Caio
Márcio de Britto
Juiz de Direito
Por
Pepe Chaves
De
Belo Horizonte-MG
Para
Via Fanzine
15/08/2011
Caio Márcio de Britto, 44 anos é juiz de Direito
na Comarca de Bela Vista-MS. Natural de
Itaúna/MG, atuou como juiz em Campo Grande e Rio Verde de Mato Grosso,
ambas localidades no Estado de Mato Grosso do Sul. Trabalhando
atualmente na fronteira do Brasil com o Paraguai, onde a lei enfrenta
diversos obstáculos para ser estabelecida, este mineiro já enfrentou
ameaças desveladas de bandidos locais. Nessa entrevista nos concedida
gentilmente por e-mail, o juiz Britto alerta sobre a segurança aos
magistrados e lembra que, “Não existe uma polícia do Poder Judiciário
para esta finalidade”. Ele também pede a atenção do Poder Legislativo e
sugere a criação de leis que gerem segurança para que o magistrado
exerça o seu ofício de maneira plena e natural. Britto também atentou ao
fato de o Poder Judiciário estar apto para tão somente fazer cumprir a
lei, “Penitenciária é responsabilidade do Executivo. Se há leis que
fazem prevalecer a liberdade, é problema do Poder Legislativo. A nós, do
Judiciário, é devido apenas cumprir a lei”, lembrou o magistrado.
A entrevista:
Via
Fanzine – Doutor Caio Britto, como o senhor vê os recursos de segurança
proporcionados pelo Judiciário aos seus magistrados?
Caio Márcio de
Britto – O
Poder Judiciário não tem o dever formal de proporcionar segurança aos
seus magistrados. Não existe uma polícia do Poder Judiciário para esta
finalidade. O que pode e deve ser feito é a requisição por parte
daqueles que administram os respectivos tribunais ao Poder Executivo a
fim de que disponibilizem segurança aos magistrados que se encontrem em
situação de risco, que na atualidade é a regra diante da própria
natureza da função. Todavia, esta segurança somente é implementada
apenas de forma repressiva, ou seja, quando o magistrado é ameaçado ou
quando estas ameaças são materializadas o que evidencia uma total
omissão do Estado neste sentido.
VF – O
senhor acredita que, por conta de ameaças aos agentes do Judiciário, a
lei estaria deixando de ser cumprida em nosso país?
CMB –
De forma alguma. As ameaças aos membros do Poder Judiciário são
intrínsecas ao próprio cargo. Não há lei que imponha segurança
preventiva especial à pessoa do magistrado. Os últimos acontecimentos,
não só o relativo à juíza Patrícia Acioli no Estado do Rio de Janeiro,
bem como os ocorridos no Estado do Espírito Santo e no Estado de São
Paulo, respectivamente, com os juízes
Alexandre Martins
de Castro Filho e José Antônio Machado Dias, isso no ano de 2003, apenas
demonstram a fragilidade do sistema onde objetivamente, nada foi feito
para mudar este quadro. Faz-se e já se fazia extremamente necessário a
adoção de uma política séria nesta área, com a sensibilização do Poder
Legislativo acerca do problema, reconhecendo a importância da função do
magistrado para a concretização da democracia no país, editando lei que
obrigue o Estado a dotar os juízes e membros do Ministério Público de
segurança preventiva. Somente após a edição desta lei é que se poderá
avaliar sobre seu efetivo cumprimento. Até que isso ocorra, qualquer um
de nós poderá ser a próxima vitima. Importante dizer que quando me
refiro a qualquer um de nós não faço menção à minha pessoa enquanto
cidadão, mas à minha pessoa investida de autoridade, de forma legítima e
legal. E é justamente neste aspecto que a população precisa se
conscientizar, que não há privilégios pessoais para quem ocupa os
referidos cargos, mas que se referem às prerrogativas inerentes ao
cargo, sob pena de se inviabilizar o seu exercício.
VF –
Sabemos que nos mais distantes rincões do Brasil, agentes judiciários
sofrem ameaças veladas ou abertas por parte de réus envolvidos com
diversos tipos de crimes. O que seria necessário para que também os
juízes que trabalham distantes dos grandes centros contem com efetivo
aparato de segurança pessoal?
CMB –
Conforme dito antes, necessitamos urgentemente de uma lei que imponha
esta obrigação ao Estado. No âmbito da segurança, não há diferença entre
o juiz que trabalha nas grandes cidades daquele que trabalha em locais
mais afastados. Lamentavelmente, nivela-se por baixo, ou seja, não
existe segurança preventiva para nenhum deles.
'Se falhar a
distribuição da justiça, dentro do devido processo legal,
pelo acovardamento
de seus membros, o país poderá entrar num colapso sem volta,
como se
estivéssemos numa verdadeira guerra civil'
VF –
No entanto por outro lado, o fato de trabalhar numa grande cidade não
implica necessariamente em segurança e, em muitos casos, pode ser o
contrário. Haja vista a recente execução da juíza Patrícia Acioli no Rio
de Janeiro. Como o senhor vê, particularmente, este triste episódio?
CMB –
Lamento profundamente a perda de uma vida, seja ela quem for. No caso da
doutora Patrícia, a dor é maior por se tratar de uma colega,
profissional exemplar, tendo cumprido com suas obrigações de forma
destemida até o momento de sua morte. Se houve falhas nesta pequena
estatística, ainda é tempo de se repensar sobre o problema de forma
séria conforme eu disse antes e não apenas fazendo “barulho” no calor
dos fatos. Precisamos de mais seriedade e respeito quando o assunto é o
exercício de função de Estado. Sem segurança, nenhum juiz poderá
distribuir justiça. Se falhar a distribuição da justiça, dentro do
devido processo legal, pelo acovardamento de seus membros, o país poderá
entrar num colapso sem volta, como se estivéssemos numa verdadeira
guerra civil. Prevalecerá a lei do mais forte e é justamente neste
sentido que a força do Estado deverá prevalecer sobre o crime, seja ele
organizado ou não.
VF –
Sabemos que, igualmente à magistrada carioca, um contingente formado por
inúmeros profissionais do Direito também se expõe pessoalmente ao
cumprir uma função que é pública. A seu ver, qual seria a solução para
minimizar esta problemática da exposição por parte dos agentes
judiciários?
CMB –
Não há como deixar de expor um membro do Poder Judiciário que atua
diretamente nas comarcas de primeira instância, reconhecidos no jargão
popular como a “tropa” do judiciário. Nós é que temos contato direto com
as partes. Somos conhecidos na cidade onde moramos. Sabem nosso
endereço, o local onde nossos filhos estudam, onde jantamos e os lugares
que frequentamos para um mínimo de lazer com nossa família, até porque a
lei nos impõe a obrigação de residirmos nas nossas comarcas. Já seria
hora de rever esta obrigação. Afora isso, é preciso dar conhecimento que
há quase cinco anos os juízes e membros do Ministério Público não têm
reajuste em seus subsídios, e não estou me referindo a aumento de
salário, mas a reajuste de acordo com a inflação, conforme previsto na
Constituição. Neste aspecto, enquanto bandidos, sonegadores, traficantes
etc., se profissionalizam em seus “modus operandi”, os juízes e
promotores ficam reféns do próprio Estado em relação aos seus direitos
consagrados na Constituição Federal. Neste sentido, é passível a
discussão acerca de quem são verdadeiramente aqueles que atentam contra
o Poder Judiciário, já que nos últimos tempos, o Estado tem se tornado o
nosso maior agressor.
'Problema maior do
que a investida de alguns criminosos contra juízes
e promotores é a
falta de respeito do Estado com o Poder Judiciário'.
VF –
Particularmente, o senhor já sofreu ameaças por exercer o seu ofício?
CMB –
Já fui vitima de ameaças públicas. Na época, todas elas divulgadas por
vários setores da imprensa e nem por isso, gozo de qualquer segurança no
exercício de minha função em área de fronteira. Isso não é privilégio
apenas meu, mas de todos os colegas que se encontram na mesma região.
VF
–Pode nos sintetizar como ocorreram?
CMB –
Foi referente a alguns paraguaios da fronteira, que se sentiram no
direito e com o poder de atuarem em território brasileiro como atuam em
seus quintais. Minha conduta se fez apenas no sentido de aplicar a lei.
VF – O
senhor acredita que o Brasil está preparado para punir os seus grandes
criminosos?
CMB –
Em relação ao Poder Judiciário, o Brasil está preparado não só para
punir seus grandes criminosos como também para processá-los e julgá-los
devidamente. Depois da condenação, cabe ao Executivo encontrar os meios
para que esses criminosos possam cumprir suas penas, o que não é função
do Poder Judiciário. O problema é que a população sempre acha que o
Judiciário é responsável por tudo, o que não é verdade. Penitenciária é
responsabilidade do Executivo. Se há leis que fazem prevalecer a
liberdade, é problema do Poder Legislativo. A nós, do Judiciário, é
devido apenas cumprir a lei.
'Já virou moda divulgar que todo e
qualquer problema ocorrido no país,
o culpado é o Judiciário, o que não é
verdade,
nem mesmo em relação à sua própria
morosidade'.
VF –
Mesmo em países de primeiro mundo, como na Itália, assassinatos de
juízes têm composto a história judiciária. Portanto, este não é um
problema exclusivo do Brasil. Ele se mostra como um fenômeno global e
traz consigo históricos antiquíssimos. Até quando deverá ser assim?
CMB –
Nossa situação não pode ser comparada ao problema que ocorreu na Itália,
onde a máfia dominava. É fato que temos um problema, em proporções muito
menores. Problema maior do que a investida de alguns criminosos contra
juízes e promotores é a falta de respeito do Estado com o Poder
Judiciário, conforme dito antes. Com um pouco de vontade política,
sairemos fortalecidos. Entretanto, sem esta vontade política,
dificilmente encontraremos pessoas vocacionadas ao exercício da função.
VF – O
Judiciário tem se mostrado como o mais isolado dos três poderes. Ao
contrário do Executivo e do Legislativo, seja a partir de seus tímidos
(ou até inexistentes) serviços de comunicação social ou comunicação
espontânea com a imprensa em geral, o poder Judiciário parece ter se
fechado em si próprio. Não seria interessante, nesse sentido, se o Poder
Judiciário se aproximasse mais da sociedade, seja através de serviços de
comunicação ou da promoção de eventos sociais, entre outros?
CMB –
O Poder Judiciário é um Poder que tem todos os seus atos judiciais e
administrativos marcados pela publicidade, salvo os casos judiciais de
segredo de justiça. Os atos administrativos estão vinculados à lei, como
qualquer ato dos demais poderes. Somos submissos apenas à lei. Qualquer
irregularidade, como ocorre com os demais poderes, é passível de
punição. No âmbito de sua atividade essencial, a autonomia para decidir
não pode ser confundida com a necessidade de sua divulgação, os quais
estarão sempre materializados nas respectivas decisões, até porque ao
juiz é vedado fazer comentários sobre o caso sob sua jurisdição. Vedação
imposta por lei. Quanto ao relacionamento com a imprensa, todos os
tribunais dispõem de assessorias de comunicação, aptas a prestarem as
informações necessárias a todos, o que sempre fazem com grande
satisfação, justamente para dar transparência à população.
'A lei somente irá
progredir com a mudança social.
Não há mudança
social maior do que a educação'.
VF –
Generalizando, como o senhor vê a atual demanda de processos no país e,
por outro lado, a constante queixa do público pela morosidade das
decisões?
CMB -
Num processo, o juiz não age sozinho, ou seja, ele não é dono do
processo e nem atua defendendo interesse próprio. Só existe morosidade
porque a lei dá brechas para que ela possa ocorrer. Num processo, há
sempre duas partes litigando. Quantos processos não são “travados” em
seu andamento por requerimentos protelatórios, por recursos inoportunos,
por atos revestidos de má-fé? A grande maioria dos profissionais com
quem tenho trabalhado é dotada de caráter e de retidão, sejam eles
membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da OAB. Todavia,
como nós juízes falhamos, há outros que também falham o que nem sempre é
mostrado à população. Já virou moda divulgar que todo e qualquer
problema ocorrido no país, o culpado é o Judiciário, o que não é
verdade, nem mesmo em relação à sua própria morosidade. Erros existem,
mas quem atira a primeira pedra?
VF –
Quais têm sido os maiores problemas enfrentados especificamente pela
Comarca em que o senhor atua?
CMB –
O maior problema enfrentado por nós consiste num aumento considerável de
feitos ajuizados, o que certamente será resolvido com a instalação de
mais uma vara. Esta questão já foi encaminhada à direção do Judiciário
Estadual, acreditando que a curto médio prazo o tenhamos como
resolvidos.
VF – O
senhor acredita que a lei no Brasil possa progredir ainda, no sentido de
atender a uma série de reivindicações populares, como a reiterada
impunidade para agentes públicos que cometem comprovados crimes de
improbidade?
CMB –
A meu ver, já existe lei neste sentido, sendo, inclusive, muito severa
para aqueles que a transgride. As reivindicações populares somente
poderão ser respondidas no momento do voto e para isso faz-se necessária
a educação. A imprensa, quando o Estado é falho, é o principal
instrumento para se levar educação a quem não teve oportunidade de
recebê-la na forma adequada. A lei somente irá progredir com a mudança
social. Não há mudança social maior do que a educação.
VF –
Agradecemos pela entrevista e pedimos para nos deixar suas considerações
finais.
CMB –
Mais uma vez agradeço à direção de Via Fanzine pela oportunidade
concedida, me colocando à disposição para o que for necessário.
*
Pepe Chaves é editor do diário digital
Via Fanzine e
da Rede VF.
- Foto: Arquivo VF.
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