.
Estes tsunamis geraram diversas consequências na economia e na forma como a sociedade esteve estabelecida até o momento.
Porém, aos poucos começávamos a respirar mais aliviados a partir da distribuição das vacinas, da diminuição do número de casos e de óbitos e do iminente fim da pandemia.
Entretanto, quando pensávamos que 2022 começaria a promover estabilidade emocional e cognitiva para lidarmos com desafios e problemas de modo mais adaptativo, coeso e, num cenário de cosmos, de ordem social. Eis que surge a quarta onda de anomia, a saber: a guerra na Ucrânia; quer dizer, a invasão e os ataques da Rússia em solo ucraniano.
E, como o estudo da psicologia das massas e da formação de grupos aponta, a guerra faz emergir o pior que há nos indivíduos. Já que, (...) pelo simples fato de fazer parte de um grupo organizado, um homem desce vários degraus na escada da civilização. Isolado, pode ser um indivíduo culto; numa multidão, é um bárbaro, ou seja, uma criatura que age pelo instinto (...). (LE BONapud FREUD,1996 [1921), p. 87).
Isto pode acontecer, no geral, porque dentro de um grupo, o indivíduo se permitiria afrouxar aquelas repressões/recalques que o mantém longe de realizar atos sexuais ou agressivos primitivos. Assim, identificado com os membros do grupo e sugestionado pelo brilho do líder, pode criar sentidos, argumentos, distorções cognitivas para sustentar sua ideologia e sua ira contra povos ou grupos vistos como rivais.
Sendo assim, a guerra na Ucrânia é uma ameaça à humanidade. Pois sinaliza a travessia, consentida, do diálogo para a violência, das leis estabelecidas (a fim de guiar e proteger) para o estado de primitivismo bélico.
E, rapidamente, advém do íntimo de meu ser, as palavras de Freud ao discutir sobre o mal estar na civilização que impossibilita a sensação de plenitude e de felicidade individual.
Assim é que, o sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. (FREUD, 1996 [1930], p. 85. Grifo nosso).
Ou seja, a sensação é de que estamos num mundo pós apocalíptico: cenário tão comum atualmente nos filmes de ficção científica. E, portanto, além de precisarmos manter nossa integridade física/corporal, somos instados a fugir das intempéries da natureza, lutar contra zumbis e ainda entrar em confronto com outros seres humanos. Seres humanos estes que deveriam unir forças ao invés de se dividirem no narcisismo das pequenas diferenças que envolvem as questões políticas, religiosas e econômicas que os impulsionam e os provocam a construir as inúmeras (des) razões para iniciarem A Guerra.
Nas luzes do século XXI, estamos novamente, paradoxalmente, a céu aberto nas trevas dos instintos primários de dissolução. Houve muito desenvolvimento científico e tecnológico, no entanto, tal desenvolvimento não tem sido suficiente para resolver os conflitos humanos de maneira diplomática.
Para finalizar, trago uma citação do psicólogo norte-americano, Carl Rogers, um dos expoentes da psicologia humanista, que na década de 1990 já se questionava sobre as tensões interpessoais e intergrupais que colocam em risco os direitos básicos dos indivíduos.
O admirável progresso conseguido pelo homem, não apenas na imensidão do espaço como também na infinidade das partículas subatômicas, parece conduzir à destruição total do nosso universo, a menos que façamos grandes progressos na compreensão e tratamento das tensões interpessoais e intergrupais (...). Espero o dia em que investiremos o equivalente ao custo de um ou dois mísseis na procura de uma compreensão mais adequada faz relações humanas. (ROGERS, In. Tornar-se pessoa, 1997, p. 22-23).
*Débora dos Santos Silva é psicóloga (CRP 11/07381). Atualmente trabalha como psicoterapeuta na rede Hapvida de Plano de Saúde, no Ceará. Pós graduanda em Teoria Psicanalítica. Autora do livro "Da vida à teoria psicanalítica: Freud para leigos".
- Imagem: Pixabay/divulgação.
- Bibliografia:
FREUD, S. "Psicologia de grupo e a análise do ego" (1921). In. "Além do princípio de prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos". Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. XVIII, Obras completas (1920-1922).
"O mal-estar na civilização" (1930). In. "O futuro de uma ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos" (1927-1931). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
ROGERS, C. R. "Tornar-se Pessoa". Tradução de Manuel José do Carmo Ferreira c Alvamar Lamparelli. Revisão técnica de Claudia Berliner. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes. 1997.
- Produção: Pepe Chaves. © Copyright, Pepe Arte Viva Ltda.
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