População:

Os migrantes de São Thomé das Letras

Grande parte das pessoas que migram para São Thomé das Letras possui demandas sociais, econômicas, de saúde e de convívio social que precisam ser trabalhadas. O que fazer com ‘esse povo’ na rua de São Thomé das Letras?

  Por Rodrigo Experdito da Silva*

Para Jornal São Tomé Online

16/02/2023

O que não se pode mais tolerar é que esse público perambule pela cidade sem uma atenção eficiente, digna e inclusiva, pois quanto mais esse público é negligenciado mais se tornarão tangíveis a sofrer ou até cometer violações de direitos.

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Nosso aparato de Assistência Social

No ano de 2011, foi implementado no município de São Thomé das Letras-MG, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e peculiarmente diferente da grande maioria dos municípios pequenos o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) por meio da Lei Municipal Nº 1300/2011.

A implementação destes dois principais equipamentos socioassistenciais do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em São Thomé das Letras representou um avanço e o início da consolidação da política pública de assistência social no município.

Naquele cenário, para ponto de reflexão, há de se questionar e analisar ainda como se deu o processo de implementação do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) no território letrense, pois a ativação deste equipamento em municípios requer que o território apresente quantidade considerável de características e demandas sociais específicas de violação de direitos.

Mas para o quê serve um CREAS?

O Centro de Referência Especializado de Assistência Social  (CREAS) conforme destaca a PNAS (2004) atua com famílias, indivíduos e grupos sociais que vivenciam situação de risco pessoal e social, violação de direitos, se expressam na iminência ou ocorrência de eventos como: violência intrafamiliar física e psicológica, abandono, negligência, abuso e exploração sexual, situação de rua, ato infracional, trabalho infantil, afastamento do convívio familiar e comunitário, idosos em situação de dependência e pessoas com deficiência com agravos decorrente de isolamento social, dentre outros. (BRASIL, 2004, p. 14).

Logo, podemos concluir que naquele contexto, em 2011, já existia no município de São Thomé das Letras uma quantidade significativa de pessoas e famílias que vivenciavam violações de direitos, risco pessoal e social.

Outro fator preponderante para se afirmar que o território de São Thomé das Letras vivencia historicamente um contexto de violações de direitos é o critério para implantação de um CREAS em municípios.

Sinteticamente os números de CREAS implantados nas localidades devem ser considerados de acordo com a demanda a ser atendida nos territórios e o porte de cada município conforme preconiza Brasil (2011) sendo os principais parâmetros para implantação do equipamento socioassistencial nos territórios os seguintes critérios: Porte I, com população de até 20.000 habitantes podem implementar o equipamento quando a cobertura de atendimento em CREAS Regional; ou Implantação de CREAS Municipal, quando a demanda local justificar; Pequeno Porte II, com população de 20.001 a 50.000 habitantes devem implantar pelo menos 01 CREAS; Médio Porte, com população de 50.001 a 100.000 habitantes devem implantar pelo menos 01 CREAS; Municípios de Grande Porte, Metrópoles ou DF, com população à partir de 100.001 habitantes devem implantar pelo menos 01 CREAS à cada 200.000 habitantes.

Neste sentido, entende-se que foram apresentados naquele contexto pelo grupo político da época dados ao Ministério do Desenvolvimento Social – MDS nos anos anteriores à aprovação da Lei Municipal Nº 1300/2011 que possibilitaram a análise, pactuação e a aprovação da implantação do equipamento socioassistencial CREAS no município de São Thomé das Letras, cidade que apresenta características de Porte I, sendo a sua população no ano de 2021, conforme assinalado por Brasil (2022) estimado em 7.151 pessoas.

A desigualdade social e o movimento de migração das pessoas é um dos fenômenos sociais mais latentes deste século em todo o globo terrestre.

Desigualdade social e seus migrantes

O município de São Thomé das Letras é considerado um dos grandes expoentes turísticos de Minas Gerais em decorrência da sua peculiar formação territorial, natural, gentílica e social, além de ser referência no estudo e prática do turismo esotérico e místico no Brasil.

Neste aspecto, uma grande parte de famílias, indivíduos e grupos sociais diversificados procuram a cidade em busca de vivenciar as experiências proporcionadas pelo território, seu povo tradicional e os costumes culturais engendrados no cotidiano da população.

Bordonal (2017) afirma que o olhar diferenciado para São Thomé das Letras se tornou expoente posteriormente à década de 1970, quando se iniciou o processo de deslocamento de hippies para a cidade, a instalação de filial da Sociedade Brasileira de Eubiose no município e o fortalecimento da comercialização da pedra quartzito, formação rochosa caraterística do território. Tais mudanças e inserções de novos atores sociais no território da cidade introduziram novas culturas turísticas e a perspectiva de acesso a rituais, encontros e experiências esotéricas e místicas em São Thomé das Letras.

O conceito de esoterismo e de misticismo possuem amplo campo de prática e compreensão, Hellern et al. (2000) cita que tais métodos englobam espiritismo, astrologia, parapsicologia, ufologia, clarividência e magia, antroposofia, teosofia, terapias e rituais.

A massificação e implementação destas culturas no território de São Thomé das Letras somadas às divulgações, intercâmbios turísticos, dos atrativos naturais característicos do território possibilitaram o fortalecimento da cidade como uma das principais procuradas por grupos, famílias e indivíduos que buscam contraponto às rotinas e culturas estabelecidas pelos grandes centros urbanos. Neste aspecto, São Thomé das Letras passa a receber pessoas de todos os estados do Brasil, de países vizinhos e também de países de todo o globo terrestre.

Esses movimentos de idas e vindas, definidos como deslocamento social, conforme cita Brito (2015) se traduz mais do que um destino para o migrante, se torna um caminho de cunho social no qual o migrante se mobiliza, sendo uma alternativa sujeita e aberta pela sociedade, sujeita aos cunhos da desigualdade social brasileira e sincronicamente à sua seletividade. (Brito, 2015) apud (Souza et al. 1999) afirma que a seletividade é um dos componentes intrínsecos das trajetórias migratórias que, como caminhos estruturados socialmente, refletem os inúmeros obstáculos impostos à mobilidade social ascendente pela dinâmica econômica e social no Brasil (SOUZA, BRITO, CARVALHO, 1999).

Nesta ótica, o município de São Thomé das Letras cotidianamente recebe uma quantidade alta de migrantes que buscam o território da cidade para vivenciar por períodos longevos as experiências difundidas pelas práticas esotéricas e místicas. Ao se instalarem no município, muitos destes migrantes acabam encontrando uma realidade desproporcional àquela implantada e divulgada pelo imaginário social, sendo um município assinalado por Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2022) que sua economia gira em torno de três frentes principais: Hotelaria e Turismo, Comercialização de Pedras e Atividades Rurais e que apresenta índices inflacionados de valores de moradia, aluguel e alimentação.

Conforme descrito na Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (2022) São Thomé das Letras, apesar do alto índice de fluxo comercial e turístico na cidade, no mês de Abril de 2022, o município possuía 1.546 famílias cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, totalizando 3.582 pessoas vivendo com renda de até no máximo três salários mínimos. Considerando que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2022) apresenta o total de 7.151 pessoas como a estimativa populacional no ano de 2021, totalizando aproximadamente 50% da população do município inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, entende-se que, conforme preconiza Ministério da Cidadania, o Cadastro Único é um registro que permite ao governo saber quem é e como vivem as famílias de baixa renda no Brasil. (BRASIL, 2022)

Nesta perspectiva, torna-se essencial ressaltar que de acordo com os dados apresentados anteriormente, metade da população de São Thomé das Letras pode ser considerada de baixa renda.

É neste recorte social que os migrantes se adentram, após buscarem acolhimento na cidade, nas diversas vezes acabam encontrando dificuldades de adaptação, aceitação da sociedade e de inclusão ao território, condicionando-os a buscarem acesso pelas vias do Estado: em São Thomé das Letras, na representação da Prefeitura Municipal e do Departamento Municipal de Desenvolvimento Social – DMDS por meio da execução dos serviços ofertados no Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS a resolução de suas demandas sociais.

Mas o que fazer com a migração em São Thomé das Letras?

Em si só, a implementação do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS e a execução de seus serviços já possuem íntima coligação com fatores socioculturais da migração e deslocamento de pessoas ao município de São Thomé das Letras.

Arrisco a dizer que se não tivéssemos migração e suas demandas de risco pessoal, social e violação de direitos em São Thomé das Letras não teríamos CREAS no território.

Considero que a atuação qualificada, organizada e estruturada do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS com os migrantes no município pode ser uma ferramenta essencial de inclusão deste público no território, de oferta de dignidade, de recuperação e fortalecimento de vínculos familiares.

A desigualdade social e o movimento de migração das pessoas é um dos fenômenos sociais mais latentes deste século em todo o globo terrestre, e indo de acordo com o que cita Brito (2015) precisamos refletir na hipótese dos migrantes traçando e trilhando suas rotas, passando por um agregado de etapas sociais rumo a um destino final onde tais podem ser incluídos na economia, na cultura e na dinâmica da sociedade.

Isso significa que devemos pegar essas pessoas e levar para casa?

Não.

Significa compreendermos que grande parte dessas pessoas que migram para São Thomé das Letras possui demandas sociais, econômicas, de saúde e de convívio social que precisam ser trabalhadas.  Aliás, temos equipamentos e serviços no município que trabalham com este tema.

Da mesma forma que expulsamos daqui, outros expulsam muitos de lá pra cá falando que aqui tudo é lindo.

Aos agentes públicos responsáveis pela gestão e execução dos serviços que atuam diretamente e indiretamente com esse público faz-se necessário um maior compromisso e alinhamento com o que já existe descrito em lei. Não tem segredo nenhum.

O que não se pode mais tolerar é que esse público perambule pela cidade sem uma atenção eficiente, digna e inclusiva, pois quanto mais esse público é negligenciado mais se tornarão tangíveis a sofrer ou até cometer violações de direitos.

A migração em São Thomé das Letras não é caso de polícia, é caso de política; mas de políticas públicas.

* Rodrigo Experdito da Silva é assistente social; presidente do Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS; especialista em Conselhos Municipais de Direitos.

- Fotomontagem: Rodrigo Experdito / Linhas de Sampa - Divulgação.

- NOTA DO AUTOR: Esta Resenha Crítica foi escrita no ano de 2022 com base em formulação de artigo “Uma análise da atuação do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) face ao fenômeno da migração em São Thomé das Letras”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BORDONAL, Sarah Delamagna; De Rosana, Câmpus. Compreender as Mudanças na Identidade Mística Esotérica em São Thomé das Letras Causadas Pela Massificação do Turismo¹. NOVOS SEGMENTOS E EMPREENDIMENTOS NO TURISMO, p. 68.

BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Constituição (2005). Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004. Construindo as bases para a implantação do Sistema Único de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social Pnas/2004: Norma Operacional Básica NOB/SUAS. 2009. ed. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate À Fome Secretaria Nacional de Assistência Social, v. 1, n. 1, Seção 1. Disponível aqui.

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BRITO, Fausto. As Migrações Internas no Brasil: Um Ensaio Sobre os Desafios Teóricos Recentes. (2009)

BRITO, Fausto et al. A transição para um novo padrão migratório no Brasil. Cedeplar, Universidade Federal de Minas Gerais, 2015.

CEDENHO, Antonio Carlos. Constitutional guidelines on social welfare. 2011. 168 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.

Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, UNESCO, 2009.

DOTA, Ednelson Mariano; QUEIROZ, Silvana Nunes de. Migração interna em tempos de crise no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 21, p. 415-430, 2019.

GIL, Antônio Carlos, 1946- Como elaborar projetos de pesquisa/Antônio Carlos Gil. - 4. ed. - São Paulo: Atlas, 2002.

HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry; e GAARDER, Jostein. O Livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

PODER EXECUTIVO DO MUNICÍPIO DE SÃO THOMÉ DAS LETRAS (Município).  Constituição (2021). Lei nº 1582, de 29 de novembro de 2021. Institui O Sistema Único de Assistência Social - Suas no Município de São Thomé das Letras e dá Outras Providências. São Thomé das Letras, MG, 29 nov. 2021.

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