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 Musical 
 

 

Símbolo pacífico:

John Lennon: uma vida de retóricas pela paz

‘Se todos os homens dessem as mãos, não sobrariam mãos para tocar em armas’.

(John Lennon)

 

Por Antônio Siqueira*

Do Rio de Janeiro

Para Via Fanzine

ATUALIZADO EM

10/10/2018

 

John Lennon: "Fico orgulhoso de ser o palhaço do ano neste mundo em que as

pessoas ditas sérias estão matando e destruindo em guerras como a do Vietnam".

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Propagandas em prol da paz

 

Em 8 de dezembro de 1980, John Lennon (1940-1980), considerado o líder intelectual dos Beatles e o mais influente músico pop da história do Rock, era morto por um suposto fã eloquente chamado Mark Chapman, em frente ao edifício Dakota, em Nova Iorque, onde residia com Yoko Ono e o filho Sean.

 

Passado um quarto de século, vale uma vez mais mapear aspectos relevantes do legado público de Lennon, reconhecendo a sua extensa influência artística e recuperando o sentido crítico de sua obra e de suas intervenções políticas, marcadas por um pacifismo anárquico, não raro, temperado por uma irreverência cristalinamente ocidental, de “anti-herói palhaço”. Mas, não no sentido negativo atribuído por determinada imprensa abutre da época, especuladora da vida privada e cúmplice do mais vetusto conservadorismo moral e político.

 

Pensar sua vida, incluindo falar sobre sua morte, não é permanecer numa cândida fixação aos anos de 1960, que o próprio Lennon rejeitou. Trata-se de rever uma figura sintética central, expressão singular e social da grande reviravolta juvenil, que teve na Contracultura e no Rock – o inovador estilo musical surgido nos anos 1950 – os combustíveis necessários para a sua irrupção no cenário dos grandes quadros culturais da modernidade. Como disse Paulo Chacon (1983, p. 74), quem rejeita com um “olhar superior” temas assim, “não compreendeu muita coisa dos últimos 40 anos [agora já 70] e do que está por vir”.

  

Um inconformado

 

Lennon, um homem marcado de berço pela guerra, foi, acima de tudo, um defensor da paz. Quando ele nasceu, os alemães bombardeavam Liverpool [Sagastume, 2005], o que lhe valeu o segundo nome, Winston, uma homenagem a Churchill, o “lorde da guerra”. Ao contrair sua união com Yoko Ono – a artista de vanguarda que o surpreendeu numa exposição em Londres, quando ele, curioso, subiu uma escada e, por um olho mágico pendente num quadro no teto, leu, simplesmente, “yes” –, infenso aos valores machistas e à guerra, John, ao invés de dar o seu nome a Yoko, aproveitou para deixar o lorde de lado e passou a se chamar John Ono Lennon.

 

Quando os Estados Unidos invadiram o Vietnã, pagou um comercial de página inteira no The New York Times e em jornais de outros países, deflagrando a campanha “A guerra pode parar, se você quiser”. Este foi um dos movimentos que pesou internamente contra o belicismo criminoso dos agentes-laranja de Nixon. O primeiro ato pela paz, como afirmou Lennon em sua histórica entrevista à Rolling Stone [in Wenner, 2001, p. 55], foi o “Bed peace” (“Na cama pela paz”), a irreverente lua-de-mel com a imprensa em Amsterdam, depois em Toronto, onde ficaram dez dias na cama em protesto.

 

De fato, ele estranhava uma inequação óbvia do sistema, mas pouco notada; uma espécie de sintoma esquizofrênico da sociedade, em que a violência corre a olhos vistos, ao passo de que as pessoas precisam se esconder para fazer amor. Criticado, respondeu: “Fico orgulhoso de ser o palhaço do ano neste mundo em que as pessoas ditas sérias estão matando e destruindo em guerras como a do Vietnam”.

 

Nesse embalo, gravaram “Give peace a chance” que, como observou Antônio Bivar (in Bravo!, 2005, p. 45), é uma música de letra simplíssima: “pegou pelo refrão-grude, tocando o coração até dos mais insensíveis”. Como não poderia deixar de ser, suspeito de “envolvimentos radicais” com Jerry Rubin e outros, Lennon enfrentou ameaças de expulsão dos Estados Unidos, situação que só se reverteu em seu favor após a revista Rolling Stone denunciar uma conspiração ilegal para deportá-lo do país.

 

John e Yoko.

 

Música e crítica social

 

Afora a língua afiada ao paladar da crítica salobra, o viés mobilizador do ícone John Lennon foi a música de cunho político-social. Em “Working class hero”, ao bom estilo Bob Dylan, discorreu sobre a difícil situação dos trabalhadores. “The woman is the nigger of the world” é uma canção com a sensibilidade de reunir numa única frase, sincronicamente, o repúdio à condição subalterna das mulheres e dos negros.

 

Em “Happy Christmas” (War is over), após a guerra, como o nome diz, desejou Feliz Natal para brancos, negros, amarelos e vermelhos, reconhecendo as diferenças raciais. Tema que hoje, grandes intelectuais resgatam ao centro do debate social. Em “Power to the people”, criticou novamente as condições do trabalho e preconizou a derrubada dos seus exploradores em favor do poder para o povo.

 

“Imagine”, a sua principal obra e uma das mais belas músicas já compostas, ao questionar a religião, a propriedade, as nações, a ganância, a fome e, de certa forma, o valor de troca (“imagine todo mundo vivendo para o dia de hoje”), defendendo uma vida comum e fraterna entre os homens. Representou, para a formação de muitos adolescentes, que ainda não tinham ouvido falar de Marx, uma espécie de prelúdio do Manifesto do Partido Comunista.

 

Cobrado sobre os grandes concertos beneficentes, vistos como uma espécie de função social da música, Lennon revelou-se crítico da caridade assistencialista.     

 

Porém, para lembrar um poema de Brecht (1983), não incorreu propriamente no caso de “Quem não sabe de ajuda”, pois de muitas campanhas participou até se convencer de que isso só geraria mais dependência, jamais oferecendo uma solução positiva à pobreza, favorável à autonomia e afirmação dos povos. E quando se declarou socialista, não foi hipócrita: assumiu a sua condição-contradição de rico. Por essas e outras se compreende por que, em Havana, Fidel Castro considerou meritório inaugurar oficialmente uma estátua em homenagem a John Lennon.

 

Mark Chapman: autor de um assassinato ainda não explicado.

 

Beatles, Jesus, homem pré-histórico & Lucy in the Sky

 

Que os Beatles tenham sido mais populares do que Jesus Cristo, como Lennon afirmou numa de suas mais sonoras e polêmicas frases, é obviamente muito difícil, dado o histórico traço judaico-cristão do Ocidente, mesmo que a mídia lhes tenha feito às vezes das cruzadas em direção ao Oriente.

 

Mas, à parte com as comparações, Lennon e os Beatles ficam com a vantagem de terem, indiretamente, “batizado” o primeiro ancestral do homem. O cientista Donald Johanson conta no seu livro de divulgação, assinado com Maitland Edey, que, após a localização do fóssil, houve tanta euforia que à noite ninguém dormiu. E um gravador tocou direto o hit “Lucy in the sky with Diamonds”, até que alguém da equipe ocorreu a ideia de chamarem a descoberta de suas vidas de “Lucy” (1996, p. 24-25).

 

Seria esse um detalhe banal, pois nomes podem surgir quase que de quaisquer coisas ou casualidades? Talvez. Mas, no entremeado terreno da ciência e da cultura, depois de Lucy, a história da evolução não pode ser mais contada sem, pelo menos, uma nota de rodapé para os Beatles... E o próprio Johanson o releva: “Lucy? Essa é a inevitável pergunta de quem vê o fóssil pela primeira vez. E tenho sempre que explicar: Sim, era uma fêmea. E tem aquela história dos Beatles”.

 

Nada na música contemporânea foi tão traumático quanto seu assassinato frio e cruel. John morreu combatendo a violência. Ironia ou não do pai destino, uma coisa é certa: do outro lado da vida, os critérios e os fundamentos puramente espirituais, regem o que chamamos de Plano Terreno. “Um simples canalha matou o Rei em menos de um segundo” [Ronaldo Bastos].

 

* Antônio Siqueira é cronista, articulista e correspondente de Via Fanzine no Rio de Janeiro. É editor do portal Política&Afins.

 

 - Fotos: Divulgação.

 

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- Produção: Pepe Chaves.
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